Culpar a China é tapar os olhos para a incapacidade de Bolsonaro

Brazil's President Jair Bolsonaro wearing a protective face masks reacts during a news conference to announce measures to curb the spread of the coronavirus disease (COVID-19) in Brasilia, Brazil March 18, 2020. REUTERS/Adriano Machado
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Em 02 de fevereiro, uma enorme mobilização foi feita nas redes sociais para que Bolsonaro enviasse auxílio para buscar brasileiros residentes em Wuhan, na China. Dentro de sete dias, os 34 repatriados chegaram ao Brasil e ficaram 18 dias em quarentena, em Anápolis-GO. Nenhum deles e nem os membros da Força Aérea Brasileira que os buscou, sendo 58 pessoas no total, estavam infectados.

Passado o feriado de Carnaval, em 26 de fevereiro o Ministério da Saúde confirmou o primeiro caso de coronavírus no país. Tratava-se de um homem que contraíra a doença após uma viagem à Itália algumas semanas antes. Os demais casos importados eram todos de pessoas que haviam viajado para países da Europa ou aos Estados Unidos.

Más línguas dizem, inclusive, que os próprios membros da comitiva presidencial que viajaram aos Estados Unidos entre 7 e 10 de março foram os responsáveis por levar o coronavírus à Brasília. Viajaram junto com o Presidente da República, ministros, secretários de governo, parlamentares e alguns empresários. Até o momento, os testes para covid-19 foram positivos para 23 dos membros dessa comitiva.

Entretanto, relatos de discriminação por causa do coronavírus foram relatados apenas por brasileiros de ascendência oriental e imigrantes vindos da Ásia. Se antes de casos serem confirmados no Brasil os episódios de racismo e xenofobia já eram expressivos, a tendência é que se acirrem nos próximos meses. Isso porque, nos últimos dias diversas fake news tem sido espalhadas nas redes sociais culpando a China pela pandemia.

Não adianta, porém, responsabilizar a China ou os Estados Unidos[1]. Trata-se de um problema global e que tem sido alertado ao mundo inteiro pela OMS desde o início de janeiro. Líderes de vários Estados ocidentais, porém, demoraram para agir. O resultado tem sido o aumento exponencial de infectados e hospitais saturados.

Um relatório divulgado pela OMS em 21 de março contabilizava 292.142 pessoas infectadas e 12.784 mortes decorrentes do coronavírus em todo o mundo.[2] Embora a avaliação dada pela instituição seja de muito alto risco e o primeiro contágio local no Brasil tenha sido oficialmente declarado em 26 de fevereiro, foi apenas em meados de março que o governo Bolsonaro passou a se mobilizar energicamente.

O Presidente, porém, além de insistir no discurso de que tudo não passa de “histeria” e que o coronavírus é apenas uma “gripezinha”, também rivaliza com o seu próprio Ministro da Saúde.

Para tentar ofuscar a letargia de Bolsonaro e a sua evidente incapacidade para lidar com questões sérias, algumas polêmicas têm sido alimentadas. Além da narrativa do “vírus chinês” e a crise diplomática com a maior parceira comercial do Brasil, o Presidente também tem criado atritos com alguns governadores (especialmente Dória e Witzel) que estão atuando de maneira efetiva para combater a disseminação do covid-19 em seus estados.

Bolsonaro nunca mentiu sobre quem é, sobre seus comportamentos toscos e sobre sua falta de propostas para o Brasil (“mudar tudo isso ai, ta ok” não é uma proposta real para um problema concreto). Mesmo assim, foi eleito em 2018 com 55,13% dos votos válidos.

Os panelaços diários e a aprovação em queda de Bolsonaro demonstram que alguns brasileiros descobriram que apenas a retórica agressiva e as demonstrações diárias de “I love you Trump” não farão com que a crise se resolva.  Ainda é preciso descobrir que colocar a culpa na China não nos trará nenhum benefício. Insisto: além de dificultar que novas portas de comércio e parceria internacionais sejam feitas, no âmbito interno, o preconceito contra asiáticos deteriorará ainda mais o que nos resta de pacto civilizacional.

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Confira também os textos já publicados no Portal Disparada que abordam o alinhamento do atual governo brasileiro aos Estados Unidos, a relação especial de Eduardo Bolsonaro com Steve Bannon  e o componente racial na guerra híbrida travada pelos Estados Unidos contra a China.

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[1] Pepe Escobar. China travou guerra híbrida com os Estados Unidos. Disponível em: <https://vermelho.org.br/2020/03/17/china-travou-guerra-hibrida-com-os-estados-unidos/>. Acesso em: 21 de mar de 2020.

[2] OMS. Coronavirus disease 2019. Situation Report 60. Disponível em: < https://www.who.int/docs/default-source/coronaviruse/situation-reports/20200320-sitrep-60-covid-19.pdf?sfvrsn=d2bb4f1f_2>. Acesso em: 21 de mar de 2020.