GUSTAVO CASTAÑON: O desespero não muda a realidade

Ciro Gomes oposição ao Bolsonaro
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Ontem vimos publicado um artigo um tanto o quanto desesperado do jornalista Juan Arias, sobre o que seria a suposta omissão da esquerda brasileira diante da escalada fascista no Brasil.

É totalmente compreensível seu desespero diante da destruição da imagem do Brasil e do povo brasileiro, de sua economia, de seu meio-ambiente e de sua democracia. É o desespero que sentimos toda manha ao tentar nos inteirar de mais uma noite de destruição.

Mas acredito que ele precisa se esforçar para não perder de vista várias outras realidades prosaicas.

E a principal é que este governo foi eleito pela maioria do povo brasileiro, e ainda não perdeu o apoio de grande parte de seu eleitorado.

A maioria do Brasil escolheu e persevera no mal.

E o braço armado da nação está com o governo.

Mas ainda há mais verdades a não serem esquecidas.

Não existe “oposição democrática” no Brasil que não seja progressista. A direita brasileira, toda ela, sempre foi e, aparentemente, sempre será antidemocrática. Não adianta apelar ao senso democrático de nossa imprensa corporativa ou dos parlamentares da direita.

O que podemos fazer, se os militares não estão dispostos a parar os desacatos de Bolsonaro à Constituição e à soberania nacional? Devemos pegar em armas para coagi-los? Ou será que um discurso inflamado numa passeata de 200 pessoas da CUT os comove?

As semelhanças de Bolsonaro com Hitler são claras, e ninguém as menospreza mais. O tempo de subestimar Bolsonaro passou. Mas devo lembrar também que Bolsonaro tem defeitos extras em relação a Hitler. Como entreguista, neoliberal e antiecológico que é, não precisará sequer de uma guerra para destruir o país em três anos e não creio que tenha como se manter por muito tempo no poder. Porém, deixe-me lembrar de novo:

A maioria do Brasil o escolheu e persevera no mal.

Como é que o jornalista pode falar em silêncio da oposição? Será que ele ignora que o silêncio é o da mídia sobre nós? Ou será que o autor acha que fora das eleições temos meios para disputar espaço com um governo eleito?

E será que se esquece também que uma unidade agora seria absolutamente inócua para barrar essa agenda no Congresso? Com menos de um terço do Congresso nacional nos unir faria alguma diferença? Deixe me lembrar, de novo:

A maioria do Brasil escolheu esse congresso e persevera no mal.

Deveríamos chamar as massas para as ruas? Para protestar contra o fim de sua aposentadoria e pressionar o Congresso?

A maioria do povo brasileiro assentiu para essa agenda e persevera no mal.

Mas não nos conformamos com isso, nós acordamos todos os dias e fazemos o que está ao nosso alcance. O PDT, por exemplo, montou exatamente o que o jornalista acusa a oposição de não fazer: um observatório (o Observatório Trabalhista) para acompanhar o dia a dia dos setores de governo e emitir relatórios trimestrais de seu desempenho.

Ciro Gomes continua uma agenda inesgotável de campanha, falando em cada rádio e TV que o convida, vivendo fora de casa correndo o Brasil com sua esposa e assessores discutindo o Brasil com o público em geral e particularmente com estudantes, sindicalistas, políticos e jornalistas.

O PDT, com sua modesta estrutura, continua combatendo e acionando o Supremo para tentar impedir o pisoteio da Constituição.

O que o autor quer dizer então com “silêncio”?

O silêncio é da população, caro Juan.

A maioria do Brasil se calou e persevera no mal.

Agora, tem uma parte daqueles que você esperaria que estivessem lutando contra Bolsonaro que tem outras prioridades há anos. Que inclusive escolheram sua eleição ao invés de uma opção nacional e progressista, para manter sua famigerada “hegemonia”.

Não é a esses que você deveria cobrar?

Porque esses cidadãos, supostamente progressistas, continuam exigindo subordinar toda a agenda política da esquerda a seus processos judiciais, inclusive sua liderança máxima, Lula.

Eles sabotam seguidamente todo começo de organização popular de oposição a Bolsonaro tentando impor a pauta “Lula Livre”, apesar de serem incapazes de convocar uma passeata com essa bandeira. Sabemos porquê.

Rejeitar a subordinação da agenda política do país a questões penais não se trata de se enrolar “em suas pequenezas partidárias e lutar para ver quem vai liderar a oposição”, mas se trata, em nossa visão, de oferecer ao país a opção de uma oposição séria que não se aproveita de sua revolta e desespero para impor pautas indesejadas.

Se há algo mais que pueril e provinciano, mas também partidário e personalista hoje nesse país é a irresponsabilidade do partido que, sendo ainda o maior de oposição e se arrogando o direito de exercer sua liderança, não se importa com nada mais do que os processos de seus líderes e burocratas enquanto o país é desmontado.

E essa minoria decidiu subordinar o país a essa agenda e persevera no mal.

Acredito que nós, do PDT, assim como Ciro Gomes, não nos subordinaremos a essa agenda e não deixaremos o povo brasileiro acreditar que a oposição ao pior governo da história do Brasil se resume aos interesses judiciais de uma burocracia partidária.

Mais do que isso, explicar ao povo brasileiro as raízes de sua desgraça atual, o modelo econômico, passa inescapavelmente pelo fato de que este foi reproduzido em parte pelo PT por 13 anos e acentuado no choque de “austeridade” com que Dilma massacrou a economia brasileira em 2015 nos lançando na crise atual.

Essa suposta “unidade” tão cobrada que não sabemos para que serviria não é nossa responsabilidade histórica.

Nossa responsabilidade histórica é fazer o povo brasileiro entender o que aconteceu e está acontecendo.

Fazê-lo ver que ser oposição a Bolsonaro não se confunde com ser petista ou apoiar o PT.

Hoje, se aliar ao PT é que é cruzar os braços diante da chegada da tirania, alimentando a narrativa bolsonarista e petista de uma polarização discursiva que aprisionou o Brasil na lógica de ódio que nos levou até aqui.

Somos brasileiros que não temos outro país para correr se a ditadura se instalar por aqui.

Ainda assim, estamos fazendo a coisa mais difícil, revolucionária, perigosa e trabalhosa em tempos de desespero e ascensão do fascismo: dizendo a verdade e chamando a população à razão.

O trabalho de Ciro Gomes e do PDT neste momento é um trabalho de profetizar: sabemos quais são os efeitos inescapáveis das políticas neoliberais. Precisamos alertar a população para o caos que se instala e porque, para que, o quanto antes, ela entenda o que está acontecendo e se volte contra o que está de fato destruindo o país.

Este trabalho requer coragem, determinação, inteligência, sangue frio e honestidade.

Ceder ao desespero não mudará a realidade.

E a realidade é que nós perdemos Juan. “Eles venceram e o sinal está fechado para nós que somos jovens”.

Venceram no voto, são maioria, e perseveram no mal.