Sobre a reforma da previdência

reforma da previdência nelson marconi
Botão Siga o Disparada no Google News

Sobre a reforma da previdência: além de torná-la sustentável, vamos também aproveitá-la para melhorar a distribuição da renda no país?

Estamos todos comovidos com o desastre de Brumadinho, que certamente poderia ter sido evitado e os responsáveis devem ser punidos. Mas nesta nota quero falar sobre a reforma da previdência, que vai começar a integrar as manchetes já já, ao lado das relações da família presidencial com as milícias. Participei de um debate sobre o tema no Sindilegis, em Brasilia, no dia 24/01.

Entendo que a reforma da previdência é inevitável e não só isso, essencial, não porque o mercado financeiro afirma e defende, mas porque do contrário realmente o setor público não recuperará sua capacidade de poupar. Subdividi o sistema previdenciário em quatro regimes para a análise, ainda que a divisão formal não seja essa, devido às suas características distintas: urbano, geral, dos servidores civis e militares.

Apenas o regime geral urbano possui uma receita de contribuições razoável. Cobrar dívidas e reduzir isenções também ajudarão a melhorar o seu resultado, e são medidas factíveis e necessárias; uma futura retomada do crescimento também deverá contribuir para a melhoria da arrecadação, mas é importante ressaltar que essas ações não resolverão isoladamente o principal problema deste regime: o crescimento do número de benefícios, que o tornará insustentável a longo prazo, e o desequilíbrio futuro em relação ao número de contribuintes. Considerar o resultado do orçamento da seguridade, por sua vez, ao invés de apenas as receitas de contribuições, somente despe um santo para vestir outro. É necessário alterar a idade mínima, (prevendo algumas diferenciações por categorias e/ou regiões), junto com a definição do tempo de contribuição necessário para alcançar o benefício máximo. Também será necessário complementar o regime de repartição com o de capitalização, pois no futuro não haverá um número suficiente de contribuintes para financiar os beneficiários no regime atual, dadas as mudanças demográficas e nas relações de trabalho. O setor público deverá gerir estes fundos, com ampla fiscalização da sociedade e transparência, e contribuição tanto de funcionários como de empregadores (ou contratantes).

A previdência rural, por sua vez, é um típico programa de assistência com componente fortemente redistributivo; as contribuições praticamente inexistem e os benefícios são direcionados aos mais pobres. Sugiro que haja um tributo específico para financiá-la, preferencialmente sobre lucros e dividendos distribuídos, e seja transformada em um programa de renda mínima, extensível aos pobres da área urbana.

São evidentes o desequilíbrio e as distorções do regime dos servidores, tanto civis como militares. O nível de contribuições é muito baixo e, diferentemente do regime rural, resulta em concentração da renda, principalmente no caso dos servidores civis. Aqui é necessário, além de aproximar as regras das vigentes para o regime geral urbano, elevar a contribuição de ativos e inativos, pois muitos se aposentaram, ou se aposentarão, com proventos integrais e igualdade de reajustes em relação aos servidores ativos. Se não forem elevadas tais alíquotas, teremos um deficit neste regime que não cairá e, na verdade, superará os atuais 1,6% do PIB nele registrado; o país poderá fazer a reforma e o esforço fiscal que quiser e mesmo assim esse patamar de deficit estará dado e, o que é pior, não será resultante de algum programa que beneficie os mais pobres.

Especificamente em relação aos militares, mesmo que a sociedade aceite diferenciar a sua aposentadoria em relação à dos civis, é fundamental que as regras também mudem, ainda mais porque que a contribuição deste grupo é a menor todos analisados – inferior até mesmo à contribuição para o regime de aposentadoria rural.

Enfim, muita água ainda vai rolar sobre o tema. Eu trouxe aqui algumas propostas e análises que certamente são iniciais. É importante frisar apenas mais uma coisa: a reforma da previdência deve ser discutida juntamente com a tributária, pois as duas têm que “ornar”. Novas fontes de financiamento para a previdência terão que ser criadas, dado o atual comportamento das suas receitas.

***

Complementando meus argumentos já apresentados, segue abaixo a tabela com o resultado dos quatro regimes que citei, comparando as receitas de contribuições e a despesa com benefícios. Chama atenção a reduzida contribuição do regime rural (o que é justo), e dos dois regimes de servidores (civis e militares) que, ao contrário, não me parece tão justo assim. Nota-se também o elevado deficit do conjunto do sistema, distribuído de modo quase uniforme entre os regimes, sendo no caso da aposentadoria rural, de novo, mais justificável que no caso dos servidores.

reforma da previdência dados nelson marconi