A outra face de Vargas: soberania energética e projeto nacional

No aniversário de suicídio de Getúlio Vargas é comum lembrar de sua política energética com relação ao petróleo ou ainda com relação à siderurgia e à CLT. Contudo, graças ao ex-Presidente, temos a base de outra infraestrutura essencial ao País: a energia hidrelétrica.
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No aniversário de suicídio de Getúlio Vargas é comum lembrar de sua política energética com relação ao petróleo ou ainda com relação à siderurgia e à CLT. Contudo, graças ao ex-Presidente, temos a base de outra infraestrutura essencial ao País: a energia hidrelétrica.

A Revolução de 1930 representou uma ruptura com a ordem oligárquica anterior, tanto política quanto economicamente, e foi o início de uma preocupação do Governo Federal em enfrentar a relação de dependência estrutural com relação aos países desenvolvidos. Em outras palavras, a partir de Getúlio Vargas, há a identificação da condição periférica e, dadas as possibilidades abertas pela Crise de 1929 e pela Segunda Guerra Mundial, o projeto político varguista adotou diversas medidas que tiveram como resultado a internalização dos centros de decisão do País, de forma a diminuir nossa dependência externa.

Sob a ideia de nacionalizar as decisões relacionadas à política econômica e de fundar uma economia nacional independente, industrializada e desenvolvida, o pós-Revolução de 1930 foi constituído de forma a se aproveitar de elementos externos para promover a emancipação parcial frente às nações dominantes. E isto pode ser observado na política energética, principalmente no tratamento dado ao aproveitamento econômico do potencial de energia hidráulica pelas Constituições de 1934 e de 1937.

A Constituição de 1934, junto com o Código de Águas, estava gestando o futuro regime nacional de energia elétrica, ao transformar as quedas d’água e o aproveitamento do potencial de energia hidráulico em propriedade distinta do solo. A partir destes marcos legais, o aproveitamento do potencial de energia hidráulica passou a ser um bem público da União, ou seja, passou a ser afetado a um interesse público.

Ademais, ainda que não tivesse o mesmo apelo popular que as questões relacionadas ao petróleo, a necessidade de uma política nacional de eletrificação era cada vez mais patente: não pode haver projeto nacional de desenvolvimento sem energia elétrica acessível e barata. O regime privado de concessões definhava com a falta de investimentos e o setor tornou-se um gargalo ao desenvolvimento.

Sob este prisma, Getúlio Vargas volta à Presidência em 1951 dispondo a energia como uma de suas prioridades de governo e, junto a sua Assessoria Econômica, apresenta quatro projetos de lei sobre energia elétrica em 1954. O primeiro projeto tratava da criação de um imposto único sobre energia elétrica previsto na Constituição Federal de 1946 que ainda não havia sido regulamentado.

Este projeto significava que o poder público passava a tributar o consumidor de forma a angariar receitas a serem investidas na expansão da geração e transmissão de energia elétrica. A faceta mais interessante deste projeto é que a receita proveniente do imposto único teria como finalidade a constituição do capital de empresas estatais no setor. Essa disposição blindava os investimentos públicos de serem apropriados por entes privados.

O segundo projeto dizia respeito ao rateio do imposto único. A proposta era que se fizesse um rateio levando-se em conta as desigualdades regionais, ao destinar mais recursos às regiões mais atrasadas. Assim, buscava-se eliminar essas incongruências regionais, que também são a causa do subdesenvolvimento, na qual há áreas muito desenvolvidas e outras atrasadas que, no limite, perdem capital e recursos para as regiões mais ricas, assim como ocorre no nível internacional.

O terceiro projeto tratava do pleno decenal de eletrificação. Logo, obrigaria o governo a planejar a expansão do setor elétrico, tanto técnica, ao normatizar o sistema elétrico nacional, quanto economicamente, já que permitiria a criação de políticas econômicas de longo prazo ao ter conhecimento de como seria o crescimento desse setor estratégico. Por fim, o quarto projeto dizia respeito à Eletrobrás, que deveria ter como função ser uma holding que, por meio de suas subsidiárias, controlaria a política energética em nível nacional. A Eletrobrás seria a entidade estatal responsável pela condução do Plano decenal de eletrificação.

Infelizmente, Vargas não viu a Eletrobrás ser constituída em 1962, tampouco viu que, em razão do Código de Águas e dos quatro projetos apresentados em 1954, foi possível construir uma rede integrada de energia elétrica pelo País. Esta mesma holding que vendo sendo paulatinamente destruída por governos neoliberais, foi a chave para que milhões de brasileiros tivessem acesso à energia elétrica.

Por: Debora Cunha.