Sobre a crítica de Nildo Ouriques ao livro do Ciro

GUSTAVO CASTAÑON Sobre a crítica de Nildo Ouriques ao livro do Ciro 2
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Já vi algumas análises de Nildo Ouriques e o acho um intelectual interessante, que tem pontos de vista que merecem consideração. Desnecessário, no entanto, deveria ser eu ter que dizer que não compartilho em grande parte sua visão de mundo ou de economia, não sou um marxista.

Ele fez uma crítica ao livro do Ciro e isso é um reconhecimento dele da importância de Ciro e de suas ideias no debate nacional. Toda critica decente é uma forma de deferência, coisa que quem não é da academia tem dificuldade de entender.

Dito isso, é necessário responder os equívocos de suas críticas dividindo-as em, contei, dez linhas diferentes e dois grupos básicos: as naturais e as equivocadas.

Espero que ele encare a resposta como uma deferência da minha parte também.

Entre as críticas que eu classifico como naturais, por serem derivadas das diferenças de visão de mundo entre os dois, estão quatro:

1) “Ciro acredita em um conserto do país dentro da ordem democrática, e ele quer tornar o PDT um partido da ordem.”

O PDT sempre foi um partido legalista que busca a libertação do país e seu povo por dentro da ordem constitucional, o que não quer dizer que não deseja a mudança de pontos da Constituição. Nildo acredita em revolução, nós não. Brizola pegou em armas somente para proteger a constituição contra golpes e governo ilegítimo, jamais para derrubar a ordem constitucional. Assim como o PTB era signatário da Constituição de 46 o PDT foi signatário da Constituição de 88 e a defende.

2) “Ciro aposta no agronegócio”

Pode apostar. O agronegócio é perna fundamental do desenvolvimento brasileiro, ao menos Nildo reconhece que Ciro também trata da agricultura familiar como atividade econômica vital para o Brasil.

3) “Ciro escreve como fala”, “Esperava uma discussão teórica mais profunda”, “A abordagem do imperialismo está superficial”

Todas essas críticas têm a mesma natureza, a falta de compreensão de Nildo da distinção entre o papel do acadêmico e o do líder político. Essa incompreensão aparece na característica frase de que “o político não pode se importar com a quantidade de likes ou de audiência”. Acho que não vou sequer comentar isso. O livro não tem pretensão acadêmica, mas política, é um livro voltado à explicar de forma simples a concretude de conceitos como imperialismo, soberania, poupança interna, rentismo, spread e assim por diante. Não entender isso, francamente, é um pouco chocante, mas revelador do elitismo da esquerda tradicional.

4) “Ciro defende a esparrela do pequeno empreendedor”

Pode apostar. Ciro defende o empreendedorismo como UM DOS elementos fundamentais da dinâmica produtiva de um país e aposta na força das novas ideias e dos jovens, quer criar um ambiente de investimento amigável a eles. E certamente Ciro quer ser a voz desses pequenos empreendedores, mas isso é muito diferente de cair na esparrela da uberização da economia criticada por ele. Mas enfim, não somos marxistas, Nildo é. É uma discordância natural. É por isso que ele acha que Ciro não aborda a questão das classes sociais, porque não vê as categorias marxistas organizando a visão dele. Mas quando aponta a base social que poderia dar sustentação ao projeto nacional de desenvolvimento proposto, é de classes sociais que ele está falando.

Agora vamos para os equívocos propriamente ditos, e eles são muitos, e alguns feios e verdadeiramente surpreendentes.

5) “Ciro não apresenta uma crítica do Plano Real”

Eu tive que recorrer a meu exemplar do livro para conferir o que Nildo afirmou, que contraditava minha memória. Ali achei sete páginas só de avaliação crítica do Plano Real, e como ele se desvirtuou do projeto original inclusive criando o “novo rentismo” brasileiro, o que Nildo também defende. Afirmar que o Plano Real já estava condenado a ser a farra rentista que foi com FHC é um absurdo, e é ignorar toda a luta que se deu no governo Itamar e FHC por sua condução, cujo desfecho levou ao rompimento de Ciro com o PSDB. As condições do choque de juros e oferta que Ciro deu estão explicadas no livro, assim como o rompimento com FHC exatamente pela perpetuação da política emergencial. Nildo se agarra em uma expressão claramente retórica de “100% da capacidade instalada” para dizer que ela estava em 85%. O problema é que no mesmo parágrafo fica claro que Ciro estava se referindo só a setores de produtos, os mesmos para os quais ele baixou alíquotas de importação de forma emergencial. Totalmente sem sentido a crítica, portanto.

