China, Brasil e a questão da dependência

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A diplomacia chinesa, nas últimas décadas, assume como essencial os princípios do Movimento dos Não Alinhados. A China afirma não interferir nos assuntos externos de outros países; defender um mundo multipolar; critica o unilateralismo e o hegemonismo; soluções pacíficas para os conflitos e defesa da paz; respeito à soberania de outras nações. Até onde me consta, não existe provas materiais, concretas, para duvidar que esses princípios guiam a política externa chinesa. Essa linha política significa, entre outras coisas, que a China vai procurar manter boas relações com qualquer país (com algumas condicionalidades, como reconhecer a unicidade da Nação Chinesa) independente do seu sistema político, econômico e ação geopolítica. Por isso, a China procura construir boas relações com Irã e Arábia Saudita, Autoridade Palestina e Israel, Grécia e Chipre, Paquistão e Índia e assim segue.

Essa linha de atuação se pauta, objetivamente, pelo interesse nacional chinês. Os chineses dizem, por exemplo, que não vão promover golpes de Estado para favorecer seus negócios. Ao mesmo tempo, se a classe dominante de um país quer vendê-lo, e for do interesse dos chineses comprar, eles vão comprar. O PCCh é o mesmo partido que em 2018 dialogou com Ciro Gomes sobre um Projeto Nacional de Desenvolvimento, mantém parcerias estratégicas e fundamentais com o Partido Comunista Cubano e o PSUV da Venezuela e, ao mesmo tempo, busca construir ótimas relações com Mourão e os Chicago Boys que cercam Paulos Guedes. O objetivo de longo prazo dos chineses, nesse momento, além de se afirmar diplomaticamente, é derrubar o dólar como reserva de valor e moeda por excelência do mercado mundial, estabelecendo parcerias com todos os países do mundo, descolocando os circuitos financeiros, comerciais, tecnológicos e culturais para o eixo Asiático sobre o comando do Dragão Chinês.

Dado essa linha de atuação, objetivamente, a China atua como uma potência imperialista sobre o Brasil. Veja, eu não creio que a China “seja” imperialista no sentido de que sua política externa não é baseada no colonialismo, militarismo e no comando dos assuntos internos de outros países. A China não é responsável pelas barbáries que a União Europeia e Estados Unidos praticam no mundo. Ao mesmo tempo, porém, imperialismo, ao menos no seu sentido leniniano, significa o sistema capitalista mundial na sua fase monopólica onde a cadeia econômica global tem seu fundamento na exportação de capitais estabelecendo, concretamente, um controle sobre as economias dependentes, semi-coloniais e colônias. Talvez seja útil, ainda que confuso, falar de “reprodução da dependência sem neocolonialismo”.

Não é questionável um dado objetivo: o capital chinês, público ou “privado”, tem um controle cada vez maior sobre a economia brasileira. E se o objetivo de Bolsonaro de vender a Eletrobras, Correios e Petrobras aos chineses for concretizado, o controle chinês sobre nossa economia será ainda mais. Essa relação assume a forma típica de centro-periferia. Existe, é claro, diferenças políticas importantíssimas. Até onde sabemos, a China, diferente dos EUA, FMI e Banco Mundial, não impõe pacotes de ajustes e cortes, e também não está controlando aparelhos importantes do Estado brasileiro. Mas a relação centro-periferia fica configurada.

A consequência política disso é óbvia. É necessário sem cair em sinofobia combater as privatizações, desnacionalizações e entrega das nossas riquezas também ao capital chinês, mas, ao mesmo tempo, saber que em caso de uma reação popular, e uma mudança radical nos rumos do país, a China, mesmo que lesada em alguns interesses, será, potencialmente, um dos nossos principais parceiros em termos de crédito, transferência tecnológica, mercado consumidor etc.

Não é aceitável tapar o sol com a peneira. A China busca apenas e exclusivamente o seu interesse nacional. Isso não pode ser maquiado em nome de simpatias ao projeto chinês (simpatias que, como se sabe, eu também tenho), mas, ao mesmo tempo, é um esquerdismo inconsequente afirmar que a China, no Brasil e no mundo, tem a mesma posição política e geopolítica da União Europeia e dos Estados Unidos.