Oreiro e o novo desenvolvimentismo

José Luís Oreiro, professor do Instituto de Economia da UFRJ. Entrevista fala sobre Ciro Gomes e o novo desenvolvimentismo. Foto: FABIO MOTTA/ESTADÃO
José Luís Oreiro, professor adjunto do departamento de economia da UNB. Foto: Fabio Motta.
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Um dos principais nomes do desenvolvimentismo no Brasil, o economista José Luis Oreiro não poupa críticas ao governo Temer, indica vários erros nas gestões petistas e afirma que Ciro Gomes é o candidato mais alinhado à escola que busca alterar a lógica econômica vigente no país.

As opiniões de Oreiro incomodam liberais, mas podem não agradar a todos os esquerdistas. Ao falar sobre o quadro fiscal, por exemplo, ele defende o aumento de impostos e o fim do teto de gastos, mas diz que a adoção de uma idade mínima para a aposentadoria é “inescapável”.

Em conjunto com Nelson Marconi, que é um dos assessores de Ciro, o entrevistado publicou vários trabalhos nos últimos anos. Em um dos mais recentes, “O novo-desenvolvimentismo e seus críticos”, de 2016, ambos apontaram caminhos para a atuação do Estado nos próximos anos.

Oreiro também tem obras escritas com João Sicsú, Bresser-Pereira e outros nomes associados à esquerda na economia, além de 80 artigos em revistas científicas nacionais e internacionais, como o Journal of Post Keynesian Economics, o Cambridge Journal of Economics e a Revista de la Cepal.

Nesta entrevista ao Portal Disparada, o economista, que atualmente é professor da Universidade de Brasília (UNB), fala sobre o governo PT, a crise econômica, as eleições presidenciais e as perspectivas para o futuro.

O que define o novo desenvolvimentismo?

O novo desenvolvimentismo é uma estratégia nacional de desenvolvimento, que tem como eixo central a ideia de que o desenvolvimento econômico é um processo de mudança estrutural da economia realizado com o intermédio da acumulação de capital e do progresso tecnológico.

Para que essa mudança aconteça, é necessário que haja uma taxa de câmbio competitiva, que os salários cresçam no mesmo ritmo da produtividade do trabalho e que haja uma taxa de juros compatível com os níveis internacionais. Com um equilíbrio entre esses três fatores, pode haver uma mudança estrutural da economia, com a realocação dos fatores de produção para setores com maior produtividade do trabalho, como a indústria.

O governo deve intervir para alinhas esses três fatores?

Sim, é preciso adotar regimes de política econômica, monetária, salarial e fiscal que levem a um equilíbrio entre essas bases.

No mercado internacional o Brasil enfrenta países com leis trabalhistas fraquíssimas. É possível compensar essa questão só com a apreciação da taxa de câmbio?

A ideia é justamente essa. O câmbio é um instrumento que te permite equiparar os custos do trabalho com o de outros países. O Brasil perdeu muita competitividade externa porque o custo do trabalho daqui cresceu muito nos últimos 15 anos, prejudicando as exportações de manufaturados e aumentando as importações de manufaturados – houve um processo de substituição das importações às avessas.

Como se daria esse controle do câmbio?

Acho controle uma palavra muito forte. Trata-se de um regime de cambio administrado, com vários mecanismos, como o controle de capitais, que aconteceria, por exemplo, com um deposito compulsório para todas as entradas de capitais. Também é possível adotar uma regulação do mercado de derivativos de câmbio, com o objetivo de reduzir a demanda especulativa por moeda estrangeira, além de usar um imposto sobre as exportações de commodities, como o minério de ferro.

E os swaps cambiais, que o governo tem usado mais frequentemente?

São muito caros para o Tesouro, deveriam ser usados apenas em ultimo caso.

O controle de capital pode afastar o capital estrangeiro?

Sim, e a ideia é exatamente essa. Precisamos substituir a poupança externa pela poupança domestica. A ideia básica do novo desenvolvimentismo é que o capital se faz em casa.

Qual a importância do combate à desigualdade para esse novo desenvolvimentismo?

É algo importante, pois é necessária uma coesão social num projeto de desenvolvimento. Se for feito um projeto apenas para os mais ricos, não haverá essa coesão. O novo desenvolvimentismo não é contrário ao Bolsa-Família e a uma reforma tributaria progressiva, mas a desigualdade na distribuição de renda de hoje está mais ligada aos empregos de baixa qualificação que dominam a economia brasileira.

