Erros e acertos de Ciro Gomes na oposição a Bolsonaro

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Abundam as análises sobre os quatro primeiros meses do governo Jair Bolsonaro. Acredito que boa parte daquilo que precisa ser dito já o foi. Mas creio que também é importante falarmos do que a oposição tem feito e como ela tem agido diante de uma gestão até aqui errática, conflituosa e que, como escrevi neste mesmo Disparada, tem se voltado mais a uma guerra ideológica orientada pelo filósofo conservador Olavo de Carvalho do que à agenda premente e dos problemas concretos para qual importante maioria do povo brasileiro em Bolsonaro confiou seu voto: desemprego, segurança e corrupção, respectivamente.

E quando falamos em oposição, há até aqui três frentes: uma mais tímida que se insinua de forma muito incipiente comandada pelo PSDB, mas que por agora se volta mais para os debates internos sobre o futuro da sigla e quem a liderará até o ciclo de 2022 (tudo indica que o atual governador de São Paulo, João Doria Jr., mas Alckmin não é carta fora do baralho.) Há também a oposição orientada pelo Partido dos Trabalhadores e que até aqui tem sido inócua e se caracteriza por pregar para convertidos ao continuar com a surrada bandeira sem qualquer lastro popular da defesa da liberdade do ex-presidente Lula, que está encarcerado em Curitiba, como político preso que é; e por fim há uma outra oposição que tem sido feita longe das caricaturas e tem buscado se contrapor a tudo que Bolsonaro representa, mas de maneira propositiva e republicana, e nesta se destacam os ex-candidatos à Presidência Ciro Gomes e Marina Silva.

Falemos pois de Ciro Gomes: antes de analisarmos suas ações, é importante ressaltar o quão difícil é a missão do ex-ministro em tentar criar uma alternativa aos dois polos destrutivos que hoje orientam o debate público brasileiro, o petismo e o bolsonarismo – e a partir da combinação de ambos, que se retroalimentam, temos a força política mais poderosa do Brasil hoje, que é o antipetismo, a expressão mais forte da antipolítica. Uma vez a polarização estabelecida, é muito difícil traçar um caminho independente e fugir do campo minado e das armadilhas que sempre acabam reforçando a polarização ao invés de enfraquecê-la.

E é justamente nesse ponto que estão os maiores acertos e erros de Ciro Gomes. Quando o cearense se afastou do discurso eleitoral irresponsável do PT, que tentou fazer da oposição ao governo Bolsonaro um terceiro turno (e, reparem, também é o que o governo Bolsonaro propõe fazer ao não buscar repactuar o País e manter a narrativa eleitoral belicosa) justificado na premissa terrorista de que a eleição do capitão reformado do Exército representava um risco de se instaurar uma ditadura, e reafirmou uma postura serena e republicana, Ciro acertou. No ato em si ele acabou enfraquecendo a polarização estabelecida. Aliás, ressalte-se: não é por outro motivo que posições ponderadas são atacadas com exasperação por parte de petistas e bolsonaristas. É pelo simples fato de que elas, acusadas de isentonas, desestimulam o enveredamento do debate público a esses dois polos.

Outro grande acerto de Gomes aí tem sido o direcionamento da oposição a partir de temas centrais que afligem o povo brasileiro, saindo do campo dos costumes, do identitarismo, que é em si o mais nitroglicerínico e polarizado, e que é constantemente usado como cortina de fumaça pelo governo. Ao buscar debater as questões do desemprego, da saúde, da educação, da segurança pública, da retomada do crescimento e da inflação, Ciro qualifica o debate e põe Bolsonaro em um campo de jogo em que o mesmo é completamente inapto. Nesse sentido é o Observatório Trabalhista, projeto que tem analisado com dados os principais índices da economia e do governo Bolsonaro, um verdadeiro gol de placa.

Contudo, o ex-candidato à presidência tem cometido alguns equívocos e que a meu ver poderiam ser evitados. Um deles é constantemente se ver envolvido em picuinhas que nada acrescentam e que animam a polarização ao atingir elementos secundários por questões que não são propositivas. Dois exemplos disso foram quando Ciro criticou de forma iracunda Leonardo Boff (seja a crítica em si correta ou não, mas completamente desnecessária ser expressa publicamente) e quando ainda na campanha, mas voltou a cometer o mesmo erro depois, chamou o vereador da cidade de São Paulo Fernando Holiday, do DEM e do MBL, de “capitão do mato”, uma dessas infelizes expressões do identitarismo que tenta coagir por meio do preconceito velado pessoas que eles dizem defender para que estas abracem suas agendas e discursos. Ao fazer isso, Ciro Gomes redirecionou o debate e projetou sua figura para reforçar a arenga mais interditada pela polarização, que é justamente o que não se necessita agora.

E por fim, eu creio que seria possível o Ciro e o PDT se diferenciarem um pouco dessa oposição pela oposição que marca o petismo na questão da reforma da Previdência e em qualquer reforma necessária que essa ala esquerdista trata com muito pouca seriedade. Ainda que o tema seja impopular e que o custo político deva ser contabilizado, vejo na reforma proposta pelo governo alguns pontos positivos (como a cobrança de maior alíquota quão mais elevados forem os vencimentos, um fator de progressividade importante num sistema que é marcado por profundas distorções) e que não são devidamente ressaltados. Uma oposição propositiva e sábia também tem de reconhecer quando o governo acerta. E é justamente esta postura que garantirá concretamente, e não só na goela, que a oposição será àquilo que há de ruim no governo e não ao que é de interesse do País e do seu povo.

  1. Quanto ao envolvimento em “picuinhas desnecessárias” e expressões de “identitarismo de coação” o articulista acerta em cheio como pontos a serem retificados pelo candidato pedetista. Quanto à reforma da previdência o articulista erra feio. Não porque a proposta da previdência não seja importante. Ele é! O PDT foi um dos poucos partidos que colocou a questão em discussão. O deputado Mauro Benevides, foi convidado a expor sua proposta ao atual governo com total anuência de Ciro Gomes, e diga-se de passagem com pesada crítica da esquerda. No entanto, não era o que o governo atual realmente desejava ouvir. O problema da questão é que o governo Bolsonaro quer quebrar a diretriz constitucional, ele quer garantir a emenda antes de avaliar o mérito das questões de aposentadoria, por isso, o PDT voltou atrás. Há muita malandragem na proposta do governo Bolsonaro.

  2. Gostei muito do texto, mas discordo do último parágrafo. Tenho estudado o sistema previdenciário brasileiro há seis anos, incluindo as reformas de 1998, 2003 e 2015, além das propostas de reforma de Temer (2017) e Bolsonaro (2019). As alíquotas progressivas, que já são usadas no sistema previdenciário há muito tempo, são bem-vindas! Mas a reforma de Bolsonaro vai muito além disso e possui diversos pontos ruins, desnecessários e intragáveis. Ainda vou escrever um artigo destacando-os.

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