A austeridade dos outros

sinalizando emergência. Contudo, em vez de ser branca, a cruz está cheia de dólares.
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Acabo de me informar por vários veículos de mídia a respeito do “Plano emergencial de emprego e renda”, supostamente lançado pelo Partido dos Trabalhadores na última quarta-feira. Digo “supostamente”, pois foi impossível acessá-lo pela internet apesar de minha insistência. A aba “O plano” no site da empreitada é um link vazio. O link ativo, “Baixe aqui”, endereça para econômicos “cards” de propaganda para redes sociais. Também há no sítio peças publicitárias em vídeo que replicam a estética já clássica das campanhas eleitorais petistas a partir de 2002.

Mesmo assim, pude tomar conhecimento de que o programa apresenta saídas interessantes e algo novas, como a ampliação dos investimentos públicos e o aumento da tributação da renda dos bancos. Isso é surpreendente ao menos em dois sentidos. Em primeiro lugar, porque o PT se anuncia ali como “oposição propositiva”, o que destoa bastante do histórico do partido – da atuação na Constituinte à tentativa de derrubar via impeachtment todos os presidentes eleitos pós-88. Além disso, é curioso notar que, a despeito da retórica de continuidade com as ações da gestão petista presente nas propagandas, o núcleo do plano vai na contramão das catastróficas políticas de austeridade – “o maior ajuste fiscal da história deste país”, nas palavras de Nelson Barbosa – e de subsídios seletivos implementadas em sua última fase. Ainda pior é ver que a política defendida agora é condizente com o discurso que venceu o segundo turno das eleições de 2014.

Ao tomar conhecimento disso, não pude deixar de lembrar da seguinte postagem de Gilberto Maringoni (também colunista deste site):

Mas nada ilustra melhor o curto-circuito ideológico entre o petismo dentro e fora do poder do que uma passagem do sofrível Democracia em Vertigem, de Petra Costa. Lá pelo meio do filme, após narrar o afastamento de Dilma pelo Congresso, a locução diz o seguinte. “Nessa noite, as regras do palácio são suspensas. É uma festa. A fauna do planalto muda radicalmente em poucas horas. A chegada de Temer enche os corredores de representantes da direita do Congresso: das bancadas do boi, da bala, da Bíblia. Esses homens entram ávidos pelos salões depois de anos tendo que pedir permissão para entrar”. Mas quem invade o centro da tela ao som de “A paixão segundo São João”, de Johann Sebastian Bach, é Henrique Meirelles. Isso mesmo, o presidente do Banco Central durante os 8 anos do governo Lula, o coordenador da agenda de investimentos para realização dos Jogos Olímpicos de 2016, no governo Dilma 1, o preferido de Lula para o Ministério da Fazenda do governo Dilma 2, que acabou preterido em favor do esquerdista Joaquim Levy, que já havia sido secretário do Tesouro de Lula.

Pois muito bem. Sarney já avisou que governar é como tocar violino: pega-se com a esquerda, toca-se com a direita. Em todo caso, alguns dirão que nunca é tarde para que se tome consciência dos próprios vícios: “autocrítica”. Mas é um tanto irônico notar que o PT só tenha se tornando crítico do rentismo depois de presidir o país por anos, alegremente, sob a sua hegemonia.