Por isso, é mais importante que seja alterada a estrutura produtiva da economia, mudando a participação dos setores econômicos. Hoje, no Brasil, os empregos são gerados no setor de serviços de baixa qualificação, já que a desindustrialização acabou com postos de trabalho com maior complexidade. É necessário reverter esse quadro.

E o investimento público no novo desenvolvimentismo?

É algo fundamental para que seja criada uma estrutura básica para a realização do investimento privado. O Brasil possui, por exemplo, notórias deficiências na área de energia, com uma matriz muito cara, que poderiam ser resolvidas com o investimento público.

Como lidar com o problema fiscal? Qual a sua opinião sobre o teto de gastos e a reforma da previdência?

A reforma da previdência é uma necessidade, basta olhar o perfil demográfico do Brasil. É necessário discutir melhor que tipo de mudança será feita, mas acredito que a colocação de alguma idade mínima é inescapável.

Sobre o problema fiscal, acredito que em 2019 deverá ser feito um ajuste rápido, diferente do ajuste gradual tentado por Temer com o teto de gastos. E não tem jeito, será necessário aumentar impostos, recriando a CPMF [Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira], que pode gerar entre 1,3% a 1,4% do PIB em receita em um período doze meses.

Também será necessário recriar o imposto de renda sobre lucros e dividendos distribuídos, que poderia gerar mais R$ 30 ou R$ 40 bilhões por ano. Junto com esse imposto seria necessário fazer um ajuste na alíquota do imposto de renda da pessoa jurídica, para evitar uma tributação muito forte sobre as empresas.

Outra mudança importante está na revisão dos gastos tributários, as isenções fiscais, que avançaram muito no governo Dilma e já estão em torno de 4% do PIB. É lógico que não dá pra eliminar todos esses gastos, mas é possível diminuir bastante esse número.

Todas essas mudanças permitiriam um ajuste fiscal mais rápido, eliminando o déficit fiscal no curto prazo e permitindo que a dívida pública voltasse a cair.

Essas mudanças seriam temporárias?

Não. Seriam aumentos mais duradouros.

Então a carga tributária seria ampliada por tempo indefinido?

Sim, seria necessário um aumento em torno de 3% do PIB. Isso porque não há, pelo menos no curto prazo, como resolver o problema fiscal sem aumentar a carga tributária. Quem disser o contrário estará vendendo ilusão.

E o teto de gastos?

O teto precisa ser retirado. É uma medida inviável e sempre se soube que ela era inviável. Como a população brasileira continua crescendo e está envelhecendo, a demanda pelo gasto público vai aumentar, o que impossibilita o congelamento dos investimentos públicos.

A aprovação do teto foi uma estratégia política montada pela equipe do Temer para forçar a aprovação da reforma da previdência. E essa estratégia deu errado.

Quais foram os principais erros econômicos do governo PT?

O primeiro grande erro foi ter deixado o câmbio se apreciar tanto no governo do Lula. Sem essa apreciação, a desindustrialização brasileira teria sido mais fraca.

Outro erro foram as desonerações tributárias feitas pela Dilma em 2012 e 2013, que pioraram bastante o quadro econômico. Elas [desonerações] não exigiram nenhuma contrapartida em investimento e queimaram o espaço fiscal do governo.

O terceiro erro foram as pedaladas fiscais, que tiraram a credibilidade da equipe econômica do governo e contribuíram para o impeachment.

E o PT também errou ao apostar todas as fichas no pré-sal. O governo embarcou numa aventura achando que, com o pré-sal, seria resolvida a crise dos anos 70 de forma retroativa. E isso aconteceu em um momento que o mundo todo caminha para uma matriz energética limpa. Poderíamos ter investido muito mais em produção de energia solar e eólica, o que também teria poupado o caixa da Petrobras, que está se recuperando até hoje.

Você vê o Ciro alinhado ao novo desenvolvimentismo? Algum outro candidato segue ou poderia seguir essa linha?

A principio, o Ciro é o mais alinhado com essa linha. Mas não digo que ele é 100% alinhado, até porque Mauro Benevides Filho e o Flávio Ataliba [economistas que assessoram o candidato] não são desenvolvimentistas.  Já o Nelson Marconi, que é desenvolvimentista, parece ter um papel mais secundário na campanha do Ciro.

O novo desenvolvimentista é de esquerda? Você é de esquerda?

Me considero um social democrata, uma pessoa que considera que o desenvolvimento econômico deve ser inclusivo e que o mercado precisa de regulação e supervisão do Estado para funcionar bem. Acho que esses pontos me colocam na centro-esquerda.