O que os candidatos pensam sobre a desindustrialização?

Há uma compreensão global do tema contida no documento de Ciro, na qual se inclui tanto a identificação da questão da desindustrialização quanto propostas mais concretas para a sua resolução.
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A indústria é a atividade econômica em que mais espaço há para o aprofundamento da divisão do trabalho, para a especialização produtiva, para o encadeamento produtivo e para a introdução de inovações tecnológicas. A atividade agrícola, apesar de ser importante para as exportações nacionais, proporcionando receita e capacidade de importar ao país, não possui a mesma capacidade de produzir os ganhos de escala que a indústria permite.

Ainda assim, é notório que o Brasil passa hoje por uma desindustrialização avassaladora e por uma reprimarização da economia. Se na década de 1970 a indústria brasileira correspondia a 30% do PIB, números recentes mostram que atualmente o peso do setor industrial na produção nacional circula em torno de apenas 10%.

Para piorar, números do IBGE lançados ontem apontam que a indústria regrediu 0,6% no segundo trimestre de 2018.

À primeira vista, pode-se contabilizar a desindustrialização como apenas um dos muitos problemas que o país possui para resolver no momento. No entanto, seria sensato considerá-lo o mais urgente de todos, com o qual a maior parte dos outros problemas se relaciona.

Isso porque o que caracteriza um país subdesenvolvido, como o Brasil, é sua posição subordinada na divisão internacional do trabalho: compramos produtos mais industrializados, de maior valor e tecnologia agregada, porém vendemos produtos primários, como soja ou carne, que são muito mais baratos.

Além disso, no longo prazo, ocorre o fenômeno da deterioração dos termos de troca, ou seja, os produtos que exportamos perdem poder de compra em relação aos produtos que importamos, resultando em transferência de excedente financeiro do Brasil para fora. Esse quadro se acentua toda vez que a demanda externa pelos nossos produtos sofre queda, barateando ainda mais as nossas exportações.

Diante disso, é importante analisar o programa dos principais candidatos à Presidência da República para saber o que eles estão propondo sobre o tema. Analisaremos aqui as propostas de Geraldo Alckmin, Marina Silva, Jair Bolsonaro, Ciro Gomes e Lula. Ao final, daremos uma rápida palavra sobre as condições macroeconômicas para retomar a industrialização.

GERALDO ALCKMIN

O programa do candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, é sucinto no que diz respeito ao setor industrial. Não é mencionada, em momento algum, a questão da desindustrialização, e a palavra “indústria” aparece somente quatro vezes no texto, que possui 15 páginas.

Consta que a indústria será parte do objetivo de fomento das regiões Norte e Nordeste, mas não há maiores diretrizes sobre a proposta. Além disso, figura também a intenção de desenvolver a indústria 4.0, a indústria do conhecimento e de fomentar a agroindústria. Infelizmente, o programa do ex-governador de São Paulo permanece num estágio vago de proposições sobre o tema. Não escapa aos olhos, contudo, o projeto de “abrir a economia”, política que, sem grande planejamento envolvido (o que também não está especificado no programa), pode resultar em aceleração da desindustrialização nacional ao proporcionar a entrada de mais produtos importados competitivos.

MARINA SILVA

O programa da candidata da Rede, Marina Silva, contém a palavra “indústria” cinco vezes ao longo de suas 45 páginas, mas também não menciona a grave questão da desindustrialização pela qual passa o país.
Na maioria das vezes em que o assunto aparece no texto, está conectado com um plano mais amplo de preservação ambiental. Mesmo que o cuidado da nossa natureza seja importante, vale lembrar que o Brasil já é destaque mundial em produção de Energia Limpa.

Outra informação que o eleitor deveria conhecer, é que o Brasil ocupa só 7,8% de seu território com lavouras. Números lançados tanto pela Embrapa Territorial como pela NASA, no fim do ano passado, atestam esses dados.

Não deriva disso que a candidata esteja equivocada em posicionar seu ambientalismo como moldura de sua política econômica, mas certamente ela peca em suas prioridades, dado que o tema da desindustrialização é muito mais imediato para a retomada do progresso da nação.

Por fim, a indústria aqui também fica subordinada a um projeto de abertura comercial, como no programa de Alckmin.

JAIR BOLSONARO

O programa de Jair Bolsonaro, do PSL, traz a palavra “indústria” oito vezes no curso de suas 80 páginas. A concepção que envolve o tema é liberal em sua essência, apostando na abertura comercial (como Geraldo Alckmin e Marina Silva) e no sucesso de setores que já possuem competitividade para enfrentar tal liberalização, como a indústria naval.

Tampouco se encontra no programa de Bolsonaro o problema da desindustrialização, mas ao menos demonstra-se a intenção de estimular a “migração para a indústria 4.0”, com políticas para ampliação da oferta e requalificação da força de trabalho para as exigências das tecnologias de ponta.

Apesar do pouco detalhamento acerca da indústria 4.0, as diretrizes apresentadas neste sentido são menos vagas que as postuladas pelo programa de Geraldo Alckmin.

LULA

O programa de Lula, do PT, menciona a palavra “indústria” vinte e três vezes ao longo de suas 58 páginas e reconhece a necessidade de enfrentar a desindustrialização.

De acordo com o texto, as commodities não podem ser o único trunfo econômico do país, e a indústria é um setor fundamental para o desenvolvimento. Há o diagnóstico, também, da necessidade de superar a dependência primário-exportadora na balança de pagamentos, ainda que se valorize a produção agropecuária.

