O cancelamento de Haddad e o colapso da cultura da lacração

O CANCELAMENTO DE HADDAD E O COLAPSO DA CULTURA DA LACRAÇÃO Gustavo Castañon fernando haddad
Foto: Ricardo Stuckert
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Ontem, o estagiário contratado para dar um perfil lacrador ao twitter de Haddad fez um trocadilho banal (e sem graça) com o nome do apresentador Casagrande, dizendo que havia Casagrande “que valia a pena”.

Por suposto, estava afirmando que as outras casas grandes não valiam a pena.

Imediatamente começou a ser classificado nas redes como RACISTA, isso mesmo, racista, pois, segundo os canceladores, citar a casa grande não tem nenhuma graça.

Se ele citou numa piada, então, segundo essa turba, ele é um “racista recreativo” (aprendi esse novo termo agora, deve ter justificado uma bolsa de quatro anos e uma tese de doutorado qualquer).

Acovardado, apagou o post, mas continuou sendo cobrado por um pedido de desculpas. Esse é o troféu da constrição e submissão que as turbas da lacração cobram para pararem de difamar alguém que, elas acreditam, finalmente deu uma desculpa para elas expressarem livremente todo seu ódio e ressentimento fingindo que estão militando.

Haddad, no entanto, não merece nossa pena. Ele e o PT cultivaram por anos essa cultura política doentia no Brasil e hoje viraram escravos dela.

Como diz o velho ditado espanhol, “Cria cuervos y te sacarán los ojos”.

O desenlace, em se tratando de Haddad e dos políticos que se submetem aos 3% de votos da lacrolândia não poderia ter sido outro. Hoje, sábado 17, Haddad pediu desculpas.

Já existe também um pedido de desculpas padronizado que é aceitável pela turba lacradora. Você precisa reconhecer que 1) Estava errado. Mas não é só. Ainda tem que dizer que 2) não devia ter falado do que não viveu (não tem lugar de fala); 3) não se deve usar o termo em questão de forma nenhuma; 4) é privilegiado; e 5) agradecer pela oportunidade de aprender com o linchamento.

Haddad cumpriu todos os requisitos-padrão em seu ato de penitência e constrição.

A cultura da lacração e do cancelamento criou uma sociedade ainda mais doente do que a de antes. Temos a doença do racismo e do preconceito, mas o “remédio” da lacração e do cancelamento é pior que essa doença que diz querer combater. O motivo é que ele acaba com a liberdade de expressão e força as pessoas que não tem determinada identidade a não discutir mais questões ligadas a ela, sob pena do espancamento social. Como resultado secundário, o preconceito contra algumas identidades só aumenta, porque a lacração aumenta o silêncio e as divisões sociais em grupos onde as pessoas podem falar livremente.

Como se não bastasse, esse deslocamento da luta política das condições concretas de vida da população para o uso da linguagem, além de profundamente ridícula, é um sintoma psicopatológico de fuga do real de efeito profundamente conservador, pois desloca a luta política para mudar como se fala das coisas, enquanto as coisas ficam como estão. Como biscoitinhos de cachorro, o sistema distribui em compensação alguns símbolos de reconhecimento e representação.

Não é justo, no entanto, culpar somente uma esquerda que abandonou o marxismo por esse colapso político. A difusão do pós-modernismo nas faculdades de ciências humanas foi fruto de anos de financiamento de órgãos como a Fundação Ford e o Fundo Soros, assim como sua imposição ao discurso social surge de um trabalho árduo da grande mídia “liberal” em promover essas polêmicas vazias o tempo todo.

O objetivo é tão óbvio quanto possível: deslocar o sentimento generalizado de insuportável opressão e desigualdade de nosso sistema econômico fracassado, responsável por criar o país mais desigual do mundo e com uma das menores mobilidades sociais, para relações de gênero e raça.

O culpado por sua opressão não é mais o bilionário dono de TV ou o banqueiro, não é o sistema que impede a mobilidade social, mas seu vizinho crente.

Hoje essa cultura já se volta contra seus difusores, a cobra começa a se alimentar do próprio rabo. E porquê? Porque só os lacradores mendigam perdão dos lacradores. Se a lacrolândia tenta atacar o Bolsonaro por alguma fala, ele a transforma em mais um milhão de votos.

De longe, rindo, o povo brasileiro rejeita qualquer um que fale como eles e elege qualquer um que fale de Deus, família e nação. Busca desesperadamente a universalidade e estabilidade num mundo estilhaçado em mil identidades em guerra.

Mesmo passando fome e desempregado.

É de tirar o chapéu.

Não “é a economia, estúpido!

  1. Achei o texto brilhante Castañon. A sociedade brasileira passa por mazelas das mais diversas, causadas por uma política que tende a oprimir os menos favorecidos, para beneficiar um grupo seleto. Entretanto, vemos um grupo de “lacradores” Que se intitulam defensores de bandeiras que não levam o Lais a nada, senão a uma maior segregação e a busca por alguém que passe a ideia de mais próximos do senso comum. Enquanto agirem assim, mais e mais entregam adebtos a Bolsonaro de bandeja.

