De Adolfo Gordo a Sérgio Moro – do medo à vingança.

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A roda da história não para. Por mais que historiadores recusem a ideia de que a história é cíclica devido a impossibilidade dos acontecimentos se repetirem em contextos diferentes, o Brasil tem uma elite que fez pacto com o atraso. Por isso, ainda que os contextos mudem, as pessoas pensam iguais. A portaria de Moro nº 666, de repatriação deportação sumária de estrangeiros considerados perigosos, é prima terceira da Lei Adolfo Gordo.

Adolfo Gordo, assim como Sérgio Moro, foi um jurista que virou político. Seu contexto de protagonismo foram as três primeiras décadas do século XX. Nesse período, o Brasil iniciava um forte movimento industrial. Diversas fábricas e indústrias começaram a se estabelecer no país. Matarazzo e Cia, Cervejaria Brahma, Cia Industrial Pernambucana, Cia Industrial Santista, Votorantim, Fiat Lux (a mesma desses fósforos que você tem em casa) são algumas delas.

O acelerado ritmo industrial incentivou a chegada de imigrantes, especialmente europeus, que se misturaram aos brasileiros para compor a mão de obra dessas fábricas. As condições de trabalho eram degradantes, sem praticamente nenhum direito trabalhista ainda criado, os trabalhadores estavam sujeitos as vontades dos proprietários dessas empresas.

Todavia, diferentemente da massa operária brasileira que era composta basicamente de uma população que estava no transe da vida escrava/rural das lavouras e canaviais para a operária/urbana das fábricas, os imigrantes europeus vinham de um contexto de pico da Segunda Revolução Industrial e da experiência de mobilização dos operários em partidos políticos, organizações sindicais e movimento anarco-sindicalista. O pensamento grevista, as ideias de Rosa Luxemburgo e a consciência de luta por direitos trabalhistas no país nasceu da simbiose entre o novato operário brasileiro e o experiente imigrante europeu.

Como não poderia ser diferente no Brasil, rapidamente as elites econômicas se incomodaram com a politização do operariado brasileiro, que agora requeria direitos trabalhistas. Atribuíram esse processo a uma eventual contaminação ideológica feita pelos imigrantes europeus.

Assim, buscando conter o agravamento desse cenário, Adolfo Gordo lança a Portaria nº 1.641, que ficaria conhecida por Lei Adolfo Gordo. Por ela, o estrangeiro que comprometer a segurança ou a tranquilidade pública poderia ser expulso, tendo, após notificado, o prazo de 30 dias para sair. Apesar do esforço, era tarde demais, pois as raízes do trabalhismo já estavam instaladas no Brasil e explodiriam poucos anos depois com a ascensão de Vargas.

Mais de um século a frente, Sérgio Moro assina a Portaria de numeração sugestiva e que dá 48 horas para a pessoa perigosa sair do Brasil. Qualquer inocente, desde que seja honesto intelectualmente e bem-intencionado, consegue enxergar a obviedade que é o fato de a portaria ter um remetente direto, o jornalista Glenn Greenwald. Assim como todos também sabiam que a Lei Adolfo Gordo visava atingir os imigrantes grevistas.

Contudo, não é exagerado dizer que a distância entre a Portaria apelidada de Adolfo Gordo e a de Moro, que provavelmente ficará conhecida como a Portaria da Besta, é seu sentimento motivador implícito. Pois se a de Adolfo Gordo foi feita por medo, a de Sérgio Moro é feita de vingança. É a decretação da fúria de um juiz que nem liga mais de ser visto como justiceiro.