O sofisticado wishful thinking do cirismo

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Por R.C. – O texto “Jones Manoel e Marcos Nobre: críticas inteligentes e equivocadas a Ciro Gomes” é sofisticado e de bom senso. Linguagem instigante, que o autor desenvolve, talvez sem perceber ele mesmo, em formato de “wishiful thinking”. Sem demérito, igualmente legítimo e verdadeiro, como pontua a respeito das opiniões de Jones Manoel.

Particularmente, poderia ponderar algumas assertivas. Por exemplo, concordo com o youtuber de que a capacidade de transferência de votos ou influência, não apenas da Rede, mas também da Marina é pífia. A não ser que o autor possa me indicar um eleitor pragmaticamente “marinista”, minha tendência é pensar este, como um apoio apenas simbólico e comparável, por vezes menos influente, ao de um Chico Buarque ou Wagner Moura.

Acho que foi o próprio Ciro, que outrora declarou: “o camarada tem que ser destinado à Presidência da República “. E neste caso, tenho tendência a achar que, assim como o Brizola, Ciro não teria o Palácio do Planalto desenhado nas linhas da palma da mão. Ciro tem força na largada, mas se esvazia antes do segundo turno. Entre excessos e escassez, lhe faz falta o perfil messiânico que a esquerda (e a extrema-direita) tanto valoriza.

Ciro não é errático. É improvável, ainda assim, um fechamento da sua candidatura com o centrão. Indiscutivelmente, ele sempre esteve à esquerda de FHC, ao menos politicamente. Até pela base eleitoral no Nordeste e a essencialidade dos programas sociais para a região. Ciro, porém, ainda que injustamente, jamais será reconhecido como o intelectual que de fato é. “Não existe” intelectual no Nordeste. Se de esquerda, para ser considerado erudito e aceito pela chamada Aliança do Coliseu, é condição sin ne quo non ser paulistano, preferencialmente uspiano, a exemplo do sociólogo. Neste critério, teria mais chances o Haddad, se não tivesse vinculado tanto sua imagem à do presidente Lula.

Neste ponto, abro espaço para destacar a importância da passagem do tempo para a acuracidade das análises históricas. Impensável, há uma década, seria um fórum de esquerda aceitar expressões como “um quadro de esquerda que governou com a direita” para referir-se aos oito anos de mandato do “príncipe dos sociólogos”. Ressalvas à parte, muito mais fácil é, para os eleitores destes tempos, vincular a imagem de FHC à esquerda esclarecida, do que relembrar o passado PSDBista de Ciro. Para o brasileiro médio, avesso à história e para quem o Grupo Globo é comunista, associações prontas por analogias e estereótipos são bem mais palatáveis do que uma reconstrução crítica da formação dos partidos políticos no período da redemocratização. Ou temos a ingenuidade de achar que o eleitor do Ciro em 2018, se deu ao desprazer de relembrar que, não apenas a Kátia Abreu era dissidente do PMDB, como atuou, a maior parte da sua trajetória no PFL/DEM, partidos remanescentes do ARENA?

O texto faz menção pertinente ao espaço existente para o desenvolvimentismo e para o nacionalismo, não apenas pelas várias rupturas que sempre sofreu o processo de industrialização no Brasil, mas principalmente por que o isolacionismo, especialmente potencializado numa época pós-covid-19, oferece a tônica do que vem de fora. Ao autor, contudo, proponho uma reflexão. Se em 1930, Getúlio Vargas emergiu no Brasil, foi também nesta época que apresentou-se como solução ao “crash” da bolsa em 1929, o New Deal.

Segundo a abordagem keynesiana, durante uma recessão, quando os consumidores tendem a diminuir seus gastos em consumo, o governo tem a função de intervir e aumentar seu próprio gasto. Seria o “construir pirâmides” ou “cavar buracos para tapá-los novamente”. O dinheiro que o governo paga a esses trabalhadores estimula o consumo e consequentemente a economia. O presidente Lula, keynesiano que só ele, exitosamente garantiu o período mais próspero da história moderna do Brasil, após o crise do subprime americano em 2008. A receita é: intervenção, consumo, crédito e políticas de bem estar social. O projeto não é nacional-desenvolvimentista, tão somente. O projeto é mais amplo, é intervencionista.

Repare bem (sic), o problema eleitoral da esquerda para 2022 não é o modelo econômico. São muito mais convergências do que discordâncias, inclusive com a centro-direita, que nunca se opôs, por questões óbvias, a um Estado Forte. A dificuldade é com o discurso e com o representante político. Não vejo em Ciro Gomes a solução para montar e representar um quadro político capaz desse diálogo. Seja por destino, ou a falta dele, a esquerda precisa de uma representação nova e esclarecida, que surgem nas figuras da Tabata Amaral, Marília Arraes e do próprio João Campos, ou ainda de Alessandro Molon. Muito jovens, contudo, e com muito arroz e feijão pra comer. O Brasil vai dar certo sim, caro autor, mas ainda não será em 2022.

R.C., é jornalista e internacionalista.

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