Bolsonaro humilha os militares e leva o Centrão para o Palácio do Planalto

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Brasília foi chacoalhada nas últimas 48 horas por uma profunda reforma ministerial no governo Bolsonaro.

Caiu o Ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva e com ele os três Comandantes das Forças Armadas, Edson Pujol do Exército, Ilques Barbosa da Marinha e Antônio Carlos Moretti Bermudez da Aeronáutica.

O General Braga Netto sai da Casa Civil e vai para o Ministério da Defesa. O General Luiz Eduardo Ramos sai da Secretaria de Governo e vai para a Casa Civil, e em seu lugar entra a Deputada Federal Flávia Arruda do PL/DF, esposa do ex-governador distrital, que foi preso por corrupção, José Roberto Arruda. No Ministério da Justiça e Segurança Púbica entra o Delegado da Polícia Federal Anderson Gustavo Torres no lugar de André Luiz de Almeida Mendonça que vai para Advocacia-Geral da União. No Ministério das Relações Exteriores sai Ernesto Araújo e entra o Embaixador Carlos Alberto Franco França.

Bolsonaro chega a mais um momento de profunda inflexão no sentido da política para fora da anti-política. Às vésperas da ‘comemoração’ do Golpe de 1964 pelo bolsonarismo, o presidente perde seu quadro mais ideológico, o ex-chanceler olavista Ernesto Araújo, expulsa a cúpula militar do governo, e coloca o Centrão dentro do Palácio do Planalto para participar diretamente da gestão do orçamento do lado de dentro do balcão.

A queda do ex-ministro das Relações Exteriores é uma imposição da realidade. Há muito tempo o Congresso, principalmente as bancadas ligadas ao setor exportador de commodities, não aguentava mais as absurdas barbeiragens diplomáticas do aluno modelo de Olavo de Carvalho. O agronegócio, a pecuária e a mineração não estão nem aí para o “Globalismo-Comunismo-Chinês”. O ataque à corajosa senadora Kátia Abreu, que já jogou vinho na cara de José Serra no meio de uma festa, foi a gota d’água para o Senado Federal que exigiu a demissão do ministro.

No Ministério da Justiça, Bolsonaro indica um delegado próximo de seu círculo familiar para proteger melhor o filho-senador Flávio que está cada vez mais enrolado com o acúmulo de provas contra ele nos inquéritos criminais.

Em relação aos militares, o jogo é mais complexo. Antes é preciso lembrar que o bolsonarismo não chegou ao poder sozinho. De fato, o principal fator eleitoral de 2018 foi o muito bem sucedido populismo do líder carismático identificado com o brasileiro comum conservador e antipetista após o desastroso governo Dilma. Além disso, Bolsonaro conseguiu submeter duas forças corporativistas importantes que impulsionavam a anti-política: o lavajatismo, e o prestígio das Forças Armadas perante a população conservadora.

Mas o fato é que Bolsonaro nunca foi lavajatista e nem um líder das Forças Armadas. Pelo contrário. Ele era um político mamando nas tetas dos poderes legislativos elegendo a si mesmo e seus filhos para Câmara de Vereadores, Assembleia Legislativa, e é claro, ao Congresso Nacional por mais de três décadas. Bem o tipo de político do baixo clero odiado pelas corporações judiciais. Mas ele também era um ‘sindicalista’ das baixas patentes militares, inclusive dos setores milicianos das polícias. Chegou a ser processado por planejar um atentado terrorista contra o Exército. Bolsonaro é um tipo que odeia e é odiado pela cúpula das Forças Armadas. Ele cinicamente reivindica seu passado militar enquanto instiga a desobediência e a quebra de hierarquia.

O rompimento do lavajatismo com o governo já foi bem explicado em outros momentos. O Partido de Sergio Moro e seu braço-direito, Deltan Dallagnol, está muito enfraquecido. As vitórias de Lula no STF contra a República de Curitiba já são a parte de baixo da ladeira que o lavajatismo vem descendo, mas a desmoralização de ser chutado para fora do governo e não conseguir reagir foi o início da agonia da corporação não-eleita predileta do cartel financeiro-midiático e do imperialismo.

Pois bem. E os militares? O alto escalão das Forças Armadas partilha do antipetismo ressentido que colocou milhões nas ruas para derrubar Dilma, portanto, aceitaram a incontestável liderança popular de Bolsonaro consolidada pelos novos mecanismos de agitação e propaganda cibernética que estrearam em junho de 2013 no Brasil, mesmo sendo ele um oficial de baixa patente insubordinado e visto como um neandertal pelas cúpulas corporativistas do generalato. Vivendo do passado supostamente ‘glorioso’ e soltando bravatas golpistas no Clube Militar ou no Twitter, as viúvas de 1964 aderiram ao bolsonarismo na esperança de que iam tutelar o líder populista. Foram sucessivamente humilhados pelo ex-subordinado que agora se regozijava dando ordens para oficiais de patente maior que a sua, a exemplo do respeitado General Santos Cruz que foi escorraçado para fora do governo logo no início. Mesmo assim, a cúpula corporativista dos militares, que gosta de acumular salários de alto escalão com suas aposentadorias gordas, permaneceu emprestando seu prestígio e credibilidade como supostos ‘moderadores do presidente’, o tal ‘núcleo racional’ do governo, em troca de manterem seus privilégios, como por exemplo, ficarem de fora da reforma da previdência, etc.

