Entre Domingos Jorge Velho e João Figueiredo: a luta entre os conservadorismos no governo Bolsonaro

Entre Domingos Jorge Velho e João Figueiredo a luta entre os conservadorismos no governo Bolsonaro
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1. A trégua ou transição do modelo fascista/reacionário de governo para o de um regime militar aguado, proposto pelos generais e pelo centrão nos últimos dias para a sua sobrevivência (“conservadorismo estatista”), não será aceito sem resistência do bolsolavismo e do gabinete do ódio, que forma a sua ala radical (“conservadorismo culturalista”).

2. As duas alas são em tese perfeitamente compatíveis, e sempre o estiveram em regimes conservadores na história brasileira, como o “saquaremismo” do começo do reinado de dom Pedro II, o Estado Novo e o Regime Militar. Mas a acomodação sempre supôs a subordinação do “culturalismo” ao “estatismo”. Tristao de Ataíde não prevaleceu sobre Oliveira Vianna, nem Gustavo Corção sobre Golbery…

3. Mas nunca houve, como hoje, um “culturalismo” tão reacionário e virulento, a ponto de ser revolucionário. Ele tem dado o tom central do Bolsonarismo, com sua utopia regressiva de volta ao século 17, pleiteando essa liberdade “colonial” ou “bandeirante” marcada pela ausência de limites sociais, pelo direito de mentir, de matar, de oprimir minorias, de depredar a natureza, de negar conquistas do Iluminismo e até do humanismo renascentista. Bolsonaro é simbolicamente um o Domingos Jorge Velho no poder, ou seja, o sertanista bandeirante cujas milícias foram contratadas pelos senhores de engenho para arrasar Palmares. Com a diferença de que, na modernidade, eles se apresentam com tintas integralistas, e por isso parecem fascistas.

4. Esse conservadorismo culturalista para quem a “liberdade americana” é o direito que o patriarca branco, hétero, tem de fazer o que bem entender contra as minorias e contra a regulação do Estado, choca-se com o conservadorismo estatista que exige a ordenação do caos socioeconômico pela agência racionalizadora de um Estado forte. O marquês do Pombal vem exatamente para acabar com o primado dos Domingos Jorge Velhos, criar uma nacionalidade ordenada em meio a uma sociedade percebida como anárquica torno do eixo do Estado. É um discurso que permeia o que vem sendo veiculado pelo comandante Pujol e pelo vice Mourão.

5. A pacificação do governo, para os conservadores estatistas, passa por sua normalizacao, subordinando o espírito bandeirante/integralista (culturalista) à tradição imperial/estadonovista (estatista). Isso impõe transformar Bolsonaro numa espécie de Figueiredo, em um governo de retórica autoritária, mas desmobilizada em termos de população, ou despolitizado, em nome da “união nacional”.

6. Mas o “coração” do Bolsonarismo, porém, é o radicalismo culturalista, orientado pelo ideal colonial bandeirante de liberdade como predação e destruição, baseado na mobilização e na polarização permanente. O pessoal ligado ao Olavo sabe que a tradição no Brasil tem sido essa, de subordinação do culturalismo ao estatismo, e por isso não está disposta a entregar a rapadura tão facilmente dessa vez. Então nenhuma acomodação será possível, nos termos no passado.

Concluindo, a chance de que a corda acabe rompendo não é nada desprezível. E isso pode pesar em um eventual futuro abandono de Bolsonaro pelos militares, como um fardo demasiado grande para carregar. Afinal, o vice é e general Mourão. Por isso, os culturalistas elevam sempre os custos de ruptura, e atacam os generais com o populismo de que não dispunham nas outras ocasiões.

Por Christian Edward Cyril Lynch

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