Até quando Brasil vai confundir acaso e destino conduzido por golpistas?

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Num breve devaneio, se 311 pessoas das listas de transmissão do meu whatsApp correspondessem ao eleitorado brasileiro, apenas pouco mais de sete por cento teriam respondido à sugestão de começarmos a pensar na formação de uma ampla frente democrática em oposição a Jair Bolsonaro.

O exercício pode não dizer muita coisa, já que o silêncio não significa nem que sim, nem que não. A diferença entre devaneio e sonho é que o primeiro acontece durante nossa lucidez como exercício da imaginação. Refletir sobre o futuro é criar imagens no pensamento. Em pesquisa científica aprendi a nunca desprezar achados aparentemente desprezíveis, além das partículas da imaginação e da intuição sobre os fenômenos.

Apurei o resultado após 24 horas de um pequeno vídeo que postei sobre a necessidade de uma frente progressista para barrar o avanço do neofascismo e do obscurantismo, dizendo que Jair Bolsonaro não representa o Brasil.

O assunto tem feito parte das minhas reflexões sobre o que penso serem dilemas do campo democrático e das esquerdas diante da possibilidade de Lula ser solto após as revelações feitas pelo The Intercept – a meu ver, principal acontecimento político do ano até agora. Vejam: Lula tem que ser solto, e sua condenação, anulada, sim! A campanha “Lula Livre” não pode ficar agora restrita a uma bandeira do PT depois de tudo que foi revelado pelo escândalo da Vaza-Jato. Os dilemas a que me refiro reúnem diferentes elementos contraditórios da atual conjuntura, para além de Lula.

Embora tendo sido apenas um desabafo e passado o vídeo sem intuito de pesquisa – acostumado já com os silêncios e reticências do tempo de cada um no mundo das redes sociais – fiquei me perguntando: a quantidade de retornos num minúsculo universo de pessoas sinaliza alguma situação preocupante? Pode revelar algo relevante em termos de possível retrato de uma eventual disposição do eleitorado? Maionese ou não do meu devaneio, alguma coisa as respostas e a quantidade delas me disseram.

Não me surpreenderam, uma vez que diversos motivos fazem com que as pessoas não respondam, não só sobre o tema da política, mas sobre qualquer assunto – motivos imprevisíveis e não ponderáveis para um ignorante, como eu, em amostras ou análises qualitativas ou quantitativas. Das 23 pessoas que responderam, apenas duas disseram que iriam repassar. A maioria ficou nos aplausos e no indicativo de positivo com o polegar, o que já é algo alvissareiro. Não sinalizaram replicar, mas aplaudiram.

O singelo exercício-pesquisa-em-devaneio me faz inserir outros ingredientes e temperos na salada de preocupações, a fim de que a maionese fique restrita apenas à metáfora. Principalmente para que não encaremos os possíveis rumos do país também como resultado do mero acaso. Como em todo devaneio, nesse há sombras, mas também algumas luzes.

A questão básica da minha reflexão é a seguinte: seria possível uma ampla frente democrática com Lula liderando esse movimento apoiado por Ciro Gomes ou uma frente liderada por Ciro Gomes com apoio de Lula? Ambos juntos conseguiriam formar pactos com outras forças que até então não os apoiavam?Tirando esses dois nomes, haveria outra pessoa em condições de liderar uma ampla frente democrática, que incluísse, por exemplo, forças de centro, liberais, neoliberais, esquerdas?

A conjuntura e o quadro político parecem mostrar que as duas forças importantes atualmente são Ciro Gomes e Lula – se isso não estiver camuflando minha ingenuidade determinada pelo voluntarismo de preferências.

Se as sombras e lacunas do devaneio me fazem míope no presente momento, uma coisa me parece certa e urgente: a necessidade de uma ampla frente democrática diante de um governo que dá recorrentes e inequívocos sinais de autoritarismo e disposição antidemocrática, para falar de uma forma elegante. Isso, em meio ao retrocesso e desmonte geral do Estado e mesmo considerando eventual renúncia ou impeachment de Bolsonaro com todas as consequências advindas de quem assumisse o governo.

Na minha humilde escala de visão e possibilidades de atuação, intuo duas coisas: em primeiro lugar, a sociedade não pode ficar à deriva dependendo de partidos em momentos pré-eleitorais, devendo se mobilizar desde já. Em segundo lugar, ao mesmo tempo, não pode prescindir dos partidos existentes e ficar esperando salvadores da pátria messiânicos caindo do céu ou celebridades com seu discursinho hipócrita de pretensos democratas “a-políticos”. Que nem essa agora do Sérgio Moro dizer que assumiu o ministério com uma “missão técnica”.

Resumindo, se a sociedade ficar na inércia, achando que as soluções virão somente perto das eleições é porque alguma coisa continua escangalhando seriamente nosso equipamento mental. Alguma coisa que nos aprisiona na melancólica e patética infância de contar com a sorte e o acaso para o nosso futuro – circunstância fértil e propícia para os golpistas que sabem o que querem da vida. Alguma coisa que vem adoecendo nossa capacidade de imaginação e pré-figuração do futuro. Certamente, não foi a sorte – e muito menos o acaso – que fizeram nascer as milícias digitais bolsonaristas.

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