Mas é duro manter esse prestígio como ‘núcleo racional’ com Bolsonaro dando ordens para generais da ativa como Pazuello no Ministério da Saúde. Não apenas ficou claro que o general se submetia às mais absurdas e irracionais decisões do presidente na sabotagem da compra de vacinas e do isolamento social contra a pandemia, como restou evidente que o ‘especialista em logística do Exército’ era um completo incompetente.

Aliás, o desgaste com a cúpula militar atingiu um ponto de não-retorno justamente com a nomeação de Pazuello. O agora ex-Comandante do Exército se manifestou contra a nomeação de generais da ativa no governo, porém Bolsonaro insistiu que Pazuello não fosse para a reserva antes de se tornar ministro. Pujol sempre quis afastar a contaminação política do bolsonarismo no Exército dando declarações fortes sobre como a politização leva à indisciplina nos quartéis, e mesmo em um gesto banal que enfureceu Bolsonado quando recusou apertar a mão do presidente e o cumprimentou com o cotovelo de acordo com os protocolos sanitários de prevenção ao coronavírus ignorados deliberadamente pelo Chefe de Estado do Brasil na contramão de toda a comunidade internacional.

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Então o desgaste das Forças Armadas foi sendo inevitável e acelerado junto com a boçalidade de Bolsonaro que busca o tempo inteiro apenas manter sua base popular coesa para demonstrar ‘poder de fogo’, antes de tudo eleitoral, mas também certa capacidade incendiária perante o caos social latente com a crise econômica e sanitária. Suas aventuras golpistas no início da pandemia foram todas subjugadas pelo STF, pelo Congresso, e por outras forças políticas, a exemplo do ex-governador do Ceará, Cid Gomes, que barrou um levante miliciano literalmente no peito, quando levou dois tiros em cima de uma retroescavadeira que usou para debelar o motim.

Agora, as ameaças e bravatas têm efeito muito menor. Servem apenas como agitação interna, para mobilizar seus apoiadores mais fanáticos e demonstrar certa força eleitoral e social. Mas Bolsonaro não possui esquema militar para dar golpe nenhum. Pelo contrário, ele está cercado pelo STF, pelo Congresso e pelos governadores. Para sobreviver, Bolsonaro depende de um cálculo político de alta complexidade.

A política do presidente desde o início foi sabotar as medidas de prefeitos e governadores no combate à pandemia com isolamento social e compra de vacinas, bem como a total submissão à política de austeridade imposta pelo capital financeiro e seu operador de rapinagem Paulo Guedes, que impede a distribuição de um auxílio emergencial que permita à população pobre ficar em casa e se proteger do vírus. Porém, a realidade concreta social e política vai se impondo, através das pesquisas de opinião que alteram o comportamento até mesmo da mídia e dos setores mais pragmáticos do próprio capital financeiro, mas principalmente dos representantes eleitos do povo.

A cada dia que passa Bolsonaro fica mais isolado e tem que atender aos anseios mais vulgares do Congresso, como distribuir emendas parlamentares e cargos, mas os políticos também não são meras castas corporativistas como juízes, procuradores e generais concursados, pois dependem do voto popular, portanto, da percepção da população sobre a capacidade do Estado de resolver seus problemas, um em particular, a manutenção da própria vida das pessoas em meio à maior crise sanitária mundial desde a Gripe Espanhola no entre-guerras.

Nas últimas semanas, mesmo tendo tido apoio crucial do governo para vencerem suas eleições pelo comando das duas Casas do Congresso Nacional, o presidente da Câmara, Arthur Lira, e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, mandaram recados claros para Bolsonaro com ameaças quase explícitas de impeachment. Rapidamente ele cedeu à demanda antiga do Congresso de indicar um político para o núcleo de articulação política dentro do Palácio do Planalto com a nomeação da deputada Flávia Arruda para a Secretaria de Governo.

Além disso, a crise econômica permanente desde o governo Dilma e agravada terrivelmente pela pandemia é o principal temor de Bolsonaro, que ao invés de demitir Paulo Guedes e romper o Teto de Gastos com medo de uma ofensiva mais violenta do capital financeiro para derrubá-lo, busca jogar a culpa no colo dos governadores, que a despeito da inegável sabotagem presidencial, fazem uma política caótica e ineficaz de isolamento social. Assim, por enquanto, com suas máquinas de propagação ideológica na internet e o megafone do Palácio do Planalto, Bolsonaro mantém coesa sua base social. Porém, a pressão social e política impuseram freios ao presidente. A queda de Pazuello e a nomeação de um médico para o Ministério da Saúde, o pronunciamento exaltando a importância da vacinação, a queda do olavista das Relações Exteriores que impedia negociações comerciais cruciais na compra de vacinas e para a própria retomada econômica, são exemplos da profunda inflexão pragmática de Bolsonaro para sobreviver na cadeira presidencial.

