Direito, Subdesenvolvimento e Relações Internacionais na América Latina

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No dia 26 de Novembro, no Auditório João Calvino da Universidade Presbiteriana Mackenzie, ocorreu o evento “Direito, Subdesenvolvimento e Relações Internacionais na América Latina”, que contou com a presença do Professor Marcelo Gullo, da Universidad Nacional de Lanús, do Professor Gilberto Bercovici, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, e do Pesquisador Helid Raphael de Carvalho Júnior, da Universidade Federal Fluminense.

O evento foi organizado por alunos do Mestrado e do Doutorado do Programa de Pós-graduação em Direito Político e Econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie e com o apoio do Portal Disparada.

Com cerca de uma hora e meia de exposições dos palestrantes e perguntas do público, o evento também serviu para a divulgação do lançamento do novo livro de Marcelo Gullo, “Relaciones Internacionales: uma teoria crítica desde la periferia sudamericana”.

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O Professor Gullo apresentou sua ideia de subordinação ideológica, instrumento de poder utilizado pelos países desenvolvidos para impedir os países subdesenvolvidos de se desenvolverem.

O primeiro país a ter se livrado das amarras da subordinação foi a Inglaterra, no século XVI, durante o reinado de Isabel I. Diante do domínio que os Países Baixos exerciam sobre o mercado de têxteis, coube à Inglaterra lançar mão de uma decisão política com o objetivo de construir um sistema protecionista para a sua própria indústria têxtil.

Houve, portanto, um enorme impulso estatal na origem do desenvolvimento industrial britânico. Mas junto da ascensão do poderio britânico, surgiu também a preocupação em evitar a ascensão de nações concorrentes.

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A obra de Adam Smith é fruto deste contexto, responsável por oferecer o nascimento do liberalismo como fundamento da política econômica dos Estados. Gullo apontou, no entanto, que não foi a mão invisível do mercado que deu causa à riqueza da economia britânica, mas sim a mão mágica de Isabel I.

Assim, além da exportação de suas manufaturas, a Inglaterra passa a exportar uma ideologia de subordinação aos outros países.

O primeiro país a se dar conta disso foram os Estados Unidos da América, que logo iniciam a fazer o que os ingleses fizeram, ao invés do que diziam ter feito. A figura central deste processo foi Alexander Hamilton, Secretário do Tesouro de George Washington.

Hamilton inventou o argumento da indústria nascente. Segundo a analogia de Gullo, tratava-se de vestir fraldas na indústria, que, como um bebê, necessita de muita proteção quando pequeno.

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Com o crescimento da indústria, a proteção torna-se nociva, mas durante o seu processo de formação é absolutamente necessária. Além disso, Hamilton defendeu um poderoso impulso estatal nos EUA.

Todo processo de desenvolvimento exitoso, só pode ser resultado de uma insubordinação ideológica somada a um adequada impulso estatal, argumentou Gullo. A soma desses dois elementos resulta numa “insubordinação fundadora”.

“Fundadora” pois funda os princípios do poder nacional de uma nação. O professor argentino investigou o processo de desenvolvimento de uma série de países, como a França, a Inglaterra, a Alemanha, a Austrália, os Estados Unidos etc.

De acordo com o Professor Gilberto Bercovici, processo semelhante se deu no Brasil após a Revolução de 1930, com a chegada de Getúlio Vargas ao poder. A partir de então houve um incremento da presença estatal na economia, com um esforço de diversificação da produção, principalmente através da industrialização.

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Diferente de outros países, como Alemanha, Japão, Inglaterra e Estados Unidos, que tiveram na organização dos bancos ou do mercado de capitais seus principais instrumentos de financiamento do desenvolvimento, no Brasil é o próprio capital público. O monopólio estatal é que cria o mercado no Brasil.

A indústria de base, por exemplo, é fruto do controle do Estado sobre setores fundamentais: a viabilização da siderurgia, atrelada à nacionalização do subsolo; a criação da Companhia Vale do Rio Doce, apoiada no controle do Estado sobre os recursos minerais.

A criação da Petrobras coroou este projeto, que logo depois foi consolidado pelo desenvolvimento econômico durante o governo Juscelino Kubitschek. A partir deste momento, afirmou o Professor Bercovici, o processo de industrialização brasileiro assume uma lógica própria, não mais dependente de impulsos exteriores.

Durante a década de 1960, o Brasil vive a tentativa de implementação de Reformas de Base, cujo objetivo era difundir os benefícios do desenvolvimento econômico ao conjunto da população.

A esse momento, contudo, se sobrepôs o projeto do golpe de 1964. Sai de cena uma política de pretensões autônomas e entra uma política mais ligada aos interesses das multinacionais, ainda que se percebesse a industrialização como algo irreversível.

A crise do petróleo, na década de 1970, destruiu a balança de pagamentos do país, afundando o projeto do governo militar.  A crise nas finanças leva ao abandono do apoio do empresariado, e com a democratização, o problema central torna-se a questão inflacionária.

O Plano Real alcançou a estabilidade monetária, mas ao preço de abrir mão do controle nacional de recursos estratégicos e da indústria. O Professor Bercovici ressaltou o fato de vivermos, desde então, passando por cada um dos governos que se seguiram, um profundo processo de desindustrialização.

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Mesmo nos governos recentes do PT, quando o boom de exportação de commodities aliviou as contas públicas, a desindustrialização continuou.

Atualmente, o Brasil encontra-se novamente dependente da exportação de produtos primários, um problema do qual havia se livrado nos anos 1930. A economia nacional depende da variação de preços internacionais de determinados produtos.

O Brasil exporta café, exporta soja, exporta ferro puro. Para regredir como o Brasil regrediu, qualquer país teria que ter passado por uma guerra.

Não à toa, o Professor Bercovici afirma que o Brasil passa por uma guerra, como se realmente houvesse um exército de ocupação dentro do país.

Por fim, o pesquisador Helid Raphael mencionou que a criação da Petrobras, com a vitória da campanha “O Petróleo é Nosso!”, é um grande exemplo de insubordinação ideológica.

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Ao contrário do que ocorria na Venezuela, onde os poderosos conglomerados internacionais de exploração de petróleo dominavam o setor, o Brasil obteve um sucesso aparentemente impossível ao trazer para o Estado nacional o controle sobre este setor estratégico.

Raphael lembra, inclusive, que a bancada comunista na Constituinte defendia a exploração do petróleo por empresa nacional de capital privado. A tese do monopólio estatal (de onde resultou a Petrobras), por outro lado, era defendida por militares nacionalistas.

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A campanha foi reprimida deste o primeiro momento, lideranças foram torturadas, mas houve forte unidade ideológica em torno dela.

Hoje, 68% dos brasileiros são contra a privatização da Petrobras.

Confira o vídeo do evento!