O racismo nas relações de emprego

Embora o contrato de trabalho seja definido como uma relação de direito privado, ele depende da conjuntura política e econômica do país. O aumento de empregos ou a sua redução está intimamente alinhado com as decisões políticas e de mercado. Com a redução de direitos em razão da Reforma Trabalhista (Lei n. 13.467/2017), o número de trabalhadores na informalidade e desempregados aumentou. As dificuldades econômicas experimentadas pela pandemia da COVID-19 também causaram profundo impacto nas relações de emprego. Ou seja, o direito do trabalho pode ser entendido na chave do direito público.
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Embora o contrato de trabalho seja definido como uma relação de direito privado, ele depende da conjuntura política e econômica do país. O aumento de empregos ou a sua redução está intimamente alinhado com as decisões políticas e de mercado. Com a redução de direitos em razão da Reforma Trabalhista (Lei n. 13.467/2017), o número de trabalhadores na informalidade e desempregados aumentou. As dificuldades econômicas experimentadas pela pandemia da COVID-19 também causaram profundo impacto nas relações de emprego. Ou seja, o direito do trabalho pode ser entendido na chave do direito público.

Nesse sentido, as normas de ordem pública estabelecidas na Constituição devem ser aplicadas pelo juízo trabalhista a toda relação de trabalho e emprego. A Constituição Federal estabelece o repúdio ao racismo (art. 4º, inciso VIII), de modo que as relações de trabalho e emprego devem se orientar por esse princípio. O racismo é constatado de várias formas: quando o índice de desemprego de negros é maior que o de brancos; quando as empresas impõem padrão estético para contratação (os famosos anúncios de “contrata-se pessoa de boa aparência, enviar currículo com foto para…”), ou quando o quadro de funcionários não apresenta diversidade étnica.

Segundo Humberto Bersani, em seu artigo intitulado Racismo, trabalho e estruturas de poder no Brasil, vivemos em um Estado branco, porque o número de magistrados negros e pardos é inferior ao de brancos. Os dados a respeito da cor/ raça dos magistrados resultado da pesquisa realizada pelo Conselho Nacional de Justiça constataram que 0,1 % se declarou indígena, 14,2% pardo, 1,5% amarelo, 1,4 % preto e 82,2% branco.

Para além de medidas de ações afirmativas em favor da inclusão da população negra no mercado de trabalho, tornam-se imprescindíveis políticas internas nas empresas privadas e na Administração Pública direita e indireta, que enquadrem a dimensão das condutas e práticas racistas, a fim de que sejam combatidas com a mesma rigidez de qualquer falta grave estabelecida na Consolidação das Leis Trabalhistas.

Os programas de compliance antidiscriminatório adotados por algumas empresas devem alcançar ações efetivas de intolerância ao racismo, a ponto de piadas, comentários e qualquer manifestação racista não serem entendidos como equívoco ou ignorância. E o fato do racismo ser estrutural e se manifestar em todas as relações sociais não deve ser utilizado como desculpa para afastar a responsabilidade individual do empregado, nem a responsabilidade da empregadora, pelo crime de racismo ou de injúria racial praticado. Racistas têm tentado se afastar da responsabilidade com argumentos de que “o mundo é racista, perdão!”. Tal argumento até explica, mas não justifica o racismo, que deve ser combatido e não reproduzido.

Quando uma empresa tem políticas de ações afirmativas para a inclusão dos negros em seu quadro de funcionários, mas ignora as atitudes e práticas racistas realizadas pelos seus funcionários, torna-se tão culpada quanto o autor direto, uma vez que naturalizou e normalizou o racismo em sua organização interna. Chancelar as práticas racistas torna a empregadora ética e politicamente responsável pela manutenção do racismo.

Silvio Luiz de Almeida, em seu livro intitulado Racismo estrutural, afirmou que “racismo é uma forma sistemática de discriminação que tem a raça como fundamento, e que se manifesta por meio de práticas conscientes ou inconscientes que culminam em desvantagens ou privilégios para indivíduos, a depender do grupo racial ao qual pertençam”.

Na Reclamação Trabalhista, o reconhecimento do racismo vem atrelado ao pedido de indenização por dano moral. E nos termos do artigo 114, inciso VI, da Constituição Federal, compete à Justiça do Trabalho processar e julgar as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho.

Desta forma, cabe ao Judiciário, ainda que formado majoritariamente por pessoas brancas, reconhecer a dimensão do racismo e, em suas decisões, condenar as empresas ao pagamento de indenização por dano moral pelo crime de racismo, e também oficiar ao Ministério Público para que este promova ação penal para apurar o crime reconhecido na relação de trabalho e emprego.

Por: Waleska Miguel Batista, Doutoranda em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Mestra em Sustentabilidade e Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Integrante do Grupo de Pesquisa Estado e Direito no pensamento social brasileiro, vinculado ao PPGDPE/UPM.