Portanto, o desastre na gestão da pandemia e da crise econômica torna Bolsonaro cada dia mais fraco. Entretanto, ao contrário de Dilma, ele é mais flexível politicamente, e abre espaços cada vez maiores para o Centrão, inclusive e principalmente para suas facções de mais baixo clero ligadas aos esquemas mais obscenos de corrupção, ao mesmo tempo é mais forte institucionalmente na imposição de sua autoridade e soberania como Chefe de Estado.

Se de um lado, Bolsonaro cede e leva uma representante do baixo clero do Centrão para dentro do Palácio do Planalto pela primeira vez em seu mandato, por outro lado, o presidente finca o pé e mostra quem é que manda na Esplanada dos Ministérios. Ele já havia feito isso expulsando Sergio Moro e o Partido da Lava-Jato do Ministério da Justiça para colocar alguém de sua confiança, agora coloca um delegado ainda mais comprometido com a impunidade de seus filhos corruptos. E dessa vez, Bolsonaro avança para cima das Forças Armadas. Ao contrário das corporações judiciais, que nunca foram uma sustentação orgânica, mas aliadas oportunistas no início do mandato, a corporação militar se agarrou na eleição de Bolsonaro e foi cúmplice de seus arroubos golpistas e corruptos o tempo inteiro.

Submetidos a um capitão insubordinado e envolto em rachadinhas, não houve nenhum escândalo na cúpula militar com a demissão de Moro e a intervenção nos órgãos de controle civis. Porém, ao impor a politização dos quartéis com generais da ativa no governo e usando o prestígio das Forças Armadas como escudo para o desastre econômico-sanitário, Bolsonaro passou a cobrar um preço alto demais pelos privilégios previdenciários e os gordos acúmulos salariais dos militares governistas. O ex-Comandante Pujol se negou a dar declarações políticas de apoio ao governo ou de bravatas golpistas como de Villas Boas contra o STF.

A relação entre o generalato e o capitão insubordinado tornou-se insustentável com a recusa de Pujol de punir o General Paulo Sérgio, chefe do Departamento de Pessoal do Exército, que deu entrevista apontando o papel das Forças Armadas no combate à pandemia com medidas de isolamento social sabotadas por Bolsonaro. Indignado, o presidente foi cobrar de seu então Ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, a demissão de Pujol, também recusada. Pois bem. Bolsonaro não está nem aí para o apoio que teve em sua eleição dos generais liderados por Villas Boas, o golpista de Twitter. Impôs sua autoridade como presidente e demitiu todo mundo. O Ministro e os três Comandantes das Forças Armadas. O novo Ministro da Defesa, Braga Netto, aceitou o papel de capacho e vai nomear substitutos mais novos na hierarquia quebrando tradição consolidada no comando militar brasileiro.

Ainda sim, é claro que o saldo geral para o presidente é negativo. Ele está cada vez mais submetido à pequena política do baixo clero do Centrão, perdendo apoios importantes de corporações como o lavajatismo e a cúpula militar, e vendo seus quadros ideológicos sendo derrubados pela realpolitik como nas Relações Exteriores. Além disso, fica demonstrada a volta da política e a impossibilidade da continuidade da hegemonia da anti-política das corporações. Nem Bolsonaro é capaz de dar golpe militar nenhum, nem os militares ou juízes são capazes de derrubar ele na marra. A hegemonia política está dividida nas mãos dos representantes do sufrágio: o Congresso Nacional, liderado pelo Centrão; a cúpula do Judiciário indicada politicamente, o STF liderado por ministros muito habilidosos como Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes; e um presidente da República eleito plebiscitariamente pelo povo brasileiro, ainda que cada vez mais sitiado pelos parlamentares que detém o poder de destituí-lo na medida em que sua popularidade diminui.

Mas Bolsonaro nunca apenas recua. Sempre que sofre uma derrota em uma frente, impõe sua autoridade em outra para demonstrar força para suas bases, que ao contrário das análises mecanicistas apontam, não dependem de corporações de alto escalão, e sim das pautas ideológicas e populistas nas baixas patentes militares e nas camadas conservadoras e ressentidas da população contra a crise do sistema político antes hegemonizado por PT e PSDB. Para compensar a crescente influência do Centrão em seu governo, e a desmoralização perante a população pela gestão desastrosa da pandemia, Bolsonaro humilha seus antigos superiores hierárquicos e atuais funcionários subalternos.