UALLACE MOREIRA: Plano Real – Análise a partir de indicadores

Fernando Henrique Cardoso, ministro da Fazenda, exibe cédula da nova moeda, o real, em 30 de março de 1994 Gustavo Miranda/Agência O Globo
Fernando Henrique Cardoso, ministro da Fazenda, exibe cédula da nova moeda, o real, em 30 de março de 1994 Gustavo Miranda/Agência O Globo Pedro Malan Neg.: 94-5587 Gustavo Miranda / AgÍncia O Globo
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Depois da fala do Paulo Guedes criticando o Plano Real e o governo FHC, muitos partiram para um debate entre críticos do governo FHC e do Plano Real e defensores do Plano Real e dos governos de FHC.

O objetivo aqui é apenas apresentar alguns indicadores relacionado a esse período, com a finalidade de lançar luz sobre o debate.

1. O Plano Real – três fases

A primeira fase:

a) A primeira fase é marcada pela tentativa de um ajuste fiscal através do Plano de Ação Imediata (PAI) e pelo Fundo Social de Emergência (FSE).

b) O PAI tinha como objetivo redefinir as relações entre Estados, Municípios, União e as relações entre o Banco Central e os bancos estaduais e federais

c) Já o FSE se caracterizava pela desvinculação de receitas do governo federal, tentando buscar um equilíbrio do orçamento da união. Na verdade, as principais mudanças ocorridas com PAI e o FSE foram medidas fiscais implantadas com o objetivo de aumentar a arrecadação e, concomitantemente, cortar gastos.

A segunda fase:

a) A segunda fase do Plano Real tem como marco a implantação da Unidade Real de Valor (URV,) que teve como objetivo principal equalizar os preços relativos da economia, proporcionando a desindexação e acabar com a inércia inflacionária. A URV foi essencial para o combate a inflação na medida em que teve sucesso no alinhamento dos preços.

Terceira fase:

a) Inaugura-se a terceira fase do Plano Real com a introdução da nova moeda na economia brasileira, transformando a URV em Real.

b) Esta fase é marcada não só pelo sucesso no controle da inflação e a euforia de um surto de consumo no primeiro ano de vigência da nova moeda, mas também pelo novo regime cambial que passou a vigorar no país que, aliado ao processo de liberalização comercial e financeira, provocaram profundas transformações na economia brasileira.

Alguns impactos a partir dos números nos ajudam a compreender melhor os impactos do Plano Real. Como seu objetivo principal era controlar a inflação, podemos dizer que o Plano Real teve sucesso, reduzindo a inflação de forma substancial, com alguns anos chegando a 1,7%. FHC deixou a inflação em 26,4%, em 2002.

Fonte: IPEADATA

Quais os custos e mecanismos para se alcançar isso? Um dos principais instrumentos utilizados foram a taxa de câmbio sobrevalorizada e taxa de juros elevadas (Selic). De acordo com o gráfico, podemos perceber que a taxa SELIC chegou a 45%, para atrair capital externo e equilibrar o rombo nas contas externas, sendo que FHC deixou a Selic em 2002 em 25%.

Fonte: IPEADATA

Com a política de juros elevados, o que podemos identificar é que o Brasil inicialmente só atraía investimento de curto prazo, em carteira. Depois tivemos a entrada de investimento estrangeiro direto, mas estimulado pelas privatizações. Um fato interessante é perceber como o investimento em carteira, com a liberalização financeira, tem sua saída muito rápida durante a crise de 1999. É o chamado capital especulativo.

Fonte: IPEADATA

A balança comercial brasileira, com o câmbio valorizado entre 1994 e 1999, gerou um rombo no seu resultado, com déficits constantes. Só iremos reverter esse cenário depois da crise cambial de 1999, com forte desvalorização cambial.

Fonte: IPEADATA

O forte déficit na balança comercial, foi acompanhado de déficit constantes em transações correntes, elevando o déficit em transações correntes como proporção do PIB de forma constante, chegando até mesmo em -4,2%. Só depois da crise cambial, iremos começar e minimizar. A redução do déficit veio acompanhado de uma forte desvalorização cambial, acompanhada de contração econômica e aumento do desemprego, como mostrarei a seguir.