6) “Ciro não tem um tratamento crítico sobre o petismo”

Bem, e depois dizem que é o Ciro que odeia o PT… O livro tem cerca de 15 páginas dedicadas exclusivamente à crítica à experiência petista, fora as muitas outras espalhadas por pontos específicos do livro. Mas Ciro escreveu um livro voltado para o futuro, e não para o passado. Certamente ele tem muito mais a falar sobre o desastre petista, mas não creio que ele tenha errado em não querer centrar o livro nisso.

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7) “Ciro não apresenta novo modelo”

É uma crítica bastante surreal. As bases do novo modelo estão lá: políticas de aumento da poupança interna (através de reforma previdenciária, exclusão do gasto de investimento do cálculo do déficit, mudança do perfil da tributação para o consumo), câmbio ajustado à política industrial, articulação e planejamento do Estado com a iniciativa privada, aumento radical das taxas de investimento público, reforma tributária progressiva, juros menores do que a rentabilidade industrial e de serviços, escolha de setores com base econômica sólida como ponto de partida para o desenvolvimento de complexos industriais, política de investimento maciço em pesquisa e tecnologia integrado às universidades públicas, educação pública de ponta, enfim, se isso é o tripé macroeconômico, eu não sei mais o que argumentar… Nildo quer revolução comunista, nós não.

8) “Mangabeira é um intelectual medíocre, acadêmico de 5a categoria, fica clara a influência dele sobre Ciro”

É o tipo da afirmação que merece risos, mas enfim, embora tenha sido desrespeitosa e sem fundamentação, vou aqui simplesmente manifestar minha profunda perplexidade com ela. Afinal Nildo está falando do criador de uma vasta e respeitada obra, interlocutor de pensadores como Jurgen Habermas e Perry Anderson, um pensador que quando eu nasci já era professor titular em Harvard, que nos anos 80 foi eleito membro vitalício da Academia Americana de Artes e Ciências, enfim, porque seria necessário eu responder isso do filósofo brasileiro mais citado do mundo? Bem, Nildo acha Harvard uma merda, critérios quantitativos de influência outra merda, enfim… Avaliem.

9) “O livro de Ciro representa uma ruptura com o trabalhismo”

Essa aí provavelmente foi alguma bobagem soprada por algum elemento ressentido que está se sentindo desprestigiado no “mundo trabalhista”, porque Nildo não explica a afirmação absurda. No livro Ciro tenta mostrar como sua trajetória social-democrata se casa com as lutas históricas do trabalhismo brasileiro, com todo respeito e deferência à história do trabalhismo, ressaltando que descobriu neste a forma de realizar tais ideias de sociedade apontados como exemplo por causa das particularidades da América Latina. Nildo precisaria apresentar algum argumento para sustentar esse disparate, um qualquer, um ponto onde a posição de Ciro representa uma ruptura com a tradição trabalhista, mas não faz isso. Porque não existe. No entanto, se ele conseguir apresentar alguma “ruptura” em algum ponto precisa primeiro lembrar duas diferenças básicas.

Primeiro, Ciro não quer estudar história, ele quer fazer história. Seu compromisso não é com a ortodoxia, que sequer existe no trabalhismo, ou com a fidelidade ao que pensaram homens que viveram e escreveram há setenta anos. O trabalhismo é uma corrente viva, e como tal muda com o tempo acompanhando a mudança da sociedade. A dependência de hoje não é a dos anos 1960 e Ciro oferece uma resposta para nossos tempos, e não para um concurso de melhor historiador ou maior ortodoxo trabalhista. Mais uma vez: não somos marxistas.

Segundo, que o próprio Mangabeira, que Nildo trata de forma vergonhosa – para ele, é claro, e não para Mangabeira -, é ele mesmo parte dessa tradição trabalhista, antigo quadro do PDT, amigo e aliado de Brizola.

