O Datafolha não deveria surpreender

GILBERTO MARINGONI O Datafolha não deveria surpreender
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Impossível saber o alcance do jejum nacional convocado por Jair Boslonaro e por diversos chefes de quadrilhas fundamentalistas para este Domingo de Ramos. As TVs ligadas a tais facções pouco noticiaram o evento, nas vezes em que sacrifiquei minha sanidade mental para prescrutar o esgoto da Record e da Rede TV. O site R7 tampouco dá muito destaque. Posso estar enganado, mas minha percepção até agora é esta.

Bolsonaro, certamente alegará que a iniciativa foi coberta de êxito. Com os fiéis refugiados em casa, difícil saber quem decidiu passar fome de moto próprio. Cerca de 200 doidos – segundo o UOL – saíram às ruas, em São Paulo, para atacar João Dória e reivindicar a reabertura do comércio, das igrejas e das escolas. Diferentemente dos novos ricos das carreatas, os baderneiros de agora foram à Paulista a pé, exercitar a musculatura já flácida por três semanas de refúgio forçado.

BOLSONARO TEVE uma grande notícia neste domingo. Trata-se do Datafolha, mostrando que 59% dos entrevistados não querem sua saída. Não sei o grau de exatidão de uma sondagem telefônica, mas ela deve expressar o que vai pela vontade popular.

Os que se espantam com a resiliência – adoro detestar essa palavra – do Boçal no gosto da massa, precisam levar em conta que ele é fascista, assassino potencial, estúpido e tudo o mais. Mas não é burro. Bolsonaro não brinca com seu eleitorado e não comete estelionato eleitoral. Entrega exatamente a mercadoria tóxica que promete há décadas.

É PRECISO ESTUDAR DETALHADAMENTE o que aconteceu no Brasil, a partir das decisões tomadas pelo governo federal eleito em 2014, para avaliar Bolsonaro. Tivemos ali um estelionato eleitoral quase canônico.

Naquela ocasião, como é público e notório, a chapa eleita prometeu mundos e fundos em campanha. Coisas como desenvolvimento, emprego, bem-estar, defesa dos direitos trabalhistas e vida melhor foram repetidas à la vontê em todas as mídias possíveis e imagináveis.

Mal fechadas as urnas, as palavra empenhada virou pó. Não apenas houve a concretização uma recessão planejada às escondidas com antecedência, como se materializou o que vários liberais – como Samuel Pessoa – advogavam havia pelo menos dois anos. O objetivo era elevar o desemprego para um patamar acima de dois dígitos, visando-se minar qualquer capacidade de resistência popular à retirada de direitos dali por diante. Ou seja, em 2015-16 limpou-se o terreno para a implantação da segunda onda neoliberal em nosso país, muito mais agressiva que a dos anos 1990.

O QUE SE SUCEDEU É CONHECIDO. A administração eleita desabou na aprovação popular em poucos meses, suscitando desencanto e raiva. Em palavras mais precisas, o novo governo deu uma banana para seu eleitorado e adotou o programa do adversário. Explicação alguma foi dada. O golpe foi dado quase sem resistência dos de baixo. Óbvio. A direita percebeu a deixa e atacou.

Bolsonaro, repita-se, é um fascista. Mas não rasga dinheiro. Continuará por bom tempo com legitimidade em cerca de um terço da população. Isso desarranja articulações que visam isolá-lo no palácio, convidá-lo a renunciar ou fazer prosperar a campanha pelo impeachment. Daí que o resultado do Datafolha deva ser estudado em perspectiva histórica. Não fazer isso significa entrar no pantanoso e falso terreno de que o povo seria burro. Não é. Teorizar tamanho disparate serve de autoengano confortável a quem não quer se lembrar do que fez em alguns verões passados.

A situação pode se reverter nas próximas semanas e erodir o colchão de legitimidade que o estúpido ainda apresenta, a depender da evolução das várias crises em andamento. A tarefa de apeá-lo do poder pode ser mais demorada e difícil do que aparenta.

Estamos no meio do caos. Mas é importante não ter ilusões com a realidade.

Por Gilberto Maringoni