A ilusória imparcialidade que apazigua a consciência de muitos jornalistas

É um fetiche e um moralismo duvidoso a ideia de que a imprensa tem que ser “imparcial”. Ao contrário, o bom senso e a honestidade recomendam que os meios de comunicação de notícias sejam parciais e assumam de forma clara e inequívoca por que defendem essa ou aquela visão dos fatos.
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É um fetiche e um moralismo duvidoso a ideia de que a imprensa tem que ser “imparcial”. Ao contrário, o bom senso e a honestidade recomendam que os meios de comunicação de notícias sejam parciais e assumam de forma clara e inequívoca por que defendem essa ou aquela visão dos fatos.

Jornalismo não tem nada de objetivo. Objetivos são os fatos, sendo o jornalismo uma forma de interpretar os fatos, portanto, uma atividade subjetiva. Não existe descrição de situações ou fenômenos isenta de juízos de valor. Toda descrição é um julgamento.

Se não for assim, aceita-se acriticamente as notórias situações que todos conhecemos, como, por exemplo, as que resultaram no lavajatismo. Isto é, uma suposta imprensa imparcial contribuindo para a construção de um quebra-cabeças golpista, escondendo, na verdade, seus interesses políticos e econômicos.

O fato é que a defesa da imparcialidade é uma forma de obscurecer a própria parcialidade a fim de se mostrar e se posicionar como ente representativo de uma verdade geral e consensual. Em outras palavras, uma forma de se apresentar como defensor, enfim, de uma razão coletiva dentro um suposto “contrato social” democrático no qual a imprensa seria um dos seus principais avalistas.

A busca da “imparcialidade”, na verdade, falsa e ardilosa, é um dos marcos da transformação do jornalismo brasileiro, sobretudo, a partir de meados do século passado, quando os empresários da comunicação assumiram, de maneira subalterna, os interesses capitalistas estaduninenses.

É o caráter isento e objetivo como forma neopositivista de um capitalismo aceito como inevitável e como processo inerente a uma suposta evolução do fazer jornalístico. Daí também a chamada “técnica jornalística”, outra maneira positivista de olhar o mundo. Em termos estruturais do ser social, não se trata nem de um ardil deliberado dos meios de comunicação, mas sim da sua inserção como um dos componentes estratégicos da engrenagem capitalista.

Afinal, a imprensa não é nenhum ente abstrato, portador da vontade geral, situado acima da sociedade com seus holofotes voltados para as questões transformadas em problemas por um suposto consenso resultante de um amplo debate. A imprensa é feita de gente de carne, osso, sangue, afetos, interesses – feita de indivíduos com sua formações e história, suas visões de mundo e valores. Recém saído da faculdade, quando o jovem profissional chega a uma redação já encontra essa instituição pronta, acreditando que ela é assim mesmo porque resultante de uma evolução.

Entretanto, quem trabalha ou trabalhou em redação de jornal, rádio ou televisão, sobretudo, os repórteres que buscam os “fatos no mundo”, sabe muito bem, de forma consciente ou inconsciente, os dilemas contraditórios de se buscar a imparcialidade num fazer de caráter parcial e subjetivo. Caráter esse tanto dos profissionais como da empresa para a qual trabalham.

Então, por favor, jornalistas mais experientes nas redes sociais e em outras arenas: não enganem os estudantes ou os jovens recém saídos das universidades. Lembremos sempre a eles a primeira lição para um bom profissional: todo jornalismo é subjetivo e parcial. Escrevemos, reportamos, noticiamos para servir a quem?

Se é esperar demais que as grandes empresas de comunicação assumam claramente seus interesses, lembremos também que a principal ciência do ser social é a história. Nossa trajetória republicana é pródiga, em diferentes momentos, para mostrar que já coexistiram, por exemplo, diferentes jornais que assumiam claramente qual partido defendiam e por que divergiam entre si quando noticiavam e comentavam os fatos. E explicavam claramente suas posições.

É de se imaginar, portanto, diferentes meios noticiando os mesmos fatos, oferecendo interpretações distintas para o mesmo problema, salientando esse ou aquele aspecto da realidade e assim disputando a atenção e o escrutínio de leitores e telespectadores. Situação, certamente, muito mais honesta e saudável para se instaurar o monopólio das verdades, e não a hipocrisia monopolista da mentira.

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