Teto salarial e os nomes dos clubes na China: o futebol é instrumento da construção socialista

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Por Emanuel Leite Jr. – As medidas mais recentes do futebol chinês (teto salarial e nome neutro dos clubes, sem alusão às empresas proprietárias) mostram como na “Nova Economia do Projetamento” (Elias Jabbour) da China a indústria esportiva também é um setor estratégico do desenvolvimento nacional.

Estas normas, bem como a taxa de 100% sobre o valor de transferências internacionais (2017), evidenciam tanto o “avanço do controle estatal direto sobre a economia”, como o “crescente papel do projeto enquanto expressão da razão sobre elementos mercantis/capitalistas” (Jabbour).

Desde 2016, a indústria futebolística chinesa se guia pelo “Plano de desenvolvimento do Futebol”, uma estratégia de política pública formulada e implementada pelo Governo Chinês, sob a tutela do Gabinete do Conselho de Estado da Conferência Conjunta Interministerial sobre Reforma e Desenvolvimento do Futebol. Este órgão reúne, entre outros, 11 ministérios, quatro comissões de Conselho de Estado, cinco agências governamentais, além do Departamento de Propaganda do Partido Comunista Chinês e agências, comissões e órgãos dos governos locais e regionais.

O Plano, na sua seção “orientação ideológica”, identifica o futebol como “uma indústria emergente e verde” e que o seu desenvolvimento representa um novo setor de crescimento econômico, para além de representar os valores centrais do socialismo chinês. Este Projeto se baseia em outro documento, publicado em 2014 pelo Conselho de Estado chinês, que recomendava o desenvolvimento da indústria esportiva, fomentando uma estrutura que permita o fortalecimento de um mercado competitivo, ressaltando a preocupação com a indústria verde.

Ao estipular teto salarial e impor a mudança de nome dos clubes, a CFA contraria a lógica da indústria futebolística global, marcadamente eurocêntrica e na qual impera a hegemonia da desregulação neoliberal. É o Projeto do futebol se sobrepondo a elementos mercantis/capitalistas. Afinal, uma das preocupações das autoridades chinesas, expressada no Plano, é que haja um crescimento sustentável e saudável do futebol no país. A explosão de contratações de jogadores estrangeiros a partir de 2016 criou uma bolha insustentável que, mais cedo ou mais tarde, arrebentaria.

Os clubes da Super Liga Chinesa gastam 10x mais que os da K-League sul-coreana e 3x mais que a japonesa J-League, por exemplo. A chegada de astros estrangeiros ajudou a colocar a CSL no centro das atenções midiáticas, mas pouco contribuí para o fortalecimento fo futebol nacional. Por essa razão, em 2017, após representante da Administração Geral do Esporte ter dito que os clubes estavam “queimando dinheiro”, a CFA estipulou a taxa de 100% sobre todas as transferências internacionais.

Agora, a China regula os salários e as folhas salariais. Um estrangeiro só poderá ganhar até €3 milhões anuais e um chinês no máximo €628 mil. Já as folhas dos clubes não poderão exceder os €75 milhões, sendo que apenas €10 milhões em estrangeiros. Essa medida contraria a lógica do hiperinflacionamento que se iniciou nos anos 1990. O clube que descumprir a norma poderá perder de 6 a 24 pontos e o atleta poderá ser banido do futebol chinês por até dois anos. E o presidente da CFA, Chen Xuyuan, já avisou: “por maior que seja o clube ou mais famoso que seja o jogador, não testem o nosso empenho”.

A mudança dos nomes dos clubes, medida que tem gerado certa contestação por parte de várias torcidas, tem como pressuposto a criação de raízes e identidades. Um dos maiores desafios do Plano do futebol chinês é cultural. Para isso, é preciso criar uma relação orgânica.

É importante destacar que a mudança dos nomes já estava prevista no Plano, de 2016, que expressa, na intenção de se firmar os vínculos dos clubes aos seus locais, às suas regiões, que “devem ser abolidos os nomes das empresas nos nomes dos clubes”. Essa medida foi reiterada em dezembro de 2019 no Plano de Ação da CFA, que previa a mudança dos nomes até o fim de 2020. Aparentemente, muitos (inclusive analistas Ocidentais do futebol chinês) não acreditavam que as autoridades iriam cumprir com suas diretrizes.

E aqui temos novamente o Projeto se sobrepondo à lógica do mercado global do futebol, hegemonizado pelo capitalismo neoliberal. Claro, no futebol chinês permanece a empresarização e financeirização dos clubes, mas a mensagem é clara: a identidade tem que ser local e não comercial. Ou seja, as autoridades até promovem o desenvolvimento do ambiente competitivo privado e permitem que a iniciativa privada prospere, mas o capitalismo é colocado ao serviço do socialismo, utilizado no interesse da construção socialista. Inclusive no futebol.

Por Emanuel Leite Jr.

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