Coalizões de Areia: Collor Caiu, Ele Cairá?

Em 1992, o bafo das ruas derrubou a coalizão de areia de Collor. A coalizão de Bolsonaro é feita do mesmo material, mas ainda (ainda!) não há rua nem bafo. Há apenas um cinturão de 30% de brasileiros entrincheirados, de tocaia, muito bem orientados. Enquanto isso, é cedo para os parlamentares tomarem decisões políticas mais pragmáticas- como, por exemplo, cavar um buraco, esticar a perna, desequilibrar um presidente que transfere impopularidade e atirá-lo na vala- para terem aumentadas suas chances de reeleição.
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Neste texto cravei como se dará a queda de Bolsonaro. Não disse quando, nem por quê. E não é “wishfull thinking da bolha da esquerda”. É uma obviedade ululante. Se o presidente não renunciar, pirar ou morrer, só pode cair se o Poder Legislativo cavar um buraco, esticar a perna e, fazendo-o tropeçar, dar aquela empurradinha. Claro que isso não acontecerá com um presidente popular, tampouco com uma economia suspirante. Mas se existe algo em comum a todo (todo!) parlamentar é o pragmatismo eleitoral. É de pedra a lei que diz que o principal objetivo do parlamentar é reproduzir-se politicamente, isto é, se reeleger: e gato escaldado tem medo de água fria.

Então se é o Legislativo que assina o divórcio, é preciso meter a colher nesse casamento. Primeiramente, temos a coalescência. Coalescência é a proporcionalidade entre a força dos partidos no Congresso e a respectiva ocupação de ministérios. É unânime entre os cientistas políticos, aqueles profissionais que quanto mais erram mais são requisitados, que a “agenda política do Poder Executivo é constituída por um acordo que passa pela distribuição de pastas ministeriais entre os diferentes partidos” (LIMONGI, FIGUEIREDO, 2009, p. 88). Para se ter uma ideia, a coalizão do primeiro governo de FHC contemplou 75% da Câmara dos Deputados, com 381 parlamentares, com um alto nível de coalescência. Já coalizão do primeiro ano do governo Lula, formada por 8 partidos de diferentes ideologias, “correspondeu a um máximo de 318 cadeiras na Câmara” (PEREIRA, POWER, RENNÓ, 2009, p. 222). Embora com pouca coalescência, já que o PT controlava 60% dos ministérios, mas só tinha 29% das cadeiras. Após o tranco do mensalão, contudo, essa relação se alterou imediatamente.

Pulando os governos de Dilma e Temer, que não fugiram, como Collor, da regra de distribuição de ministérios, chegamos ao presidente eleito com o objetivo de acabar com “a política do toma-lá-dá-cá”. Bolsonaro tem apenas 7 ministros políticos. 3 do DEM, 2 do PSL, 1 do MDB e 1 do Novo. Não se sabe exatamente quantos cargos de segundo e terceiro escalão Bolsonaro ofertou aos partidos para que obtivesse maioria legislativa. Sabe-se que para a aprovação do 02 como embaixador nos EUA, foram “doadas” 4 cadeiras no Conselho do Cade. É uma questão de prioridades. O que podemos dizer é que, somadas as bancadas que ocupam ministérios, mesmo contabilizando a enorme bancada do partido Novo, que procura tirar a camisa laranja de Salles, o ministro das cinzas, chegamos ao número de 123 deputados. Sendo incontestável a inoperância das tais “Frentes Parlamentares” para lidar com assuntos diversos de seus interesses, chegamos à conclusão de que se o governo ainda existe é porque ainda tem apoio popular e “sua” agenda econômica foi “hackeada” pela direita hegemonizada no Congresso.

Já a Mesa Diretora da Câmara, responsável pela condução dos trabalhos legislativos da casa, é presidida por Rodrigo Maia do DEM e é precisamente neste cargo que ele tem o poder de aceitar denúncias contra o presidente da República. Sabemos que votada a pauta da banca, verdadeira primeira ministra do Brasil, os laços meramente institucionais que atam Maia a Bolsonaro tendem a se fragilizar ainda mais. Além disso, deve-se destacar que embora o PSL presida a Comissão de Constituição e Justiça, a mais importante da casa, o presidente não tem qualquer controle sobre a Comissão Mista de Orçamento, que é peça chave nas negociações políticas entre os parceiros na coalizão. Ela é presidida pelo MDB e tem o PDT na 1º vice-presidência, são estes que escolhem os relatores das leis orçamentárias, que podem seguir o governo, ou não. Ainda cabe mencionar o advento das emendas impositivas individuais e de bancada, que diminuem o poder de barganha do presidente.

Outra medida interessante para avaliarmos a saúde do casamento entre Bolsonaro e o Congresso é a taxa de sucesso legislativo do presidente, ou seja, o percentual de propostas iniciadas pelo Executivo que é chancelado pelo Legislativo. Segundo Saiegh, em um sistema presidencialista e multipartidário, um presidente pode ser considerado um legislador bem sucedido se tiver aprovadas mais de 70% de suas propostas. Em 8 meses de governo, é possível dizer que Bolsonaro sofreu derrotas, mas também conquistou vitórias. Porém medir sua taxa de sucesso legislativo em plena Lua de Mel tende a enviesar a análise. Após completar 1 ano, será interessante medir e comparar essas taxas para se discutir a relação do casamento.

O número efetivo de partidos nessa legislatura, uma aberração mundial, também é mais um complicador para um presidente que tem um partido (rachado) que detém apenas 10% das cadeiras do Congresso, mesmo percentual que o partido ocupa em ministérios (2 de 22). Aliás, retomando a questão da coalescência, é de se ressaltar que apenas 30% dos ministérios são comandados por políticos e estes representam apenas 23% das cadeiras na Câmara. Por onde se olha, portanto, é possível antever as dificuldades dessa relação. É um presidente que não compartilha poder. O último presidente que preferiu construir coalizões ad hoc e que buscava “contato e diálogo direto com os eleitores” para conquistar a maioria foi Collor, que ainda detinha maior coalescência e maior coalizão (3 partidos somando 245 cadeiras) que o governo atual.

Em 1992, o bafo das ruas derrubou a coalizão de areia de Collor. A coalizão de Bolsonaro é feita do mesmo material, mas ainda (ainda!) não há rua nem bafo. Há apenas um cinturão de 30% de brasileiros entrincheirados, de tocaia, muito bem orientados. Enquanto isso, é cedo para os parlamentares tomarem decisões políticas mais pragmáticas- como, por exemplo, cavar um buraco, esticar a perna, desequilibrar um presidente que transfere impopularidade e atirá-lo na vala- para terem aumentadas suas chances de reeleição.