10) “Ciro flerta com o Papa Francisco e a Igreja Católica”

Não sabia que isso era um problema, mas simplesmente não existe. O que existe é uma citação de Ciro no prefácio que escreveu sobre a pandemia do evento da missa do Papa numa Praça de São Pedro vazia e uma referência à importância da doutrina social da Igreja nos primórdios da estruturação do Trabalhismo brasileiro nos anos 40. Talvez Nildo tenha se mordido com a crítica que Ciro faz ao ataque da esquerda tradicional à religião e religiosidade, mas enfim…

Isso era basicamente o que eu tinha a dizer sobre a crítica de Nildo, que não reconhece o que pode representar para o povo brasileiro o fato de um político com chances reais de chegar a presidência escrever um livro, se comprometer com um projeto, falar em imperialismo, soberania, política industrial, fim do rentismo, tributação progressiva, auditoria da dívida. Acho que essa ousadia merecia algum reconhecimento e consideração positiva da parte do Nildo, que, na época em que Mangabeira deu a declaração que reproduzimos abaixo, ainda estava filiado ao PT esperando a revolução do Lula.

***

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  1. Gostei muito de sua análise.
    O livro certamente não pretendia ser um compêndio acadêmico porém mais um instrumento para tornar suas ideias sobre o Brasil conhecidas e trazer novas sinergias a sua candidatura.

  2. Ué, se o Castañon concorda com a maioria das afirmativas colocadas pelo Nildo, então ele está correto em sua crítica, não? O livro de Ciro representa a velha lamúria novo-desenvolvimentista que tem como dogma de fé a crença de que, para solucionar os problemas brasileiros, bastam força de vontade, ajustes finos e uma classe compromissada. Esquece Ciro de dizer, dentre muitas lacunas ali, de onde ele vai tirar essa classe. Enfim, o livro é um festival de idealismos tirados da cartola que, em alguns anos estará fazendo bom uso como peso de porta em velhos sebos, como os outros livros do autor.

    1. Se daqui uns anos o livro será peso de porta, não sei. Mas imediatamente, esse cérebro que ocupa tua cabeça já pode ser usado para o msm efeito.

  3. Professor Nildo deve voltar à análise crítica. Pode ter sido precipitado. Mas acaba promovendo o livro e despertando a vontade de outros lerem e analisarem.

  4. Estou impressionado com o comentário sobre o Mangabeira. Gênio você identifica só de ouvir. Nunca senti isso ouvindo o Nildo… Talvez a especialidade dele seja a escrita. Pra considerar o Mangabeira 5ta categoria ele deve ser uma mistura de Messi e Marta da filosofia.

  5. Gostei de sua análise e realmente achei a crítica de Nildo equivocada e muito rasa. Ciro nos oferece um ponto de partida num pais sem Projeto de Desenvolvimento, e não um fim, tampouco um manifesto esquerdista como este assim queria.

  6. Bom dia, gostaria de saber mais sobre Castanon. Quem é, o que faz?? Gosto de avaliar opiniões sabendo de quem são realmente e, se positivas ou negativas, se representam a parte interessada.

    1. Gustavo é professor universitário. Acredito que sua especialidade seja psicologia e filosofia da ciência. Você encontra informações mais detalhadas e confiáveis sobre seu trabalho no Google.

  7. Crítica rasa, grosseira e passional. Infelizmente Nildo se porta como um Olavo da esquerda. O pior é esse engajamento partidário e esse arraigamento ao marxismo ortodoxo, já que o próprio marxismo tem vertentes melhores…

  8. Ué, se o Castañon concorda com a maioria das afirmativas colocadas pelo Nildo, então ele está correto em sua crítica, não? O livro de Ciro representa a velha lamúria novo-desenvolvimentista que tem como dogma de fé a crença de que, para solucionar os problemas brasileiros, bastam força de vontade, ajustes finos e uma classe compromissada. Esquece Ciro de dizer, dentre muitas lacunas ali, de onde ele vai tirar essa classe. Enfim, o livro é um festival de idealismos tirados da cartola que, em alguns anos estará fazendo bom uso como peso de porta em velhos sebos, como os outros livros do autor.

  9. O interessante é fazer a crítica da obra em si, si é boa e preenche as lacunas para uma boa reflexão para a nossa realidade, ou não. Se consegue apontar caminhos, principalmente para a imensa maiores de trabalhadores precarizados e como incluí-los. E se isso é possível dentro do capitalismo dependente e rentista a que estamos submetidos. fico impressionado como as pessoas se agredem ao invés de se deter à crítica.

  10. Quero saber porquê esses intelectuais sem nem uma experiência como gestor público faz críticas que evidência ressentimentos e rancores ao invés de serem conceituais e cirúrgicos na crítica?

  11. Queridos, Por que não tem a fonte de onde foi assistida a crítica? Por que não citar Duplo Expresso? É nome proibido?
    A crítica da crítica aqui se resume à dizer que Nildo não entendeu pq é marxista revolucionário… tá bom. O livro de Ciro então é pra Ciristas e ninguém mais? Só entende-o quem o segue?

