A boçalidade extremista aumenta ao mesmo tempo em que extremistas se isolam

O BOLSONARISMO ESTÁ ENTRANDO em fase de grande agressividade, que pode descambar para a violência aberta.
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O BOLSONARISMO ESTÁ ENTRANDO em fase de grande agressividade, que pode descambar para a violência aberta. É fenômeno inversamente proporcional ao seu acelerado isolamento social e à crescente percepção de sua indiferença às mortes e ao desespero social gerados pela pandemia. Num quadro desses, não há outra tática possível para as oposições do que a união de todos os setores que, em graus variados, se opõem ou são prejudicados pelo extremismo de direita. Todos.

O inimigo principal tem duas cabeças e se chama bolsocoronavírus.

A ESCALADA BESTIAL DA REAÇÃO tem sequência lógica: apelos ao armamento – não mais para que “pessoas de bem” se defendam de bandidos, mas para a ação política contra “ditadores” (leia-se governos estaduais) -, miliciamento de aparatos regulares de segurança – algumas PMs -, aparelhamento da Polícia Federal, ameaças físicas contra jornalistas (e imprensa em geral) e ações intimidatórias para cima de governadores e ex-colaboradores.

Não entra aqui nenhum juízo de valor sobre quem são Witzel, Dória e Moro. Eles agora são alvos do reacionarismo de guerra. Bolsonaro busca eliminar arestas para agir com força bruta diante do espraiamento descontrolado da peste. Busca-se de criar artificialmente uma situação de anomia que justifique a barbarização de ações repressivas contra os pobres.

RECOMENDO MUITO A LEITURA DO LIVRO “M, o filho do século”, de Antonio Scurati. Trata-se de uma biografia romanceada – com farta documentação histórica – de Benito Mussolini, na qual é tratada em detalhes a montagem das milícias fascistas. As matérias primas foram as tropas italianas que voltavam estropiadas da I Guerra, em 1919, com o peito carregado de medalhas e mãos vazias. Formavam legiões de trabalhadores agora desempregados a engrossar o lumpesinato nas ruas das metrópoles industriais do Norte do país. A partir das frustrações desses desesperados, o futuro Duce deu-lhes horizontes, sentido de vida e os açulou para a violência política, em fase ascendente das lutas operárias. Há muito a ver com a formação das milícias bolsonarianas. A pregação belicosa do nascente fascio é antepassada do discurso armamentista tabajara.

Ha contudo pelo menos uma diferença primordial. Enquanto o fascismo encontrava-se em etapa de crescimento, o fenômeno aqui se dá num quadro de retração do ódio conservador. É numa fase de “nada a perder” que o bolsonarismo tenta sua cartada mais ousada e perigosa.

RECOLOQUEMOS O PROBLEMA: há contradições. Se por um lado exacerba o som e a fúria em seu verbo, o bolsonarismo também expõe fragilidades, ao estreitar sua base de apoio tanto nas camadas populares quanto no mundo institucional (governadores, STF, grande mídia e parte do Congresso). A esquerda entra como figurante nessa equação, mais por suas opções na última meia década do que pelas arbitrariedades que sofreu (que não devem ser subestimadas).

É nesse quebra-cabeças tenso que a frente – ajuntamento, aliança, convergência, união, soma, conta de mais, ou qualquer outro nome – amplíssima para vencer a pandemia e o bolsonarismo – as duas pragas que tendem a se tornar uma só – se impõe. O ajuntamento largo não deve comprometer a identidade de cada ator social envolvido. As particularidades podem ser colocadas numa segunda etapa de disputas, depois de cumprida a tarefa maior: extirpar o cancro extremista da vida nacional.

A FORMAÇÃO DE FRENTES pressupõe tarefa básica: que todos tapem o nariz e não reclamem do acompanhante ao lado, sejam governadores reacionários, sejam ex-juízes intragáveis. O mundo tem lá suas complicações e não vale a pena reclamar delas quando as tarefas a serem cumpridas não são nada fáceis.

Estamos diante de um dilema. A violência bolsonarista pode ser forte caso a fragmentação do lado de cá seja maior que a fragmentação da direita. E a pregação boçal pode se tornar fraca se a conta de mais amplíssima deixar de lado querelas secundárias, personalismos e infantilidades sectárias e se concentrar no principal: derrotar a fera de duas cabeças, o bolsocoronavírus!