A esquerda inofensiva

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Há dois tipos de esquerda no Brasil: a esquerda ofensiva e a esquerda inofensiva.

A esquerda inofensiva é um tipo esquisito que quer mudar o mundo, pelo menos no discurso. Ela quer colher sem o esforço de plantar porque tem horror à terra, porque não consegue ficar com as unhas sujas.

É composta de gente “descolada” que fala pelos cotovelos, usa roupas coloridas e faz roda de cantoria (…) É uma esquerda preponderantemente branca (não que não possa ser, claro).

A esquerda inofensiva ama Karl Marx, mesmo sem nunca o ter lido. É uma esquerda festiva que geralmente se reúne na Vila Madalena ou no Leblon. Quer fazer a revolução, sem armas, evidentemente.

A esquerda inofensiva não suja os pés de barro, porque sua teoria revolucionária é forjada nos bistrôs. A esquerda inofensiva defende o voto “crítico”, que de tão crítico que é, elege o PT e se torna a-crítico. A esquerda inofensiva quebra a vidraça da agência bancária gerando um prejuízo de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para um banco que lucra R$ 24 Bilhões por ano… um verdadeiro ato revolucionário!

A esquerda inofensiva quer disputar a eleição e acha simbólico lançar um candidato simbólico que não passa de 4% enquanto os rentistas governam livremente afligindo o povo e destruindo direitos sociais.

A esquerda inofensiva julga inofensiva a vitória da direita de dois em dois anos.

A esquerda inofensiva acredita que vale roubar desde que a causa seja louvável.

A esquerda inofensiva, como sabemos, não tem projeto nacional. Não por falta de intelectuais engajados, já que seus intelectuais são falantes… a esquerda inofensiva não tem projeto de país porque não conhece o povo do próprio país. A esquerda inofensiva não conhece Guaianases, Lajeado, Itaquera, Mangueira, Jacarezinho, Vaz Lobo, Sampaio, Grumari, Parelheiros, Cidade Tiradentes… Nem imagina onde fica o Grajaú!

Ela fica sem entender por que esses “ingratos” não reconhecem tanto esforço.

A esquerda inofensiva brinda no barzinho enquanto filosofa, mas nunca entrou num boteco.

A esquerda inofensiva lança livro no calor do acontecimento sem entender uma vírgula do que realmente está acontecendo.

A esquerda inofensiva se diz militante, mas não sabe o que é fluxo, o que é bodinho, curti um peso, um bem bolado ou uma gambiarra. Essa esquerda nunca viu gato, nunca arrancou dedão do pé na pelada, nem jogou golzinho, muito menos três dentro, três fora. Quer ser tudo, menos barracuda. Essa esquerda inofensiva nunca viu nada cabuloso porque nunca colou lá.

Tá ligado?

 

Vista da janela do autor, enquanto esse texto era escrito em seu quarto (Itaquera, periferia de São Paulo, Capital. Março/2018).

Que esperar de uma esquerda assim?

A esquerda inofensiva está no sindicato brigando por cargo… Tá gritando em carro de som numa língua que ninguém entende. A esquerda inofensiva quer saber de “espaço no governo”. Quer “construir” de dentro do gabinete e no ar-condicionado. A esquerda inofensiva cheira a mofo porque é saudosista. Por ela, tudo voltava “ao normal”, porque é claro, joga na retranca.

A esquerda inofensiva quer estudar um “objeto”… seja ele um preto, um pobre, um nóia, um feio. Ela é tarada por ciência! E no final das contas quer ir para a Europa mostrar ao mundo o objeto dissecado.

A esquerda inofensiva não diz, mas tem nojo da periferia. Ela quer encostar suas caravelas naquele mar de tijolinhos baianos para entregar espelhos em troca da nossa riqueza. A esquerda inofensiva, no fundo, acha que todos nós somos índios e não sabemos falar. A esquerda inofensiva quer nos representar!

A esquerda inofensiva acha que todo evangélico é reacionário, usa saia e dá dinheiro para o pastor. A esquerda inofensiva acha que o rolezinho deveria ser feito na agência de emprego e não nos shoppings. A esquerda inofensiva defende os direitos trabalhistas, mas continua sem registrar a doméstica da sua própria casa.

A esquerda inofensiva quer governar para os pobres, sem dizer que todo governo para os pobres é também um governo sobre os pobres, porque teme sobretudo um governo com os pobres.

A esquerda inofensiva já não compreende o capitalismo atual… ela virou produto!

A esquerda inofensiva de tão inofensiva que é, tornou-se inconsciente de sua própria inofensividade. Tornou-se riso solto de uma direita que sabe o que quer e por onde começar. Foi ignorada pelo imenso oceano que julgava representar, justamente porque não sabe nadar.

Afinal, a esquerda inofensiva não diz, mas replica tudo aquilo que ela mesma condena.

  1. Ótimo texto! E a crítica é super válida. Revolução com paz, não existe. Mas a um bom tempo a maior parte da esquerda de perdeu (ou pior, se vendeu). Espero que recusem e reanalisem seus pontos e focos. O único que vejo fazer isso, é o Ciro Gomes.

  2. Eu já vi muita gente da esquerda festiva afirmando que pobre bom, é pobre que enche a cara, que rebola o popozão e que não quer sair nunca da favela porque morar na favela longe da burguesia má, é lindo.

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