A ciência política do imobilismo cívico

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O postulado de que as instituições estão funcionando pertence ao repertório pseudocientífico da “ciência política do imobilismo cívico”. Sua análise se limita a afirmar que as instituições estão funcionando porque ainda não morreram. As considerações que aqui vou tecer não se endereçam a ninguém especificamente, e adianto dos treteiros de plantão que aprecio muito o trabalho de todos os meus colegas, a quem não adiantará atirar carapuças que não lhes foram endereçadas. Dito isso, vamos lá.

A ciência política do imobilismo cívico se pretende científica, mas se baseia apenas na suposição, que não é científica, de que as instituições por alguma razão se tornaram indestrutíveis. A partir dessa suposição, aposta-se que elas continuarão a sê-lo. Ora, não há nada de científico nessas pressuposições. Não é porque elas funcionem formalmente, que não possam estar acometidas estar gravemente doentes, relativamente aos valores de que carecem para existir se sustentar. E que, sem reação ou remédio, possam vir a morrer. Se história política abunda em exemplos, são os de regimes subitamente colapsados. Assim, no caso brasileiro, as instituições do Império estavam funcionando até o golpe militar de 1888. As instituições da Primeira República também estavam, até que sobreveio a revolução de 1930. As instituições democráticas polonesas, húngaras, turcas, indianas também estavam funcionando, até que surgiram os autocratas que as transformaram em democraturas.

A ciência política para quem as instituições políticas estão sempre funcionando pode ser chamada “do imobilismo cívico”, por sua vocação conservadora. Primeiro, porque ela inibe ou desestimula a mobilização pela salvação dessas mesmas instituições, negando a doença. Segundo porque, admitindo eventualmente a doença, essa ciência política acredita que elas instituições possuiriam em si mesmas os remédios de que necessitam para recuperar a saúde. Subjaz a essa concepção a pressuposição de que os atores políticos teriam incentivos suficientes para desejarem preservar essas mesmas instituições. Daí o imobilismo cívico que ela induz: basta ficar em casa, esperando a resolução automática dos conflitos institucionais. Há uma variante dessa ciência política, para quem a própria reação popular à tentativa de destruição democrática também faria parte da lógica institucional. Uma vez que as instituições sobrevivam, é porque não perigavam, e não perigaram, porque sempre estiveram funcionando.

Dispensável seguir ilustrando a lógica circular da “ciência política do imobilismo cívico”, para quem as instituições funcionam até que deixam de funcionar, e sua pouca produtividade analítica, sobretudo em momentos de crise constitucional. Essa ciência positivista e a-histórica, que ignora a contingência e pressupõe a indestrutibilidade das instituições, não produziria maiores consequências, se restrita ao universo acadêmico. O problema emerge quando, transposta para a esfera pública, ela induz a cidadãos que sentem o cheiro de queimado a confiar na autorregulação dos conflitos políticos e ficarem confortavelmente em casa, de braços cruzados, enquanto o incêndio se alastra.

Por: Christian Edward Cyril Lynch.