Encontro de Bolsonaro e Trump foi um show de submissão do presidente brasileiro

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Na primeira viagem diplomática do governo brasileiro ficou claro que tipo de relações internacionais “sem viés ideológico” este governo praticará. Neste domingo (17) o presidente do Brasil e sua comitiva desembarcaram em Washington (EUA) e compareceram a jantar na casa do embaixador brasileiro, na segunda (18) houve um encontro com empresários americanos, e nesta terça (19) ocorreu o encontro entre Bolsonaro e Trump na Casa Branca. Na chegada, Bolsonaro declarou:

“Pela primeira vez em muito tempo, um Presidente brasileiro que não é antiamericano chega a Washington. É o começo de uma parceria pela liberdade e prosperidade, como os brasileiros sempre desejaram”.

Desde João Goulart, quase todos os presidentes brasileiros seguiram a tradição de abrirem seus mandatos com visitas a países latino-americanos, até mesmo os governos militares, prestigiando nosso espaço geopolítico. Dilma foi à Argentina; Lula ao Equador; Collor e Médici ao Paraguai; FHC, Sarney e Costa e Silva ao Uruguai; Figueiredo escolheu a Venezuela e Geisel a Bolívia. Tal decisão de Bolsonaro, no momento em os EUA faz uma trégua à guerra comercial com a China e ocupa mercados, antes ocupados pelo Brasil, do nosso grande parceiro econômico, por si só, já é representativa dos novos rumos da política externa brasileira.

Ainda, em mensagem que nem de longe lembra um estadista que representa um povo soberano, Bolsonaro escreveu deslumbrado em seu twitter:

“Nos hospedaremos na Blair House. É uma honraria concedida a pouquíssimos chefes de Estado, além de não custar um centavo aos cofres públicos. Agradecemos ao governo americano todo respeito e carinho que nos está sendo dado”.

Curioso notar que a Blair House é a residência oficial do governo dos EUA destinada justamente a receber chefes de Estado estrangeiros em visita ao Presidente dos Estados Unidos. Lá já se hospedaram diversos reis, primeiros-ministros e presidentes, incluindo FHC, Lula e Dilma. Não se trata, portanto, de “honraria concedida a pouquíssimos chefes de Estado”, mas prática comum do governo norte-americano. 

Como primeiro compromisso oficial, na noite do domingo (17) Bolsonaro participou de um jantar na residência oficial do embaixador do Brasil em Washington, Sergio Amaral. À sua direita sentou-se o astrólogo e autoproclamado filósofo Olavo de Carvalho e, à esquerda, Steve Bannon, ex-estrategista da campanha de Trump. Este encontro foi um momento de demonstração de força do guru Olavo de Carvalho, responsável pela indicação do chanceler Ernesto Araújo, e de Eduardo Bolsonaro, filho do presidente que atua informalmente como representante internacional do pai. Tanto Olavo como Eduardo procuram uma aproximação com Steve Bannon e suas articulações internacionais de políticos e movimentos de direita. 

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A comitiva do governo brasileiro na casa do embaixador Sérgio Amaral. Sérgio Moro, ministro da justiça, sentou-se de frente para o estrategista político Steve Bannon.
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Ernesto Araújo, Olavo de Carvalho e Bolsonaro durante o jantar na casa do embaixador brasileiro na noite de domingo (17)

 

Na manhã da segunda-feira (18), em visita que não constava da agenda oficial do presidente, Bolsonaro visitou a agência de inteligência americana, a CIA. O anúncio só foi feito por seu filho, deputado Eduardo Bolsonaro, via twitter.

Rompendo outra tradição diplomática, ainda na segunda (18), Bolsonaro assinou um decreto que dispensa, sem qualquer reciprocidade, a necessidade de visto de entrada no Brasil para cidadãos dos EUA, Austrália, Canadá e Japão. Frise-se, o decreto, que entra em vigor em 17 de junho deste ano, é unilateral, ou seja, não vale para os brasileiros que viajarem para esses países. Antes, como política de Estado, tal hipótese só era cogitada nos casos em que isenção promovesse o mesmo tratamento ao viajante brasileiro.

