Protecionismo, Soberania Econômica e as “Trump Towers”

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O início da presidência de Donald Trump nos EUA trouxe à tona um importante aspecto do sistema interestatal que organiza e hierarquiza as relações de poder mundo afora: a soberania nacional.

Isso porque Trump, em conformidade com suas promessas de campanha, passou a implementar agenda intensamente “protecionista”, articulando medidas como a ampliação de barreiras a imigrantes e a sobretaxação de determinadas importações. Em seu discurso de posse, foi afirmado que quaisquer decisões relativas ao comércio exterior, tributos, imigração e relações exteriores em geral serão tomadas para impedir que outras nações “copiem produtos, dilapidem companhias e destruam empregos nos EUA”. Em suas palavras: “Protection will lead to great prosperity and strength.”

A polêmica figura do novo presidente, contudo, escamoteia o sólido aparato institucional já disponível ao Governo dos EUA para a intransigente tutela de seus interesses na baila mundial – o qual remete à própria construção do seu Estado nacional, sobre os ombros de gigantes como Alexander Hamilton e Henry Charles Carey.

Poderiam aqui ser mencionados (i) o “Buy American Act”, diploma que instrumentaliza as compras governamentais do país ao fomento de sua produção doméstica; (ii) a DARPA, bilionária agência dedicada ao desenvolvimento de tecnologias usufruídas pelo exército e empresariado locais; ou (iii) a “Super 301”, agressivo mecanismo unilateral de defesa comercial inscrito no “Omnibus Foreign Trade and Competitiveness Act”, de 1988.

Outro importante instrumento de proteção da economia estadunidense é o tão poderoso quanto obscuro “Committee on Foreign Investment in the United States” (CFIUS). Trata-se de comitê interministerial submetido diretamente à Presidência dos EUA, tendo por função a supervisão das implicações, em termos da segurança nacional e soberania econômica, de investimentos estrangeiros no país.

O CFIUS foi instituído em 1975, para analisar o impacto, elaborar relatórios e propor políticas relativas ao investimento estrangeiro nos EUA. Em 1988, durante o Governo Reagan, foram concedidos poderes à Presidência para impedir a consumação de operações de aquisição de controle de empresas norte-americanas por estrangeiros, caso o negócio pudesse ameaçar a segurança nacional. Coube ao CFIUS, por seu turno, a análise prévia de tais negócios, a fim de verificar se eles colocariam em risco, de qualquer forma, as “infraestruturas críticas”, “recursos-chave” ou “setores críticos” para a economia do país.

Fazendo uso deste aparato legal, George Bush, em 1990, e Barack Obama, em 2012, formalmente proibiram a venda de empresas e ativos norte-americanos a agentes estrangeiros.

Há, inobstante, um universo de negociações privadas que simplesmente deixam de prosseguir por força da atuação do CFIUS. A despeito da falta de informações oficiais, a imprensa tem noticiado diversas operações malogradas por influência do Comitê.

Menciona-se, por exemplo, a oferta chinesa, do início de 2016, pela Bolsa de Valores de Chicago, a qual mobilizou quarenta e seis congressistas republicanos a subscrever uma carta aberta ao CFIUS sugerindo que a operação fosse submetida a “completa e rigorosa investigação”.

De todo modo, entre 2005 e 2014, 1.095 operações foram notificadas ao Comitê, das quais 105 foram retiradas pelas partes antes de uma decisão final. Ainda que mais da metade destas tenha sido submetida novamente em momento posterior (provavelmente após o negócio ter sido readequado para tornar-se palatável às autoridades norte-americanas), cerca de 40% delas representaram interrupções definitivas.

A lista de instrumentos legalmente facultados ao Comitê para a mitigação dos riscos associados aos negócios (bem como para sua eventual dissuasão) é virtualmente ilimitada, variando desde a restrição ao acesso de tecnologias estratégicas até a indicação de funcionários do Governo para órgãos de administração da empresa adquirida.

Importa reconhecer, portanto, que as políticas atualmente esbravejadas pela Presidência dos EUA, ainda que assustem, inserem-se em verdadeira arquitetura jurídica de proteção à soberania econômica do país, num edifício que certamente não se resume a mais uma simples “Trump Tower”.