Bolsonaro – A jaca da direita

GUSTAVO CASTAÑON Bolsonaro - A jaca da direita
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A pesquisa Datafolha de hoje indicando ainda cerca de 30% de apoio a Bolsonaro e suas ações estúpidas e genocidas em relação a crise do Coronavírus é uma bigorna de realidade caindo em nossas cabeças.

A explicação dessa bigorna certamente passa pela maldade humana, pois as outras perguntas sobre a pandemia revelam que a população não está tão desinformada assim.

Mas eu gostaria de levantar quatro hipóteses, três concretas, e uma psicológica, para explicar tamanha aberração de um apoio ainda tão alto a um personagem tão claramente estúpido, ignorante e sem traços de empatia ou dignidade.

A primeira é que a esquerda continua, de uma forma que me faltam adjetivos para qualificar, ignorando a necessidade de um trabalho de rede para divulgação de suas ideias e posições à públicos específicos, com linguagem específica em momentos específicos. Bolsonaro, mau ou estúpido, não bebe essa água fervendo. Ele sabe em que século estamos e como se faz política neste século. E não se trata de robôs, que nunca usaremos. Mas de trabalhar a linguagem, a mensagem e tomar suas decisões de comunicação com base em dados instantâneos. Essa diferença tecnológica se mostra tão letal na política quanto o surgimento da pólvora e dos canhões foram no ocidente. Um estúpido fazendo as maiores barbaridades com base em dados ainda faz frente a um exército de políticos e militantes sérios que agem somente com base em suas intuições e convicções.

A segunda é que, com base nesses dados, ele percebeu o desespero do lumpesinato (que o neoliberalismo, genialmente, chama de micro empreendedor) com o colapso da economia informal e a perda de suas fontes de renda e apostou na divisão do país para não mudar sua política econômica e ainda tentar se descolar do colapso que ele causará. A oposição tem sido incompetente até aqui em mostrar que o colapso econômico é culpa única e exclusiva da inação, premeditada, de um governo ultraliberal.

A terceira é que, apesar de tudo isso, ainda acho que a erosão de sua imagem está só começando, pois não há dados e manipulação que possam fazer frente ao colapso das UTIs e à chegada da doença nas comunidades.

A quarta é a jaca. Há vários anos atrás, eu e um amigo meu estávamos em crise existencial depois de dois anos de faculdade de economia. Uma segunda normal, ele apareceu de volta de uma viagem à Ilha Grande dizendo que tinha trancado o curso. Perguntei o que tinha acontecido, já que eu ainda não tinha alcançado aquele estágio de decisão. Ele me respondeu que o que tinha acontecido era uma jaca.

Na viagem à Ilha Grande, ele e um grupo de uma dezena de amigos tinham saído numa excursão até o centro da Ilha, que dura meio dia claro. Lá, no meio da mata virgem, encontraram uma jaqueira gigante. Ele disse que aquelas jacas tinham sido as mais deliciosas que eles já tinham comido na vida. Então sete decidiram levar uma jaca cada um de volta pela trilha para o acampamento, o que durava mais meio dia claro. Chegariam ao acampamento na praia pelo anoitecer. Começada a trilha, duas meninas desistiram de suas jacas, viram imediatamente que não teriam como leva-las até o fim. Cinco homens ainda tinham que provar sua macheza levando jacas nas costas por cinco horas. Dois desistiram quando viram que estavam ficando para trás e iam pegar noite fechada. Três, incluindo meu amigo, decidiram se despedir do grupo e andar mais devagar carregando suas respectivas jacas. Uma hora depois, as costas deles começaram a sangrar e um deles desistiu. Meu amigo e o outro restante fizeram um juramento solene de comer aquelas jacas no acampamento. Quando a noite começou a cair sobre eles, o outro tentou dissuadir meu amigo de continuar. Mas ele fez então outro juramento: ou levaria aquela jaca para casa ou morreria tentando, ele não era um desistente. Não ia desistir depois de tanto esforço, de um ferimento, de tanto orgulho envolvido. E continuou sozinho. Alguns minutos depois, na noite fechada, entendeu: aquela jaca era o curso de economia. Quanto mais esforço, quanto mais tempo, quanto mais expectativa ele tinha dedicado a ele, mais difícil se tornava deixa-lo para trás. Ele não queria mais sequer comer a merda da jaca, mas um minuto antes estava disposto a morrer por ela.

No Pequeno Príncipe, Exupéry nos ensina que o que faz uma pessoa qualquer especial é o tempo que gastamos com ela. Isso vale para as coisas boas e ruins. Quanto mais tempo e esforço gastamos com as coisas, mais nos apegamos a elas. Elas deixam de valer pelo que são e passam a valer por tudo o que já gastamos com ela. Bolsonaro é a jaca da direita. Eles foram longe demais apoiando e se misturando com um sociopata, estúpido, ignorante, incapaz, e agora é muito custoso deixar a jaca para trás e chegar a praia para encarar seus amigos petistas com ar triunfalista sobre sua estupidez.

A propósito, quando teve essa epifania, meu amigo, que curiosamente é de direita, deu um grito gutural e atirou a jaca no chão, literalmente meteu o pé nela, a destruiu em mil pedaços, mesmo estando a somente dez metros da praia.

  1. Gustavo Castañon, parabéns. É o melhor artigo que Disparada acolheu. A hipótese psicológica é o bicho. A política pode se mudar, com arranjos aqui e ali. Mas a nossa alma, não! Obviamente é doloroso meter o pé na jacabolsonaro, imagina então fazê-lo com os modelitos fraudulentos das ciências econômicas, que nos trouxeram até aqui. Foram tantas as emoções, tantos os investimentos, tantas as cooptações,tanta grana que rolou e ainda rola…Mais: como seria ter de abdicar de nossos mestrados e MBA no exterior? Nem pensar. Sigamos com a jaca!

  2. Gustavo, se me permite, acho que a história da Jaca, merece uma publicação à parte. Ela pode ecoar e ser assimilada por qualquer pessoa, de direita ou esquerda, como escrita em forma de arte, consegue quebrar barreiras e atravessa bolhas com facilidade. Diferente do tecnicismo dissertativo que fala ecoando melhor em um grupo restrito, o que marca a primeira parte. Se puder fazer uma divulgação adaptada, compreendendo apenas os 4 últimos parágrafos, talvez começando por “Há vários anos atrás…”… isso pode ter um alcance bem maior.
    Abraço.

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