De certa forma, o programa é relativamente completo no que diz respeito à retomada da industrialização: conformar os investimentos estrangeiros à uma estratégia de desenvolvimento, programar o desenvolvimento setorial (Defesa, Energia, Saúde, Construção Civil etc.), e promoção da agroindustrialização do campo brasileiro. Por fim, os bancos públicos são elencados para viabilizar este projeto.

O conjunto é positivo, mas não há reconhecimento de que a própria política econômica do PT, ao longo de seus treze anos de poder, foi largamente responsável pelo agravamento da desindustrialização nacional.

CIRO GOMES

No programa do candidato do PDT, Ciro Gomes, a palavra “indústria” é citada trinta e seis vezes ao longo de suas 62 páginas.

Há uma compreensão global do tema contida no documento de Ciro, na qual se inclui tanto a identificação da questão da desindustrialização quanto propostas mais concretas para a sua resolução.

A perda de relevância da indústria no PIB figura aqui como principal responsável pela baixa taxa de crescimento de 2,2% ao ano, em média, nos últimos trinta anos. O programa lembra que entre 1958 e 1987, a mesma média de crescimento brasileira foi de 6,6%, período em que o Brasil se industrializava plenamente.

Ao contrário da abertura comercial vaga proposta por outros candidatos, as diretrizes de Ciro apontam para uma inserção internacional que fomente o setor produtivo e esteja incorporada numa estratégia de longo prazo com forte apoio às exportações.

Ao contrário de Marina Silva, que visivelmente prioriza a preservação ambiental à industrialização, o programa de Ciro afirma que há “uma oposição artificial entre dois conceitos originalmente interligados,a ecologia e a economia”, indo mais além na proposta de desenvolvimento sustentável: um plano de formação de arranjos produtivos nos entornos das Unidades de Conservação, para promover o turismo sustentável e prestação de serviços às unidades; desenhos de modelos produtivos para áreas vulneráveis; desenvolvimento de ecossistemas de inovação sustentável; agregação de valor conforme parâmetros de sustentabilidade; investimento intenso em saneamento básico etc.

Há também propostas para o desenvolvimento da indústria 4.0, com investimentos em ciência e tecnologia para produzir mais inovação, fortalecimento do CNPq, produção de conhecimento associado entre empresas e universidades como ocorre em países desenvolvidos etc.

O que mais surpreende é que o programa não apenas acena para mais investimentos, como já planeja uma divisão de recursos entre pesquisas livres e pesquisas dirigidas conforme as demandas da sociedade. Diretrizes e recursos para financiamento encontram-se integrados no documento.

É realmente o programa que mais prioriza o desenvolvimento por meio da industrialização, mas de forma moderna e transparente ao eleitor.

O QUE PENSAM OS CANDIDATOS SOBRE MACROECONOMIA?

Rapidamente, é importante que o eleitor conheça os fatores que conduziram a indústria nacional a este estágio lamentável no qual se encontra.

Os imperativos macroeconômicos da economia global desde os anos 90 foram absorvidos pela política econômica brasileira durante sucessivos governos. Seus princípios são: i) livre movimentação do capital entre as fronteiras nacionais; ii) busca de credibilidade com o mercado para atrair mais investimentos externos; e iii) implementação do tripé macroeconômico (câmbio flutuante, juros altos, e inflação sob controle), com a função de assegurar estabilidade e a confiança do mercado.

Isso levou a que: i) os juros altos tornassem as aplicações financeiras mais atrativas do que o investimento produtivo; ii) a livre movimentação do capital, acompanhada de juros exorbitantes, fizesse o câmbio flutuante valorizar, reduzindo a competitividade de sistemas industriais atrasados; iii) a política monetária (instrumento) se sobrepusesse à de desenvolvimento (objetivo).

Tendo isso em vista, quais candidatos concordam com esses pressupostos macroeconômicos que permitiram a desindustrialização? E quais candidatos pretendem alterá-lo?

De acordo com os seus respectivos programas de governo:
i) Geraldo Alckmin não menciona;

ii) Marina Silva não só concorda com estes princípios macroeconômicos que prejudicaram a indústria como deseja aprofundar a institucionalização deles, propondo a independência do Banco Central;

iii) Jair Bolsonaro tem uma proposta semelhante à de Marina Silva, prometendo manter o tripé macroeconômico que estimulou a desestruturação industrial do país;

iv) Lula pretende buscar outro modelo macroeconômico, buscando um câmbio menos volátil e mais competitivo, e uma política do Banco Central que controle a inflação mas que também assuma compromisso com o emprego;

v) Ciro Gomes também pretende construir outro arranjo macroeconômico, estabelecendo uma taxa de câmbio que oscile apenas em torno do patamar que for competitivo para a indústria nacional, uma reforma monetária que diminua tanto a taxa de juros estabelecida pelo Banco Central, quanto as cobradas pelo mercado financeiro a consumidores e empresas, e implementando duas metas para o Banco Central: taxa de inflação e taxa de desemprego, como nos EUA.

No campo da macroeconomia, o programa de Alckmin é nebuloso, o de Marina e Bolsonaro são praticamente idênticos entre si, e o de Lula e Ciro Gomes também são muito parecidos.

Existe, portanto, algo no qual o eleitor possa se apoiar para tomar a decisão?

Bem, o PSDB foi responsável por formular o atual arranjo macroeconômico na década de 1990, durante a presidência de Fernando Henrique Cardoso, o que pode nos ajudar a intuir os rumos da política macroeconômica de Geraldo Alckmin.

Por outro lado, se Marina e Bolsonaro se diferenciam em outros temas, há que se admitir que em termos de macroeconomia suas ideias são basicamente iguais.

Com relação a Ciro Gomes e Lula, sabe-se que Ciro vem apresentando há alguns anos ideias bem diferentes das defendidas pelo PT ao longo dos anos em que o PT foi governo.