Bolsonaro e a cruzada contra a sociedade civil

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Ao completar cem dias de governo, o Presidente da República assinou o Decreto nº. 9.759/2019, que estabelece diretrizes para a extinção e modificação dos conselhos de participação social. Esses conselhos têm, geralmente, composição tripartite, com membros indicados pelo governo, por organizações da sociedade civil e pelo mercado, constituindo-se em órgãos importantes de participação democrática dos setores da sociedade na discussão e formulação de políticas públicas.

Se por um lado é possível afirmar que existe uma hipertrofia de conselhos e comitês de participação social, e que é de bom alvitre uma racionalização na estrutura desses órgãos, tornando-os mais participativos e eficientes; por outro, tudo indica que não é isso que o governo visa, tratando-se de um expediente que apenas representa uma retaliação à sociedade civil organizada.

Ainda no discurso da vitória, em outubro passado, Bolsonaro prometeu “acabar com o ativismo social e com as ONGs”. Logo depois, no dia da posse, assinou uma medida provisória que reorganizou a Administração Pública Federal, dotando a Secretaria de Governo da competência de monitorar e coordenar ONGs, numa flagrante inconstitucionalidade, frente à intromissão do governo na sociedade civil organizada, o que é vedado pela Constituição (art. 5º, inciso XVIII).

E agora, ao assinar o Decreto nº.9.759/2019, celebrou a medida no Twitter dizendo que a norma representa “a redução do poder de entidades aparelhadas politicamente usando nomes bonitos para impor suas vontades, ignorando a lei e atrapalhando propositalmente o desenvolvimento do Brasil, não se importando com as reais necessidades da população”.

Vê-se, portanto, em que pese a medida atingir também os representantes do setor produtivo, que a mira do Governo Bolsonaro está centrada no Terceiro Setor, tornado adversário pelo atual governo desde a campanha.

É importante ressaltar que a cúpula do governo é composta por militares da reserva. E é certo que boa parte dos militares nunca engoliu o fim da ditadura militar ou, melhor, o discurso predominante na avaliação desse período. O culpado disso foi a atuação da sociedade civil organizada (notadamente, a Igreja Católica, a OAB, o movimento sindical, a ABI, etc.) a partir do fim dos anos 70, que minaram o apoio à ditadura.

Não é a toa que o atual governo vem monitorando a Igreja Católica, tornada pretensa adversária do governo, como noticiou o Estado de S. Paulo do dia 10/02/2019. Além disso, a MP que retira a possibilidade de se descontar o valor da contribuição sindical diretamente do salário (para quem optar contribuir), e as tentativas do governo de extinguir com o Exame da Ordem e com outros meios de atingir a UNE, por exemplo, demonstra esse modus operandi de enfraquecimento da sociedade civil.

Assim, o Decreto que extingue os conselhos de participação social é mais uma mostra da intolerância e da perseguição de Bolsonaro ao Terceiro Setor, minando a participação da sociedade na formulação de políticas públicas, enfraquecendo o controle social da atuação estatal e, em última instância, ferindo o próprio regime democrático.

Finalmente, chega a ser contraditório que um governo pretensamente liberal tome medidas que vão de encontro aos princípios democráticos liberais. Qualquer democracia liberal desenvolvida do mundo tem uma sociedade civil atuante e forte. É assim nos EUA, na Alemanha, na França e no Reino Unido. Apenas em regimes totalitários que a sociedade civil é sufocada. E não queremos correr o risco de que isso ocorra de novo no Brasil.

Por Ernesto Teixeira: advogado, especialista em Direito Administrativo e Mestrando em Direito pela PUC-SP.