  12. “ aumento da poupança interna (através de reforma previdenciária, exclusão do gasto de investimento do cálculo do déficit, mudança do perfil da tributação para o consumo), câmbio ajustado à política industrial, articulação e planejamento do Estado com a iniciativa privada, aumento radical das taxas de investimento público, reforma tributária progressiva, juros menores do que a rentabilidade industrial e de serviços, escolha de setores com base econômica sólida como ponto de partida para o desenvolvimento de complexos industriais, política de investimento maciço em pesquisa e tecnologia integrado às universidades públicas, educação pública de ponta….”

    Tudo em abstrato. Termos, palavras, idéias… e os números? Vai aumentar de quanto pra quanto? Vai baixar de quanto pra quanto?
    Esse uso das palavras é que nem dizer que tá quente, frio ou morno sem dizer precisamente a temperatura em que está.

  13. O Brasil continua ser um país dependente, como os outros paises periférico,os homens que pensaram o Brasil a 70 anos atrás continua válido como a teoria da dependência de rui Mauro Marini, que foi marginalizado pela academia pós anistia, mesmo pensamento de um século atrás continua válido. A crítica é de fundamental importância para poder avançar e aprimorar uma o pensamento.

  14. Sera que a teoria econômica de keyne não é válida porque foi escrita a mais de 50anos
    A teoria de Floyd não é válida na psicologia, psiquiatria

  15. Acho que a ênfase, aplicada com cpslock, deixaram evidente a frustração diante da realidade do articulista. O PND dos ciristas é um castelo de areia, importada de Harvard, além de evidenciar que a história do pensamento trabalhista foi escanteada no “livro” mostrando uma virada direitista no partido. Quando o articulista grita enfaticamente, pedindo que apontasse a base dessa crítica, ele olimpicamente esquece as 200 citações que o nildo fez durante o programa, como Theotonio, Vânia, Guerreiro Ramos, Darcy Ribeiro….. etc. FORAM TANTAS evidências da curva a direita na base do PDT que chegou a doer em brizolista antigo como eu. Espero ansiosamente a crítica, do Nildo, em artigo escrito, que espero seja divulgada aqui, para que essa constatação histórica fique melhor documentada! Triste fim do PDT

  16. As suas réplicas quanto às críticas do Nildo tb são mto rasas, e não tocam à fundo algumas críticas do Nildo ao livro. Sim, Nildo é um marxista e não teria como vc entendê-lo se tb não tiver uma consciência mais radicalizada, ou seja, se vc só se basear na base liberal que move o mundo e que Ciro quer fazer. Enfim, se continuar tendo sempre essa base que move o mundo hoje, que é a base liberalista do capitalismo, achar que “o mundo é assim mesmo” e querer consertá-lo à partir daqui sem ir mais fundo que é a nossa dependência e subdesenvolvimento, nunca passará de superficialidade em cima desse sistema em que vc mesmo disse que não quer extingui-lo. Ter um título de Harvard para aplicar aqui no nosso país dependente e sub do subdesenvolvido não quer dizer nada, se não fizer a ruptura necessária na periferia capitalista. Só com uma revolução comunista é que se pode ter uma luz no final do túnel. Não existe outra saída para as periferias capitalistas do mundo à não ser a revolução socialista.

  17. As suas réplicas quanto às críticas do Nildo tb são mto rasas, e não tocam à fundo algumas críticas do Nildo ao livro. Sim, Nildo é um marxista e não teria como vc entendê-lo se tb não tiver uma consciência mais radicalizada, ou seja, se vc só se basear na base liberal que move o mundo e que Ciro quer fazer. Enfim, se continuar tendo sempre essa base que move o mundo hoje, que é a base liberalista do capitalismo, achar que “o mundo é assim mesmo” e querer consertá-lo à partir daqui sem ir mais fundo que é a nossa dependência e subdesenvolvimento, nunca passará de superficialidade em cima desse sistema em que vc mesmo disse que não quer extingui-lo. Ter um título de Harvard para aplicar aqui no nosso país dependente e sub do subdesenvolvido não quer dizer nada, se não fizer a ruptura necessária na periferia capitalista. Só com uma revolução comunista é que se pode ter uma luz no final do túnel. Não existe outra saída para as periferias capitalistas do mundo à não ser a revolução socialista.

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