Bolsonaro, Netanyahu e os frangos de Malafaia

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Bolsonaro visitou o muro das lamentações na parte palestina de Jerusalém acompanhado do primeiro-ministro de Israel. O gesto inédito é evitado por todos os chefes de Estado estrangeiros para que não seja entendido como reconhecimento da soberania israelense sobre a área palestina.
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A visita de Bolsonaro a Israel foi das mais desastrosas para o Brasil em todos os tempos.

A um só passo misturou-se religião e alinhamento ideológico na região mais tensa do planeta, em detrimento do histórico da diplomacia brasileira e dos nossos interesses comerciais e econômicos.

Em nome do “fim do viés ideológico” nas nossas relações internacionais o que assistimos foi a ação diplomática mais impregnada de ideologia que o Brasil já empreendeu.

Como a nossa língua portuguesa não é muito familiar aos seguidores fanatizados da seita bolsonarista (que não se cansam de agredi-la publicamente com requintes de crueldade, como fez o ministro Sérgio Moro com seus repetidos “conjes”) podemos presumir que, para estes, o termo ideologia só se aplica às ideologias de esquerda.

O que vimos nessa viagem a Israel foi o estabelecimento de relações muito estreitas não com o Estado Israelense, como seria esperado, mas com a figura do primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu.

Bolsonaro se colocou de forma constrangedoramente subalterna como um mero cabo eleitoral de Netanyahu, que disputa uma indefinida eleição daqui menos de uma semana, sem ao menos considerar a hipótese da oposição a Bibi sair vencedora.

Se isso não significasse uma sinalização de posicionamento oficial do Brasil, talquei, mas, infeliz e tragicamente, as ações e gestos de Bolsonaro no exercício da presidência se tornam atitudes do governo brasileiro.

O Brasil sempre teve excelentes relações diplomáticas com Israel desde a fundação deste, decidida numa histórica Assembléia Geral da ONU presidida pelo brasileiro Osvaldo Aranha.

Desde então todos os governantes israelenses, desde Ben Gurion e Golda Meir, manifestam seu reconhecimento ao Brasil.

A comunidade judaica no Brasil teve um papel importantíssimo para o fim da ditadura, quando liderou os protestos da sociedade civil pelo assassinato do jornalista Wladimir Herzog nos porões do DOI-Codi.

Concomitante a este relacionamento amistoso e próximo com Israel o Brasil desenvolveu importantes relações comerciais com os países árabes e os de maioria muçulmana.

A duras penas, num contínuo trabalho de décadas, ganhou mercado para exportação de carne brasileira (aves e bovinos) produzidas no sistema halal, seguindo os preceitos islâmicos.

O Brasil é líder mundial no mercado internacional de carne halal.

E agora, numa sequência de gestos tresloucados e irresponsáveis, que não precisamos descrever aqui, Bolsonaro coloca todas essas conquistas dos produtores brasileiros em risco.

Não faltam países concorrentes de olho em tomar do Brasil esses mercados.

Austrália, Índia, Argentina, França e Estados Unidos só para citar alguns.

O Egito (maior nação árabe, com quase 100 milhões de habitantes) é o maior comprador de carne brasileira dentre os países da Liga Árabe, seguido de perto pela Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos (não vamos aqui nem considerar o Irã, grande comprador de carne brasileira, por este não ser um país árabe).

Desde o acordo de Camp David, quando celebrou a paz e restabeleceu relações diplomáticas com Israel, o Egito recebe ajuda militar dos EUA da ordem de alguns bilhões de dólares anualmente.

A Arábia Saudita é o maior aliado dos EUA dentre os países árabes e os Emirados Árabes Unidos também são muito próximos diplomaticamente de Washington.

Não é impossível que, a médio prazo, estes países árabes troquem parte do que compram do Brasil por carne norte americana, o que seria surreal, mas perfeitamente possível pelas razões citadas.

Por mais incrível que possa parecer o apoio de Trump a agressiva política de Netanyahu na Palestina foi em vários aspectos mais comedido que o de Bolsonaro, que se comporta como um completo sem noção das implicações para o Brasil que decorrem de seus gestos e atitudes.

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Bolsonaro visitou o Muro das Lamentações na parte palestina de Jerusalém acompanhado do primeiro-ministro de Israel. O gesto inédito é evitado por todos os chefes de Estado estrangeiros para que não seja entendido como reconhecimento da soberania israelense sobre a área palestina.

Depois de se empenhar em ajudar os EUA a aumentar suas exportações de soja e carne para a China, em detrimento dos produtores brasileiros, Bolsonaro agora procura fazer o mesmo com os países árabes e os de maioria muçulmana.

O anúncio da abertura de um escritório de negócios em Jerusalém (totalmente sem sentido prático, apenas um gesto político, já que a principal praça de negócios e finanças de Israel é justamente Tel Aviv, onde está nossa embaixada) gerou críticas de alguns líderes religiosos que apoiaram Bolsonaro.

Estes cobram de Bolsonaro o cumprimento da irresponsável promessa de transferir a embaixada brasileira para Jerusalém, o que, obviamente, vai provocar a reprovação, a ira e possíveis retaliações comerciais dos países árabes e de maioria muçulmana.

Em recente entrevista para a BBC Brasil o pastor Silas Malafaia afirmou que precisa “ser macho” para cumprir tal promessa, mas que Bolsonaro terá essa “coragem”.

Essa prevalência de religião sobre a diplomacia brasileira é inédita e certamente não trará bons resultados.

Para o agronegócio brasileiro fica uma sugestão para compensar a perda de mercados tão importantes: Malafaia pode conclamar seus seguidores a substituírem o dízimo pela compra do frango e da carne que o Brasil deixar de exportar.