Ó corrupção! Quantos crimes se cometem em seu nome!

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O princípio da legalidade é o maior legado do liberalismo clássico à democracia moderna. A lei como meio e estrito limite da ação estatal posiciona o indivíduo como sujeito de direitos. É por isso que os partidários de regimes fascistas que irromperam no século XX  sustentaram “entes” e “ídolos” que transcendem o indivíduo, dando superpoderes ao Estado. Tomemos como exemplo, o “Estado” na Alemanha nazista e o “Partido” na União Soviética de Stálin, eram todas entidades que estavam acima dos indivíduos e que, portanto, prevaleciam sobre os direitos individuais. As ideologias antiliberais que estão presentes nos extremismos de “direita” e “esquerda” destroem os direitos humanos e do cidadão.

Dito isso, nenhuma tirania se instalou no mundo sem utilizar como argumento para legitimar-se a moralidade.

Aquilo que se convencionou chamar de “Lava Jato” não é uma pessoa jurídica, ou uma instituição, mas um grupo de procuradores da República e magistrados federais que se apresentam como uma “instância moral” da sociedade para legitimar suas ações fora dos estritos limites que a legalidade impõe, a partir do argumento moral do “combate a corrupção”. Membros de instituições, órgãos e poderes do Estado que deveriam pautar suas ações pela separação de poderes, constitucionalidade, legalidade, independência e impessoalidade  através do ente Lava Jato passaram a tratar o tema corrupção, não a partir de sua definição legal, mas a partir da perspectiva moralista e retórica messiânica, dessa forma, blindando-se de qualquer controle institucional democrático sobre suas
ações.

O ente Lava Jato aliado a massiva propaganda midiática investiu na intensa instrumentalização da opinião pública à serviço dos desígnios personalistas de setores do Judiciário e Ministério Público Federal. A comunicação pessoal e direta de juízes e promotores investidos em cargos públicos com a sociedade, sem qualquer mediação formal/legal, objetiva eliminar a dualidade Estado e sociedade, essencial à todo movimento totalitário, onde já falei aqui.

O alarido público mobilizado pelo “pânico moral” lavajateiro, a partir do apelo ao irracionalismo do “homem de massa” e “a superioridade do instinto e da vontade” é ferramenta para a naturalização do desprezo pela legalidade. A filósofa Hannah Arendt adverte para o que ela denominou de “homem de massa”, indivíduo caracterizado pela frouxidão de convicções e socialmente desenraizado que encontra apoio, coerência e sentido na ideologia totalitária.

Esse desprezo pela legalidade pode ser traduzido na frase atribuída à Maquiavel – embora ele nunca tenha escrito nesses termos – “os fins justificam os meios”. Em um Estado Democrático a prescrição legal é o meio através do qual se realiza a atividade finalística estatal. Portanto, o meio legal é condição prévia de legitimidade da atuação dos agentes públicos. Os meios extralegais servem à fins autoritários, golpistas e ditatoriais daqueles que reivindicam para si o estar acima da lei. E novamente, nenhuma tirania no mundo se instalou sem utilizar-se fundamentalmente da violação ao princípio da legalidade – pressuposto do liberalismo político.

Para fins desse texto, a Lava Jato foi alimentada desde o início pelo protagonismo do juiz de primeira instância, Sérgio Moro, atualmente Ministro da Justiça e Segurança Pública, que sempre buscou legitimação na opinião pública e não pelo respeito a legalidade, já escrevi sobre isso aqui.

O leitor deve ter conhecimento dos vazamentos de conversas trocadas entre o ex-juiz Sérgio Moro e o procurador federal Deltan Dallagnol que evidenciaram irremedíavel conjunto de práticas ilegais no exercício de suas funções. Segundo as divulgações do site The Intercept, o juiz apresenta ao acusador testemunha que deve depor contra o réu e combina a simulação de uma denúncia anônima para mascarar a fonte; o juiz orienta rapidez em novas operações policiais, pois a lentidão poderia desmobilizar a opinião pública; o juiz sugere a publicação de uma nota na imprensa sobre interrogatório do réu para sobressair-se ao que ele pejorativamente chamou de “showzinho da defesa”; o juiz sugere novas denúncias ao órgão acusador; o juiz demanda a troca de procuradora que não cumpriu, segundo ele, seu papel em audiência; o juiz juntamente com o acusador analisam os reflexos políticos de suas declarações e manifestações. E por aí segue…

Em um Estado Democrático de Direito somente a parcialidade da jurisdição que é proibida por lei e o ilícito conluio inquisitorial do juiz com o órgão acusador, já seria o suficiente para ter como consequência jurídica a nulidade de todos os processos sob a jurisdição do ex-juiz Sérgio Moro e a abertura de investigação do referido juiz e procuradores e como consequência política o repúdio público e a exoneração de Sérgio Moro do seu cargo de ministro.

Contudo, a resposta jurídica e política às práticas ilegais do ex-juiz e procuradores integrantes da força tarefa lava jato foi a completa naturalização pelo profundo autoritarismo e indigência democrática da sociedade brasileira que não sabe o significado -nem mesmo- do seu direito ao devido processo legal.

Em recente audiência no Senado, o ministro da justiça, Sérgio Moro, justificou/legitimou seus crimes através do discurso (representação simbólica) moral do “combate a corrupção” e avocou para si o privilégio da tirania que é estar acima da lei. O ministro ainda classificou como “absolutamente normal” -a inadmissível e deplorável- fusão de papéis processuais, rigidamente separados e delineados no sistema
acusatório constitucional. Sérgio Moro, ao fazer isso, normaliza as práticas ilícitas e inquisitoriais de juízes e procuradores país afora.

É dessa forma que as tiranias se instalam. Não instantaneamente. Gradualmente. Quando aceitamos como naturais a violação de prerrogativas e direitos da cidadania. A banalização. Eis a “fórmula”. Da tirania. Do estado policial total.