As duas cenouras de Bolsonaro

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Um dos cabos eleitorais que mais contribuíram para o êxito do fenômeno Bolsonaro foi o antipetismo. Sem perder tempo cortejando ou mesmo dialogando com eleitores lulistas, o capitão reformado colocou-se em posição de enfrentamento direto contra a ‘ideologia’ institucionalizada pelo PT, que teria calcificado o país, e disso fez seu cavalo de batalha. Não estava sozinho, ele arranjou fiadores para energizar sua campanha presidencial. Entre eles, Magno Malta, que se despede do Senado lembrando da campanha como “projeto de tirar o Brasil de um viés ideológico.” Pois todo ocaso brasileiro nos últimos anos teria sido culpa do PT e da “submissão ideológica” (termo que apareceu no discurso de posse do presidente, elencado de outras tantas palavras-chave que demarcavam o inimigo a ser abatido).

Devidamente empossado, no quinto dia de governo, o presidente requentava a cruzada antipetista pelo tuíter: “Haddad, o fantoche do presidiário corrupto, escreve que está na moda um anti-intelectualismo no Brasil. A verdade é que o marmita, como todo petista, fica inventando motivos para a derrota vergonhosa que sofreram nas eleições, mesmo com campanha mais de 30 milhões mais cara.”

Em meio à peleja das forças antagônicas e mitológicas do cosmos político, a realidade: um vai-e-vem de declarações, ministros que são rapidamente desmentidos pelo presidente e vice-versa, desentendimentos com a equipe econômica e do Itamaraty… Bolsonaro conseguiu catalisar forças importantes em torno de si sob o estandarte do antipetismo; guardam, porém, contradições indissolúveis entre si. O navio quebra-gelo de Bolsonaro não singra em mar aberto, ele só se mantém em frente se amparado no próprio maciço a que se propõe destruir (‘a ideologia’), do contrário, fica circum-navegando em torno de si. Talvez afunde, talvez se recomponha. Tudo depende de como se estabelecerá o arranjo de forças.

Bolsonaro nos oferece duas lustrosas cenouras de burro: 1) polêmicas e declarações palacianas que pouco influem no destino real do país, mas servem de cortina de fumaça em momentos críticos; e 2) polarizar com o PT, como na eleição, a troco de entretenimento quase circense para a base e, também, reagrupar forças com interesses incompatíveis em torno dessa causa comum.

as duas cenouras de bolsonaro

À primeira cenoura serve, por exemplo, a Excelentíssima Ministra Damaris, enquanto toda pressão deveria estar em cima do Ministro da Justiça, o Sr. Sérgio Moro, por questões concretas (esqueçam a cenoura, sigam as laranjas). Ao escolhermos a segunda cenoura, só se faz possível ecoar interesses bipartidarizados, azeitados pelo choque aparvalhado do ‘viés ideológico’ x ‘viés autoritário’, sustentado, de parte a parte, por escandalizações, moralismos e patriotadas.

A primeira cenoura parece ter surtido bastante efeito. Ainda que tenham espremido algumas laranjas, Moro segue no pedestal, como se nunca tivesse visto um pé de laranjeira no quintal dos Bolsonaros. A oposição ainda mergulha em militância desconexa ou de micronarrativas rosas e azuis.

A segunda já dá sinais de desgastes. Com a perda de protagonismo do PT no Congresso, que impede factualmente a radicalização pela radicalização nos trabalhos legislativos, as facções internas do governo começam a se entreolhar e lutar pelos papéis que desejam pra si ou imporem uns aos outros. Sem a segunda cenoura, Bolsonaro tem dificuldade de ajuntar seus núcleos e grupos afins, principalmente no Congresso – a recente queda do decreto que alterava de aplicação na Lei de Acesso à Informação, de modo que diminuía a transparência do governo, é um indício de que as forças parlamentares tendem à maior razoabilidade e negociação quando a Câmara não se transforma numa panela de pressão polarizadora.

O que vem se demonstrando, agora em velocidade exponencial, é que, sem o inimigo comum, dificilmente este governo encontrará um ponto de equilíbrio na briga do ultraliberalismo contra as necessidades do agronegócio, enquanto este tenta contornar o Itamaraty olavético, que toma chega-pra-lá dos militares, que se estranham e espionam a Igreja Católica, que, por sua vez, também entra em solavancos com os evangélicos. O próprio Moro, símbolo da luta contra a corrupção, foi recentemente desprestigiado pelo próprio Bolsonaro, que indicou para liderança do governo o Senador Bezerra Coelho, implicado na Lava-Jato. É aí que a oposição deve marcar, tomar a narrativa que foi posta pelo Palácio e forçá-lo a uma coerência que não consegue arcar, estremecendo suas colunas com seu próprio peso, já que simplesmente esmurrá-las não tem sido uma estratégia eficaz.

Há um caminho viável de oposição, é possível usar a(s) força(s) do governo contra si mesmo, pois é um movimento natural das próprias contradições que carrega, basta não nos iludirmos com as duas cenouras de Bolsonaro.