100 dias de governo Bolsonaro: um projeto de “subpaís”

100 dias de governo bolsonaro
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Como em 100 dias de governo Bolsonaro o Brasil caminha para se tornar um “neoprotetorado” em pleno século XXI.

Subdesenvolvimento econômico
Subserviência internacional
Subcidadania social

100 dias de governo bolsonaro

Em apenas 100 dias aumenta a rejeição e cai a aprovação ao governo Bolsonaro, que tem como principal inimigo si próprio. Demissões e projetos malacabados instauram o caos no MEC, que corre o risco de não entregar nada de positivo para a educação brasileira em 2019; declarações polêmicas de toda natureza criam diariamente cortinas de fumaça, que não necessariamente escondem os reais problemas do país e do governo, mas fazem parte deles; denúncias de candidaturas laranjas no PSL, indícios de suposto envolvimento com milícias do Rio de Janeiro, suspensão do processo de investigação dos repasses financeiros suspeitos realizados pelo ex-assessor de Flávio Bolsonaro, Fabrício Queiroz, chacoalham as bases de um governo eleito tendo como pauta principal o “moralismo”: contra tudo que está aí.

A escolha da agenda política nos primeiros 100 dias, com a priorização de algumas pastas e pautas em detrimentos de outras, revelam que o “contra tudo que está aí” vai se tornando um “contra todos que estão aqui”. Isto porque com cerca de 13 milhões de brasileiros desempregados, sendo este um dos principais problemas nacionais, somado ao aumento crescente de trabalhadores na informalidade, não foi apresentada nenhuma política nacional de promoção do pleno emprego, um projeto de melhoria e expansão da infraestrutura do país, a priorização da ciência e tecnologia para o desenvolvimento industrial e econômico, entre outras medidas que são de fato capazes de proporcionar o aumento da produtividade e da renda média, gerando oportunidades e diminuindo as desigualdades.

O que se tem é o oposto disso: o Brasil bateu o menor índice de investimento público desde 1947. O orçamento de Ciência e Tecnologia é o menor valor executado desde 2012, e a indústria brasileira está estagnada, com a menor fatia do PIB nacional desde o final dos anos 40, com crise de produtividade, todas estão abaixo do pico. Não é à toa que estamos observando o desabamento de estruturas públicas como pontes e viadutos em grandes cidades do país. Sem investimento não há nem mesmo manutenção, e a solução proposta pelo governo, não dá conta de resolver o problema.

A reforma da previdência, assim como a reforma trabalhista, não pode ser a principal medida do governo para gerar reaquecimento econômico e equilíbrio fiscal, pois estas não garantem o aumento dos empregos e do consumo, que traz maior arrecadação para o Estado. Ao contrário, a já aprovada reforma trabalhista tem aumentado a informalidade e a dívida entre os trabalhadores, diminuindo a demanda e prejudicando o perseguido “equilíbrio fiscal”. O desenvolvimento econômico do país não está diretamente atrelado a este “equilíbrio”, mas sim a um coordenado investimento produtivo em áreas estratégicas, capaz de gerar superávit no médio prazo.

Nessa perspectiva, os 100 dias de governo Bolsonaro não mostram nenhuma tendência de crescimento do PIB, apenas mais decadência. O que se tem é uma dívida pública bruta que já se aproxima de 80% do PIB Brasileiro. Isso se soma a dívida popular, a inadimplência das famílias, que atinge 62 milhões de brasileiros que estão hoje com o nome sujo. Qual a proposta do governo para renegociar a dívida popular com os grandes bancos que tiveram o maior lucro da história no ano passado? Outro recorde histórico é o da dívida pública, que bateu mais de 5 trilhões! Porque não há ninguém no governo falando disso?

O governo não se pronuncia a respeito porque faz parte de seu projeto de “subpaís” promover a substituição da rede de segurança social garantida pelo Estado, para um sistema de bem-estar social baseado no endividamento, uma vez em que cada vez mais os empréstimos se tornam o principal meio de satisfazer as necessidades sociais. Para sobreviver você precisa consumir, e cada vez mais consumir serviços como saúde, educação e até previdência. Para consumir você precisa ter acesso à renda por meio do trabalho, cada vez mais precarizado pelo alto índice de trabalhadores desempregados e pela falta de proteção de direitos trabalhistas, gerando alta rotatividade, informalidade e baixa nos salários, somados a baixa produtividade dos trabalhadores, por falta de investimentos expressivos em políticas científicas, educacionais e industriais. Como sobreviver sem se endividar precisando consumir cada vez mais, com alto risco de ficar desempregado, alocado em subempregos ou recebendo um salário abaixo da média estimada?

A dívida só é capaz de aprofundar o empobrecimento da vida e a despotencialização do Brasil como uma nação soberana, dona de uma das maiores economias do mundo. Por isso não há no governo Bolsonaro planejamento estratégico, com metas e entregas concretas, capazes de driblar a limitação de investimentos imposta pela PEC do Teto de Gastos, por exemplo. Pastas diretamente afetadas pela PEC e extremamente importantes para garantir o bem-estar social, como saúde, educação e segurança, não tem metas claras, nem entregas concretas nos 100 primeiros dias de governo. O que se tem até o momento são propostas populistas, pouco efetivas, como é o caso da flexibilização do porte de armas ou da regulamentação do ensino domiciliar.

A geração de empregos de qualidade, diversificação das plantas produtivas nacionais, reforma tributária progressiva, renegociação de dívidas, investimento em infraestrutura, ciência e tecnologia, educação, saúde e segurança: nada disso é prioridade no projeto de “subpaís” de Bolsonaro.

“Subpaís” porque as políticas promovidas nos 100 primeiros dias de governo Bolsonaro, ao invés de solucionar, aprofundam nossas mazelas históricas, governando do século XXI direto para o século XIX, sem nem passar por 1964. Trabalhador sem direitos, sem horário para entrar, sair ou almoçar, sem férias, sem seguridade, sem remuneração justa, sem poupança, sem conseguir consumir serviços básicos, sem perspectiva de futuro e superendividado não é trabalhador, é escravo. Uma população majoritariamente empobrecida em uma sociedade hiper desigual constrói uma subcidadania social: pessoas endividadas, com medo, despotencializadas de sua cidadania, separadas do seu poder de fazer.

“Subpaís” porque subdesenvolvimento econômico está ligado à subserviência internacional, ao invés de ser prioridade do Estado criar termos de troca capazes de lidar com a antinomia entre a plena constituição da nação e a divisão internacional do trabalho comandado por decisões tomadas no Centro (nos países mais ricos), o governo cada vez mais leiloa nossas riquezas e potencialidades para estes países, em acordos totalmente desvantajosos para o Brasil e brasileiros, nos tornamos cada vez mais uma economia periférica dependente da demanda do Centro.

A cada dia mais dependentes, nos tornamos meros prolongamentos do espaço econômico das economias centrais com objetivo último de atender a seus interesses nacionais, não aos nossos. Em uma espécie de “neocolonialismo”, processo de dominação política e econômica, pelas potências ex-coloniais ocidentais, nos tornamos “neoprotetorados” em pleno século XXI, sem autonomia, sem soberania, gerido de fora para dentro, convertendo dependência e pobreza em duas faces da mesma moeda da condição de “subpaís”.