O ataque de Bolsonaro às Ciências Humanas é fundamentado em falácias

Bolsonaro durante cerimônia de posse do ministro da Educação, Abraham Weintraub
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Na contramão do mundo desenvolvido, o Ministério da Educação começou, com todo aval do “presidente da República”, a desmontar a estrutura de ensino de Ciências Humanas no panorama universitário nacional. A notícia veio, como sói acontecer, por Twitter presidencial, o que ajuda na superficialização permanente de qualquer debate necessariamente profundo e amplo.

O ataque de Bolsonaro às Ciências Humanas é fundamentado em falácias

Então, como o “presidente da República” trata assuntos fundamentais à base de bilhetes rabiscados ao público, conseguindo assim escorregar para a próxima polêmica vazia, vamos fazer o exercício oposto.

Ele, que defende a prevalência do conhecimento técnico sobre o humano, é matreiro e foge do diálogo. Claro! A nós cabe, então, dialogar e apontar os absurdos.

No centro do argumento do “presidente”, está a falácia de que cientistas humanos não contribuem com os processos produtivos, pois suas ações se resumiriam a produzir textos abstratos com nula aplicabilidade, e também ensinar jovens a fazer o mesmo. Jovens estes que, diga-se de passagem, são falaciosamente pintados como “militantes políticos” cuja utilidade prática para a sociedade é zero.

O “presidente” e seu “governo” já desferiram muitos e variados golpes sobre a estrutura produtiva nacional e suas perspectivas de futuro, e apenas por estes vários casos já deveriam merecer a desconfiança generalizada quando afirmam defendê-la em sua acusação às Ciências Humanas.

Mas, como não somos matreiros e gostamos de aprofundar debates, vejamos o que fazem hoje as Ciências Humanas pelo processo produtivo.

No mundo contemporâneo, todo o processo produtivo desenvolvido (indústria e serviços de ponta) prima obsessivamente por inovação. Reside na inovação a reserva de valor potencial que, uma vez realizada, garante a vantagem comparativa. Em natural consequência a isso, todo o mundo corporativo desenvolvido reivindica a interdisciplinaridade em seus quadros profissionais.

Equipes multidisciplinares se tornaram tão comuns na empresa contemporânea de sucesso (que são as que produzem mais valor), que hoje as indústrias e serviços de ponta se parecem mais com um campus universitário do que com uma empresa convencional.

A contribuição de pessoas formadas em Ciências Humanas ao processo produtivo, na realidade, nunca foi tão grande (ao menos quando olhamos os processos produtivos desenvolvidos e de ponta no mundo atual).

O desenvolvimento de um produto ou serviço de ponta demanda necessariamente o pensamento criativo, o questionamento constante, a inovação permanente, a contextualização de seus potenciais e riscos, a largueza de vistas sobre as perspectivas do projeto em questão, suas possibilidades de conexão com outros produtos e serviços, suas aplicabilidades em diferentes contextos culturais e geográfico-nacionais, seus impactos socioambientais, suas interações psicológicas e estéticas com o consumidor, e ainda outros fatores.

Em resumo, a produção de ponta requer um misto de conhecimentos: as Ciências Exatas e Biológicas, quando aplicadas à produção de ponta, se misturam à Geografia, à Sociologia, aos estudos culturais, à Estética, à análise histórica e social do público almejado. Trata-se de uma busca constante por pequenos ganhos marginais que traduzirão mais valor agregado na ponta consumidora. Tudo para sair da “comoditização” do produto. Nesta busca, não se despreza nenhum conhecimento.

Portanto, ao atacar as Ciências Humanas como fonte de profissionais inúteis, o “presidente” revela uma compreensão sumamente limitada e antiquada sobre o que é o processo desenvolvido de produção no mundo contemporâneo. A seguirmos este caminho, será confirmada com rapidez a funesta previsão de que o Brasil retornará ao mais elementar primarismo produtivo, aquele incompatível com a subsistência de uma classe média em expansão e caracterizado pela permanente pressão empobrecedora sobre grandes contingentes sociais.