O aviltamento do IPEA como pesquisador independente

É absolutamente falsa a alegação de que a reforma da Previdência possibilitará crescimento econômico. As contas do IPEA a esse respeito são divagações ideológicas sem qualquer respaldo científico.
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O IPEA (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas) foi uma criação singular do então ministro do Planejamento, Reis Velloso, nos anos 70, com a peculiaridade de ser um espaço de debate independente em pleno ambiente da ditadura. Transformou-se agora num nicho insignificante de produção de ideologia governista e neoliberal, a serviço do pensamento conservador e das classes dominantes, traindo sua origem intelectual e política. Hoje, não serve para nada. Exceto para usar sua grife na bajulação para governantes da hora.

Num acinte à opinião pública informada, um diretor caricato do IPEA ganhou largo espaço da Globo para pontificar, seguindo rigorosamente a cartilha do grande farsante Paulo Guedes, que se a reforma da Previdência não passar a economia vai mergulhar numa grande recessão. Isso deve ter sido combinado entre Guedes e Globo, mesmo que de forma implícita, pois no jogo do poder do dinheiro não há coincidências. A Globo apoia a reforma da Previdência assim como apoiou a ditadura militar em 64. Oportunamente pedirá desculpas.

É absolutamente falsa a alegação de que a reforma da Previdência possibilitará crescimento econômico. As contas do IPEA a esse respeito são divagações ideológicas sem qualquer respaldo científico. Com ou sem reforma da Previdência teremos uma recessão este ano. A razão, ignorada pelo IPEA, é que todas as ações do governo até agora, seja diretamente, seja na área bancária, são contracionistas. O resto são exercícios típicos de uma modelagem aritmética descolada da realidade, feitas exclusivamente paras manipular a opinião pública.

A única forma pela qual uma reforma previdenciária poderia ajudar no crescimento econômico seria através de um aumento generalizado no valor dos benefícios. Isso levaria ao aumento da demanda, o aumento da demanda estimularia o crescimento e o emprego, o aumento do emprego reanimaria a demanda, e assim por diante. É o oposto o que Guedes, aliando interesse próprio e má fé, tem apregoado. Essa função previdenciária é conhecida na Europa como efeito dos “estabilizadores automáticos” da economia. A reforma faz o contrário.

A poupança para os ricos de 1 trilhão de reais de Guedes, seu objetivo principal no projeto de capitalização, é fundamentalmente contracionista. No sistema atual, as contribuições de patrões e empregados se convertem imediatamente em benefícios, portanto demanda, para aposentados e pensionistas. No sistema de Guedes, a contribuição do patrão desaparece e será incorporada aos lucros. E a parte do trabalhador irá imediatamente para um fundo gerido por um banco que a transformará em especulação financeira estéril. Nada de demanda.

Outro fetiche da reforma que deve ser descartado é o que sustenta que para haver crescimento da economia é essencial o equilíbrio fiscal. Esta é outra patacoada ideológica. O equilíbrio fiscal supõe contribuição nula do setor público para o crescimento, porque tudo que o governo injeta na economia como gasto equivale ao que retira dela como imposto. Numa situação de recessão, se o governo não investe deficitariamente, o setor privado não tem qualquer incentivo para investir porque não há demanda suficiente dado o nível baixo do PIB. O IPEA deveria aprender isso e ensiná-lo a Guedes.

Se não é por aí, por onde será a contribuição da reforma para o crescimento se todas as outras medidas previstas são no sentido de reduzir benefícios? Teremos um gigantesco processo de contração da economia ainda maior do que foram aqueles de Temer. Se o IPEA não consegue ver isso deveria ser sumariamente fechado. Ou ele talvez esteja vislumbrando a possibilidade de ser fechado no projeto de Estado mínimo de Guedes e, por precaução, presta um serviço ideológico ao ministro da Economia, escondendo-se na condição falsa de instituto “independente” criado por Velloso.

Na verdade, estamos num jogo sórdido em que o sistema de comunicação se coloca abertamente contra o povo e o silêncio é imposto aos eventuais divergentes. Faz parte disso o baile de declarações aparentemente conflitantes entre Bolsonaro, César Maia e Moro. Tudo num circo de faz de conta. Enquanto somos distraídos pela retórica inservível, a caravana da reforma tenta passar  ao largo com o apoio dos mesmos contendores aparentes. Maia é tão apoiador da reforma quanto Bolsonaro. Ele disse isso. Estão apenas de briguinha para enganar os trouxas.