  2. Só um imbecil para acreditar que Haddad faria qualquer comentário racista ou coisa semelhante! Ainda bem que não tenho Facebook, twitter, Instagram, etc. Não permito que tentem me imbecilizar!

  3. O autor deveria ter maior sentimento de EMPATIA – ou como se dizia, ser mais DIDÁTICO –, pois o próprio título (“O cancelamento de Haddad e o colapso da cultura da lacração”) é de uma hermeticidade total. Mais parece uma senha de alguma tribo para selecionar quem pode ou quem não pode acessar determinado mensagem reservada.
    Quantos conhecerão de antemão o significado de “lacração”, ou “cultura de lacração”??!! Ou será para humilhar mesmo?!
    Expressem-se para o povo entender! Ou nenhum esforço terá frutos.

  4. O autor deveria ter maior sentimento de EMPATIA – ou como se dizia, ser mais DIDÁTICO –, pois o próprio título (“O cancelamento de Haddad e o colapso da cultura da lacração”) é de uma hermeticidade total. Mais parece uma senha de alguma tribo para selecionar quem pode ou quem não pode acessar determinado mensagem reservada.
    Quantos conhecerão de antemão o significado de “lacração”, ou “cultura de lacração”??!! Ou será para humilhar mesmo?!
    Expressem-se para o povo entender! Ou nenhum esforço terá frutos.
    (17/10/2020)

  5. Destaco os dois trechos que considero mais importantes do seu texto, com o qual concordo quase integralmente:

    1 – esse deslocamento da luta política das condições concretas de vida da população para o uso da linguagem: descrição precisa do que tem acontecido.

    2 – O culpado por sua opressão não é mais o bilionário dono de TV ou o banqueiro, não é o sistema que impede a mobilidade social, mas seu vizinho crente: infelizmente isso parece se consolidar. Basta escutar jovens artistas da periferia como Hot e Oreia.

  6. Revoluções sociais inspiradas no mouro alemão e seu amigo inseparável já disseram a que vieram, fazendo abstração da Comuna de Paris, a começar pela Rússia de 1917. Depois veio a China com a República Popular de Mao Tsé-Tung (Máo Zédông não cola) que estatizou a economia, coletivizou terras e nacionalizou multinacionais. Revolução desse tipo aconteceu até bem pertinho da maior potência imperialista de todos os tempos, nas barbas do Tio Sam, todo mundo sabe que falo de Cuba kkk. Mas quando falei que essas revoluções já disseram “a que vieram” pensei na questão democrática. Praticamente todas as revoluções consequência de lutas armadas, de guerra civil resultaram em sociedades não democráticas. E foi por isso que o comunismo praticamente acabou em todo o mundo. Restaram Cuba, Coreia do Norte, Vietnã e Laos. E a China um mistério histórico que combina um país com governo comunista que pratica capitalismo com mais competência que as potências capitalistas de todo o mundo, EUA incluso. E o Brasil nessa história? Um país de dimensões continentais. Com um povo moreno que fala uma só língua, a finada União Soviética abrigava mais de cem nacionalidades diferentes. O Brasil não virou nem uma potência capitalista e nem fez uma revolução social clássica. Até hoje é um gigante colonizado. Por que isso? Segundo o finado Darcy Ribeiro porque nossa classe dominante é a mais competente do mundo. Uma classe dominante que mantém seu povo na condição tripla de favelado, morador de rua ou da cracolândia. Os capitães hereditários de 500 anos atrás são os mesmos capitães do pujante agronegócio de hoje: AGRO É TUDO (menos reforma agrária). Quanto a revolução clássica brasileira que nunca aconteceu só seria possível se um dia os favelados se unissem em torno da ideia de que eles são roubados há 500 anos. E a palavra de ordem dessa revolução seria “Gente vamos descer o morro e pegar o que é nosso”. Fiquei animado quando descobri que existia uma CUF Central Única de Favelas. Mas logo descobri que não se tratava de conscientizar os favelados sobre seus direitos. A CUF é para enganar os favelados no sentido lulista (“Não vou mais enganar o povo”). Isso é uma “possibilidade”. Mas a burguesia brasileira está tranquila. Já li um artigo de um intelectual da repressão que dizia que o aparato policial está preparado para esmagar qualquer tentativa dessa natureza. Vamos apostar no caminho democrático porque já vimos que revoluções desse tipo não dão certo por deficiência democrática. O Brasil será um país socialista democrático que será um exemplo para todo o mundo.

  7. No fundo, esses contorcionismos narrativos têm como finalidade precípua esconder o que move o mundo: a luta de classes. Já repararam que antes se utilizava a expressão “desigualdade social” e, mais recentemente, apenas “desigualdade”, o “Social” sendo excluído? A rigor, deveria ser “desigualdade de classe social”, mas aí …

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