Arauto da nova escravidão

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Se existe uma pessoa que construiu as bases teóricas para destruir o projeto de estado de bem-estar social brasileiro, esta pessoa chama-se José Pastore, da USP. Tem feito isso por dinheiro, pois presta tradicionalmente serviços a entidades empresariais como CNI, Fiesp e agora Associação Comercial de São Paulo. A tarefa que Pastore se atribuiu foi no sentido de destruir as conquistas trabalhistas e sociais dos últimos 80 anos. Faz isso com implacável desdenho para a condição humana dos trabalhadores. Defende a reforma da Previdência.

Conheço-o muito bem, porque fomos contemporâneos e até amigos na assessoria da CNI nos tempos da presidência do senador Albano Franco. Albano era (e é) um homem extremamente simples, porém desconfiado das contas de Pastore segundo as quais os custos sociais do trabalhador representavam mais de 100% do seu salário. Isso, a seu ver, inviabilizava o investimento. E Pastore não admitia descontar do que chamava de custos sociais o que era simplesmente salário indireto do trabalhador individual.

Ontem, Pastore ganhou longo espaço na Globo. Aliás, a Globo sabe sempre onde encontrá-lo quando quer fazer a defesa de alguma medida infame contra as camadas mais pobres da população. Ele não se faz de rogado. E, para contrabalançar eventuais medidas amargas, faz promessas fabulosas de emprego para o ano que vem com a condição de que seja aprovada a reforma previdenciária. Ele fez isso com a reforma trabalhista. Também nesse caso, Pastore prometeu milhões de empregos. Temos, hoje, 13,1 milhões de desempregados!

É difícil classificar Pastore. Não é ignorante, porque sabe vender muito bem suas consultorias. Os empresários o adoram. Ele, em geral, oferece muito mais do que pedem. Aliás, pela minha experiência, os empresários mais retrógrados do ponto de vista social apenas verbalizam o que doutrinam seus assessores. Lembro que, na minha época na CNI, quando propunha algum documento ou discurso contra as absurdas taxas de juros, vinha logo alguém do Departamento Econômico para ponderar que isso não era conveniente.

Pastore, como arauto da nova escravidão, doutrinou muita gente, dentro e fora do empresariado, com suas propostas de destruição das políticas sociais brasileiras. A justificativa era sempre a mesma: cortando os salários dos trabalhadores  os investimentos brotariam do chão e os empregos seriam criados, aumentando a eficiência da economia. Ele pregou muito tempo em vão. Lembro-me de que Albano se opunha fortemente a mexer com a Previdência. Até que, com Bolsonaro e Guedes, Pastore encontrou o presidente e o ministro que merece.

Na sua entrevista, não vi uma única menção contra a destruição da Previdência pública que resultará do regime de capitalização que o governo pretende impor ao país. Diz-se dos intelectuais divorciados do povo que se encontram numa bolha impenetrável. Pastore não é bem assim. Ele é uma bolha de tentáculos porque, a exemplo de outros intelectuais vendidos ao capital, penetra fundo nas periferias por efeito das ondas da Globo e de outras emissoras compradas pelo sistema financeiro, o grande beneficiário da reforma.

A reforma da Previdência determinará um regresso do país a um tempo anterior a 1917. Este foi o início das grandes greves e convulsões sociais que mobilizaram o país, principalmente São Paulo. Depois de muita luta os patrões tiveram de negociar. O massacre dos direitos sociais que está acontecendo, e que será acentuado com a reforma da Previdência,  pode acontecer no curto prazo. Se acontecer, tudo começará de novo. Talvez à custa de muitos mortos, nessa época de radicalização e terrorismo. Mas de graça não será.