Bolsonaro e a diplomacia do alinhamento fanático

Trump recebe Bolsonaro na Casa Branca: Foto: Isac Nóbrega/PR

Trump recebe Bolsonaro na Casa Branca: Foto: Isac Nóbrega/PR

Logo no início do Governo Dutra, um gesto soturno da direita brasileira serviu para simbolizar o fracasso da política externa do país no período. Em agosto de 1946, Eisenhower, então Chefe do Estado-Maior do Presidente Harry S. Truman, visitou o Rio de Janeiro e o líder da UDN, Otávio Mangabeira, ajoelhou-se e beijou-lhe a mão. Capturada pela lente de Ibrahim Suad, a imagem diz mais que a expressão cunhada para distinguir a diplomacia da época: “alinhamento sem recompensa”.

A política externa que irrompe sob a insígnia do avanço comunista no mundo rompe relações diplomáticas com a URSS já em 1947, assina o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca no mesmo ano, subscreve a carta da OEA em 48 e não reconhece o governo da República Popular da China em 1948. Mas a liberalização da economia (como queriam os americanos), a perseguição interna aos comunistas (o PCB é cassado pela justiça em 1947), a proibição do direito de greve, o apoio irrestrito aos EUA em todos fóruns multilaterais não foram suficientes para que o Império deixasse de considerar como “baixa” a prioridade de sua política externa para a América Latina.

Em 1949, com grande expectativa, Dutra realiza a primeira visita oficial de um presidente brasileiro aos EUA. No ano seguinte, porém, o chanceler udenista Raul Fernandes, enviaria o “Memorando da Frustração” ao embaixador dos EUA no Rio. O fracasso do alinhamento automático foi completo. Os sonhados empréstimos não vieram, tampouco o reaparelhamento das forças armadas. O governo que liberalizou a economia voluntariamente e que, por isso, arruinou as reservas cambiais que o país havia acumulado nos anos de guerra, colheu, pela participação do país nesse esforço, apenas a ilusão de investimentos que nunca chegaram, além de ter legado ao sucessor crescente inflação e déficit público, apesar da ortodoxia econômica.

Mais de setenta anos após a política externa anticomunista de Dutra, o governo Bolsonaro, em sua primeira viagem aos EUA, parece se inspirar na vassalagem da direita que se ajoelha para beijar as mãos dos americanos. Realizando uma inserção internacional ideológica e submissa, a política de “alinhamento fanático” de Bolsonaro aos EUA tende a desperdiçar importantes oportunidades de negócio e de desenvolvimento que poderiam advir de uma posição mais independente e plural nas suas relações internacionais.

A ausência de pragmatismo na diplomacia é imperdoável para uma política pública que deve sempre perseguir o interesse nacional. No caso de Dutra, no entanto, sua diplomacia ideológica não foi completamente ausente de racionalidade. Além de o comunismo ser considerado um ameaça real pelos conservadores, em um contexto de elevada instabilidade internacional, o maciço despejo de dólares americanos na Europa (Plano Marshall) gerou uma esperança genuína nos formuladores de política de que, se o Brasil “fizesse seu dever de casa”, eventualmente receberia dividendos ou apoio da potência capitalista, como veio afinal em 1949, de modo um tanto decepcionante, com o Ponto IV, um programa de cooperação técnica internacional entre EUA e países da América Latina.

Mas a história também mostra como a diplomacia pode servir à Nação. Em 1935, o Brasil assina um acordo de comércio bilateral com os EUA. Em 1936, assina um acordo da mesma natureza com a Alemanha nazista. Em 1939, a Alemanha se torna o principal parceiro comercial do país. De 1939 a 1940, em plena guerra, o Brasil realiza um equilíbrio difícil ao continuar a comerciar com duas potências inimigas, contra as pressões dos EUA, mas sempre com o objetivo claro de conseguir vantagens materiais dessas relações. É nesse contexto que a clarividência de Getúlio vai modificar a história do país. Buscando a industrialização do Brasil, em Junho 1940 o estadista discursa em favor das potências do eixo e alarma os norte-americanos. A manobra é bem sucedida: o Brasil consegue o empréstimo que assegurará a construção de sua siderúrgica, rompe com a Alemanha já em 1942 e ajuda os EUA na libertação da Itália ao enviar milhares de soldados ao campo de batalha, buscando, outrossim, influir nas negociações do pós-guerra.

Com essa “equidistância pragmática”, fazendo alta política, sem interdição ideológica, Getúlio logrou transformar as bases produtivas da nação, com a ajuda dos EUA. Já Bolsonaro, ao se alinhar devotamente aos EUA e negligenciar o interesse nacional, sem qualquer objetivo estratégico a não ser manter mobilizada sua matilha interna contra fantasmas ideológicos caducos, tende a ser engolido pelo Império, colhendo resultados não apenas pífios, como logrou a diplomacia anticomunista de Dutra, mas também nefastos para a soberania nacional.

Em seu primeiro encontro com Trump, no entanto, Bolsonaro deixou de cumprir as regras de etiqueta do bom vira-lata brasileiro, ou seja, ajoelhar e beijar-lhe a mão.

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