Amnésia – A doença da sociedade brasileira

Uma coroa de flores e fotos de pessoas desaparecidas no período da ditadura de 45-85
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No último texto que publiquei no Portal Disparada, qualifiquei a sociedade brasileira como do tipo tábula rasa. A sociedade tábula rasa é aquela que não tem memória. O “esquecimento social” é da ordem do recalque. Portanto, uma sociedade que excluiu de simbolização fatos de sua história está fadada à lei nietzschiana do “Eterno Retorno do Mesmo”. Explico: O inconsciente social começa a produzir sintoma. Para fins desse texto, especificamente, o trauma do golpe militar e seu esquecimento social produziu sintomas sociais graves.

Antes, é importante recordar que o Brasil é o único país da América Latina que perdoou os militares sem exigir da parte deles nenhum reconhecimento dos crimes cometidos, nem pedido de perdão. Diferentemente dos outros países Sul-americanos, no Brasil, torturadores nunca foram julgados. Não houve justiça de transição. O Exército não fez “mea culpa” de suas tentações golpistas.

A grafia antiga de “anistia” da Lei da Anistia “ampla, geral e irrestrita”, articulada pelos próprios militares antes de deixarem o poder, conservava o “M”, associado à “amnésia”. Parafraseando o escritor Eduardo Galeano, a Democracia nos adoeceu de amnésia, com medo de recordar.

Somos uma sociedade doente. Tão doente que o presidente da República Jair Bolsonaro disse conhecer a autoria de um assassinato na ditadura militar, culpou a vítima e desqualificou seus familiares. Refiro-me a recente declaração de Bolsonaro dirigida à Felipe Santa Cruz, presidente do Conselho Federal da OAB, cujo pai, Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira, teve sua morte reconhecida em “razão de morte não natural, violenta, causada pelo Estado Brasileiro”, como revela o atestado de óbito.

No dia 29 de julho, mesmo dia dessa declaração do presidente da República, 57 pessoas presas, sendo 16 decapitadas e 41 asfixiadas, também foram mortas pelo Estado Brasileiro, no Centro de Recuperação Regional de Altamira (PA). Segundo relatório publicado no dia do massacre pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) as condições do presídio são classificadas como “péssimas”, além de superlotação e falta de agentes penitenciários.

A barbárie e o suplício rotinizado e generalizado a que estão submetidas as pessoas sob a guarda do Estado, e que resulta na violência horizontalizada (presos versus presos) é o Estado de Coisas Inconstitucional do sistema carcerário brasileiro que viola, de maneira brutal, os Direitos Humanos, que deveriam ser garantidos pelo mesmo Estado. Esse é o sintoma social perverso que resultou da nossa incapacidade de conhecer e julgar os crimes de Estado cometidos no passado. A partir daí, contribuiu-se, gravemente, para a naturalização da violência exercitada pelo Estado contra as pessoas que estão sob a sua custódia, para a institucionalização da tortura, e dessimbolização da legalidade e dos direitos humanos como meio e limite das ações estatais.

Sobre a chacina ocorrida no presídio do Pará, o presidente Jair Bolsonaro, ainda declarou “pergunta para as vítimas dos que morreram”. Papo de ditador. Papo de torturador asqueroso das dependências do DOI-CODI.

Caro leitor, percebe o que faz esse discurso? Legitima um CRIME DE ESTADO.

É essa doença que faz o alto oficialato da Forças Armadas apoiar o governo de Jair Bolsonaro, depois de 21 anos de ditadura.

É essa doença que impediu a construção social do sentido de golpe militar enquanto golpe e que faz a sociedade brasileira, depois de 21 anos de ditadura, tolerar o revisionismo histórico de Bolsonaro que quer ditar o sentido daquilo que deve ser compreendido enquanto tal e impor o seu próprio dicionário nazista, ao chamar “golpe” de “revolução”.

É essa doença que faz a sociedade brasileira defender um Estado que mata e tortura, depois de 21 anos de ditadura.

É essa doença que faz a nossa sociedade comemorar a morte de pessoas nas mãos do Estado brasileiro, depois de 21 anos de ditadura.

Os 57 custodiados do Estado também poderiam ter causa da morte reconhecida em “razão de morte não natural, violenta, causada pelo Estado Brasileiro”. Mas, o Estado criminoso, culpa as vítimas e desqualifica seus familiares. Eis o passado ditatorial ressignificado no presente.

O ministro da justiça, Sérgio Moro, sobre as mortes no presídio, nada tem a dizer…Outro doente.

A luta democrática não acabou. Avisem aos demais!

 

  1. Parabéns pela sua coerência e por seu diagnóstico. O nosso povo realmente vem sofrendo há anos por essa amnésia coletiva e por falta de conhecimentos que despertem e fortaleçam sua consciência cidadã.
    Essa sociedade entorpecida por esse esquecimento e ignorância não se deu conta que entregou o Estado nas mãos de um louco fascista que está fragmentando e leiloando nossas riquezas.
    Parte desse povo amnésico não pode dizer que foi iludido, pois esse mesmo fascista segue há mais de 30 anos na política negligenciando os interesses sociais e falando asneiras. Quem sabe, se esse povo tomar frequentes doses de sanidade como as que você derramou nesse texto, um dia possa perceber a imbecilidade que cometeu e despertar da estagnação.
    Infelizmente, estima-se que 63 milhões de brasileiros não têm acesso à internet. Como proporcionar ao povo humilde o acesso a esse conhecimento para que possa se indignar diante das injustiças e do abandono social?
    A luta dos justos não acabou. Sigamos em frente!

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