Também na segunda (18), durante o “Brazil Day”, Bolsonaro, que discursou para empresários e investidores, afirmou que espera contar com a capacidade bélica dos EUA para “libertar” o povo venezuelano. Em seu português raso:

“Temos que resolver a questão da nossa Venezuela. A Venezuela não pode continuar da maneira como se encontra. Aquele povo tem que ser libertado e, acreditamos e contamos, obviamente, com o apoio norte-americano para que esse objetivo seja alcançado”.

Destacando a aproximação do Brasil com os EUA, indicou a abertura para incrementar parcerias comerciais e estratégias entre os países, a exemplo do já então concretizado Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST), que permitirá o uso comercial da Base de Alcântara, no Maranhão, para o lançamento de satélites e foguetes norte-americanos.

Finalizou seu discurso exaltando a suposta unidade entre Brasil e Estados Unidos, discorrendo sobre valores cristãos compartilhados pelos países. “Juntos, podemos fazer muito e essa união, até pela proximidade, Brasil e Estados Unidos, alavancaremos mais ainda, não só a nossa economia, bem como os valores que, nos últimos anos, foram deixados para trás. Acreditamos na família, acreditamos em Deus, somos contra o politicamente correto, não queremos a ideologia de gênero, queremos um mundo de paz e liberdade”.

Hoje (19), Bolsonaro e Trump se encontraram no Salão Oval da Casa Branca. O encontro foi um show de subserviência do presidente brasileiro. Os presidentes trocaram camisas das seleções nacionais de seus países, de futebol no caso do Brasil, e de futebol americano dos EUA. Mas ficou evidente que na verdade é o presidente brasileiro que joga no time americano, e nunca o contrário.

bolsonaro e trump

“A partir deste momento, o Brasil estará mais do que nunca engajado com os Estados Unidos”, afirmou, enquanto elogiava os EUA, satisfeito de lá estar, após “décadas de presidentes antiamericanos”. Disse ter muita coisa em comum com Trump, o que seria “motivo de satisfação e orgulho”.

O principal trunfo esperado pelo governo Bolsonaro nessa viagem aos EUA é a entrada do Brasil na OCDE, organização que funciona como uma espécie de selo de qualidade de políticas macroeconômicas. Já era divulgado que os EUA, como contrapartida ao apoio, exigem que o Brasil abra mão de tratamento especial na OMC (Organização Mundial do Comércio). Trump, por sua vez, sempre em respostas vazias, afirmou que o comércio entre os dois países não é tão bom quanto poderia ser e que vai aumentar substancialmente nos dois sentidos, tendo em vista que os países nunca estiveram tão próximos quanto agora. Disse que também está “trabalhando” na questão dos vistos brasileiros e garantiu que apoia a entrada do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Os EUA já vêm pressionando por uma reforma na OMC, e uma das propostas é justamente o fim do status preferencial e diferenciado, conquista da segunda metade do século XX, capitaneada pelo Brasil, México e Chile, mas que beneficiou o Terceiro Mundo inteiro. Segundo os próprios americanos, o tratamento especial dá aos países que se autodeclaram “em desenvolvimento” exigências menores, o que pode levar a OMC à “irrelevância institucional”, vez que economias já desenvolvidas se aproveitariam da autodeclaração como forma de se esquivar de obrigações, referindo-se, em especial, à China e à Índia.

A submissão ideológica, política e econômica que Bolsonaro expressou nos EUA é algo sem precedentes na história do Brasil. Jânio Quadros e Fernando Collor de Mello, dois dos presidentes mais mal avaliados historicamente, não tiveram comportamentos semelhantes. Pelo contrário. Jânio seguiu a Política Externa Independente de San Tiago Dantas, tradição de altivez e soberania da burocracia diplomática brasileira, e Collor não apenas não protagonizou momentos vexaminosos como essa viagem de Bolsonaro aos EUA, como tornou-se um senador ativo e defensor da soberania nacional na comissão de relações exteriores do Senado. Nem os militares, que Bolsonaro supostamente se espelha, tiveram políticas externas tão subservientes assim aos EUA, mesmo nos momentos mais americanófilos como no governo eleito do marechal Eurico Gaspar Dutra nos anos 1940, ou do marechal Humberto Castello Branco no regime militar do golpe de 1964.