Ditadura, democracia e projeto nacional

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Os golpistas de 1964 foram catapultados ao poder para atenderem aos interesses dos Estados Unidos. Tratou-se da chamada “Operation Brother Sam”, articulada diretamente pelo embaixador dos EUA no Brasil, Lincoln Gordon com os presidentes John Kennedy e Lindon Johnson. O objetivo era forçar o alinhamento internacional do Brasil aos Estados Unidos e garantir a privatização das empresas nacionais, com entrega do petróleo e dos minérios.

O pretexto para o golpe era supostamente enfrentar o fantasma do comunismo, algo que não fazia sentido, pois Jango não se propunha a isto e os comunistas não tinham força para ameaçar o establishment. Veio a ditadura e com ela a “caça às bruxas”. Militares e civis que discordavam dos rumos do regime foram perseguidos, demitidos, presos, torturados, assassinados ou exilados. A pior fase da repressão ocorreu com o famigerado Ato Institucional n. 5, que instalou no Brasil um regime de terror.

Os partidos políticos foram proibidos e ficaram apenas dois: o MDB que dizia “sim” e o Arena que dizia “sim, senhor”. Os setores democráticos e populares foram colocados na clandestinidade e, desesperadamente, sequestravam embaixadores dos países que apoiavam a ditadura para exigirem em troca a libertação de presos políticos. Enquanto isso, o regime dava espaço a corruptos como Maluf, Sarney e ACM, que roubavam à vontade, sob a proteção da censura à imprensa.

Mas, poucos se preocupavam com essas coisas, pois a novela da Globo, o futebol tricampeão e a Pornô Chanchada distraíam a população. Ainda mais porque o governo conseguiu montar um teatro que chamaram de “milagre econômico”, fazendo todo mundo acreditar tudo estava bem. Sim, a economia crescia, mas à custa do endividamento externo com juros flutuantes e em dólar.

No entanto, eis que no meio de entreguistas, emergiu um presidente militar nacionalista, chamado Ernesto Geisel. A ditadura seguia, mas ele deixou um legado econômico respeitável: o Brasil concluiu a chamada 2a Revolução Industrial, construiu grandes obras com o objetivo de consolidar o sonho do “Brasil potência”. Apesar de reprimir internamente a esquerda, Geisel reconheceu a independência de Angola e Moçambique sob regimes socialistas e, ao mesmo tempo em que se distanciava dos Estados Unidos, aproximava-se do chamado “terceiro mundo”.

Com os choques do petróleo, a alta do dólar e dos juros norte-americanos, o “milagre” virou pó e a ditadura tinha que pagar a conta. Aí, decidiram fazer a “anistia ampla, geral e irrestrita”, que ironicamente significava que torturador e torturado seriam perdoados. Também teve a “abertura lenta, gradual e segura” com o general Figueiredo que dizia preferir cheiro de cavalo em vez de povo.

Mas o povo começava a fazer ouvir sua voz. As greves sindicais no ABC mostravam a fragilidade do “milagre”. O MDB tornara-se um polo de resistência e um a um, novos partidos saíam dele. Os perseguidos pelo regime voltavam do exílio. A união de todos os setores democráticos de esquerda, centro e direita culminou nos maiores protestos contra a ditadura: a campanha das “Diretas Já”, que unia Ulisses Guimarães, Montoro, Covas, FHC, Brizola, Lula, Arraes, Prestes e Amazonas.

Quando todos acreditavam que vinha um presidente civil da oposição, Tancredo morreu misteriosamente e o ex-Arena Sarney virou presidente. A ditadura acabava e veio assim a redemocratização, especialmente com a nova Constituição Cidadã, bastante democrática, mas rejeitada pelo sectário PT.

Desde então, os militares respeitaram a ordem democrática. Coube aos governos civis enfrentarem o legado perverso do regime que caiu: inflação, dívida externa, pobreza, fome e miséria em massa. Mas, por ironia do destino, foram os civis que destruíram o que de bom os militares deixaram: as empresas estatais, entregues ao capital estrangeiro por Collor e FHC.

Portanto, é preciso analisar aquele momento histórico em todas as suas dimensões. Comemorar um regime que caçou liberdades democráticas, torturou cidadãos, endividou o país, aumentou a concentração de renda e a pobreza e inflacionou a economia é errado. Mas também é um erro ignorar que foi a ditadura militar, colocada no poder para servir aos Estados Unidos, em certo momento entendeu a grandeza do Brasil e passou a agir com independência na política externa. Assim, o país teve um projeto de industrialização e foi bem sucedido, algo que infelizmente os governos civis do PSDB, PT e PMDB contribuíram para desmontar, pois tanto a esquerda quanto a direita a abandonaram a agenda nacional.

Aliás, o presidente João Goulart merece ser reconhecido ao lado de Getúlio Vargas como um dos grandes presidentes nacionalistas que o Brasil teve.

Agora, como em 1964, temos na presidência um governo entreguista e submisso aos Estados Unidos. Comemorar um golpe feito pelos Estados Unidos para roubar o Brasil, mostra o caráter de Bolsonaro: um office boy que presta continência a um país estrangeiro. Que o consenso democrático das “Diretas Já” prevaleça e leve à derrota definitiva deste projeto entreguista, corrupto e antinacional. A derrota de Bolsonaro é uma vitória do Brasil.

Por Thomas de Toledo