Fonte: IPEADATA

As reservas internacionais eram irrisórias e depois da crise de 1999, a situação ficou mais delicada ainda. FHC recorreu ao FMI para poder equilibrar as contas externas, mantendo o Brasil submisso ao FMI, o qual impôs como condição o tripé Macroeconômico.

Fonte: IPEADATA

FHC e seu Plano Real, tiveram a proeza de elevar tanto a dívida interna com os juros elevados, como a dívida externa, com a crise cambial. Observem que a dívida externa em termos absolutos teve um salto durante a fase de FHC.

Fonte: IPEADATA

Como falei acima, além da dívida externa ter aumentado, com a desvalorização cambial, FHC e o Plano real elevaram a dívida pública interna de forma extraordinária, em termos absolutos.

Fonte: IPEADATA

Mas também a dívida pública interna aumentou na relação dívida/PIB, chegando a 62%, e ele deixou em quase 60% para os governos do Lula.

Fonte: IPEADATA

Quando comparamos o PIB brasileiro nos dois mandatos de FHC com o crescimento mundial, vemos a mediocridade imperando na economia brasileira. No primeiro mandato, a taxa média de crescimento foi de 2,5%, enquanto o mundo cresceu 3,4%.

Fonte: IPEADATA/FMI

No segundo mandato, a situação é pior ainda. O mundo cresceu 3,4%, em média, enquanto o Brasil cresceu apenas 2,1%. Além do mais, podemos observar que a dinâmica de crescimento da economia brasileira é nitidamente marcada pela conhecida dinâmica “stop and go”, ou mais popularmente “vôo da galinha”.

Fonte: IPEADATA/FMI

A partir dos anos 1990, a participação da indústria de transformação no governo FHC é declinante, de forma contínua,  saindo de uma participação de 26,5% em 1990 e ficando em 16,9% em 2002, enfraquecendo várias estruturas produtivas do país. É a chamada desindustrialização negativa.

Fonte: IPEADATA

As exportações brasileiras por intensidade tecnológica já apontavam que o Brasil se especializaria em produtos de baixa intensidade tecnológica e média intensidade tecnológica. Isso vai ficar em evidência depois de 2002, com a quebra de cadeias produtivas nacionais.

Vejam também que a taxa de desemprego foi uma constante. Desde de 1994 a taxa de desemprego vai crescendo, até chegar a 10,4% em 1999, ápice da crise que FHC enfiou o Brasil.

Fonte: IPEADATA

Outro elemento importante é a taxa de investimento como proporção do PIB. Ela apresenta forte declínio justamente a partir do Plano Real, sendo que em alguns anos ficou em 15%. Ou seja, o Plano Real com as privatizações e reformas, não alavancou o investimento no país, fragilizando mais ainda as estruturas produtivas nacionais e a chamada infraestrutura.

Fonte: IPEADATA

A carga tributária no governo FHC também é outro elemento que chama atenção. Depois dos governos militares, FHC foi o governo que conseguiu mais aumentar a carga tributária no país, saindo de um percentual de 25,9% em 1993 para 32,7% em 2002.

Fonte: IPEADATA

Poderíamos discutir aqui ainda os efeitos da privatização, crise do apagão de 2001, crise cambial de 1999, entre outras mazelas deixadas pelo governo FHC e tudo que está inserido no Plano Real, enquanto um plano de estabilidade, o qual contemplava as reformas estruturais do país.

Do ponto de vista do controle da inflação, o Plano Real teve êxito, isso é inquestionável. Entretanto, em outras dimensões, tais como o custo para a estrutura produtiva, as contas externas brasileiras e o desemprego, os indicadores nos permitem dizer que o Plano Real e o governo FHC tiveram elevados custos para o país, principalmente consolidando um modelo responsável pelo baixo dinamismo e instabilidade do crescimento do país, com baixa diferenciação da estrutura produtiva e uma inserção externa regressiva.

Por Uallace Moreira, mestre e doutor em Desenvolvimento Econômico pelo Instituto de Economia da UNICAMP e  professor da Faculdade de Economia da UFBA.