O dilema do PCdoB: Adeus, Lênin?

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Nada mais antimarxista que a celeuma criada em torno da possibilidade de mudança de nome e símbolo pelo PCdoB. A notícia do debate foi alvo de emendas, sonetos e desmentidos oficiais de toda sorte.

A coisa complicou ainda mais quando dois “novos” movimentos resolveram atravessar a avenida: Comuns e Movimento 65, ambos protagonizados pela legenda comunista.

Marx inaugurou uma nova temporalidade, fazendo a humanidade balançar. Reescreveu a história da evolução dos sapiens com originalidade e brilhantismo. Consagrou a tal da dialética, dinamitando esquematismos e dogmas descolados da realidade concreta.

O genial barbudo beberrão do século XIX, junto com Engels, ousou como ninguém, abrindo possibilidades até então inimagináveis. Dois aventureiros da epopéia civilizatória que em nada se pareciam com os “comunistas de igrejinha” que hoje em dia querem aprisionar a dupla num monastério.

Partido político não é ambiente de fé religiosa, muito menos um clube de amigos do tipo “não mexe no meu quintal que eu não mexo no seu”. Existe para disputar poder real, governar. O “silêncio do acochambramento” costuma ser a cova das organizações.

O que define um partido é o seu programa. O do PCdoB é um primor. Estabelece os pilares de um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento. Ninguém defendeu mudar o programa, muito menos alterar o caráter do partido. Por que então tanto incômodo?

O partido vive seu maior período na legalidade, já são 35 anos. Por que não consegue ter um bom desempenho eleitoral nacional? Se já não ultrapassou a cláusula de barreira em 2018, como vai superar a barreira ainda maior em 2022, sem coligações proporcionais?

Por que um vereador de Goiânia monta um partido sozinho e poucos anos depois consegue amealhar mais votos no país que uma legenda quase centenária?

A questão é a conjuntura nacional e internacional adversa? Por que então, no auge do governo Lula, o PT chegou a ter mais de 90 deputados e os comunistas nunca passaram de 15? Por que no ano passado o PDT e o PSB cresceram e o PCdoB encolheu?

O problema é apenas um erro tático que, uma vez ajustado com candidaturas e chapas próprias, será superado facilmente?

Qual o lugar dos comunistas na sociedade? Para quem o PCdoB está falando? O problema é estrutural, reflexo da falta de espaço social que vem desde a década de 80, com o PT assumindo a referência do movimento operário-social no país?

Márcio Jerry, deputado comunista “calouro”, foi eleito o melhor deputado federal do Maranhão. Não há decisão importante no Congresso Nacional sem que a opinião do deputado Orlando Silva seja pelo menos ouvida.

Militam no PCdoB algumas das melhores cabeças do país. Por que isso não se transforma em votos?

Pesquisa realizada recentemente indica que o povo associa a foice à morte. Indica também que o povo rejeita o termo comunista, mas escolhe o socialismo ao capitalismo, associando-o a questão social.

No “Farol Albanês”, o partido marxista leninista se chamava Partido do Trabalho. Por quê?

Os partidos comunistas europeus que mudaram de nome e símbolo acabaram? É uma fórmula dura e profética? Se mudar vai virar o PPS? O PCB começou a ruir na década de 60 ou foi a mudança de nome a causa?

Na América Latina, ninguém de esquerda chegou ao poder hasteando bandeiras de partidos comunistas. Por quê? Chávez, Evo, Rafael Corrêa, Kirchner, Lula, López Obrador, Mujica, nenhum. Coincidências? Barreiras culturais?

Os Movimentos Comuns e 65 serão suficientes? O eleitor pode achar que está sendo ludibriado? Filiação democrática é uma novidade? O que foram as filiações de Ademir da Guia, João Derly, Netinho e Protógenes, dentre outros?

Com todo respeito a quem pensa diferente – e compreendendo a delicadeza do debate-, ele precisa ser feito. Negá-lo com a proclamação de arroubos dogmáticos é fugir da análise concreta da realidade objetiva.

Seria virar a velhinha comunista do filme “Adeus, Lênin!”, que sai do coma depois da queda do muro de Berlim e passa a viver numa “Alemanha Oriental Fake”, montada por seu filho, temeroso pelo encontro da mãe com a dura realidade.

Por Ricardo Cappelli

  1. Quando se cogitou transformar o PCdoB de um partido de quadros, de vanguarda, marxista-leninista, em um partido de massas, eu ainda era militante do PCdoB e me opus veementemente, afirmando que isso feria a natureza do partido leninista, que é a de ser um partido de dirigentes, mais até que de militantes, que atuam no movimento de massas, nos movimentos sociais e, nas épocas de democracia liberal, em partidos institucionais, de massas, com caracteríticas programáticas similares às do atual PCdoB. Sugeri, naquela época, que o PCdoB criasse,então, um partido de massas, que seria nucleado pelos comunistas, e desse a ele o nome de Unidade Popular Socialista. Como se vê, propus há mais de 20 anos um procedimento idêntico ao adotado pelo PCR, coincidindo até o nome da legenda de massas, institucional. O PCdoB continuaria existindo tal como sempre. Nele, os militantes seriam recrutados em função dos mesmos critérios que sempre foram adotados, seria, como sempre foi, um partido de abnegados lutadores do povo, dispostos a dar a vida pelos seus ideais, sem cretinos parlamentares, sem gente que mistura Marx com Max Weber, contrabandeando ideologia burguesa para dentro do partido. Já, no partido de massas, tudo isso seria permitido, a única exigência seria a concordância com o seu programa e os seus estatutos, os indivíduos ingressariam nele mediante filiação, núcleos de evangélicos, da comunidade LGBT, etc, seriam benvindos, sendo que nada impediria que alguns evangélicos e membros da comunidade LGBT, por demonstrarem ter espírito de luta necessário e a compreensão da necessidade de levar a luta pelo socialismo até às últimas consequências, seriam recrutados também para o PCdoB (a transferência mediante recrutamento de membros destacados do partido de massas , a UPS, para o partido de vanguarda seria algo frequente, fazendo com que o crescimento do partido de massas implicasse dialeticamente no crescimento do partido de vanguarda, de dirigentes. Não sei se Flávio Dino conviria àquele PCdoB, de Osvaldão, Pedro Pomar, Maurício Grabois, Rogério Lustosa e Diógenes Arruda, mas seria certamente eleito governador do Maranhão pela minha UPS e estaria hoje credenciado a ser o meu candidato à presidente em 2022. E mais: acredito que essa UPS teria muito mais facilidade de encaminhar uma proposta de movimento 65, sem levantar tanta polêmica. Esse procedimento, a meu ver, bem mais correto, teria poupado ao Ricardo Capelli toda essa ginástica verbal derivada da contradição entre um partido de quadros, de revolucionários comunistas, e um partido de massas institucional, habilitado a concorrer nas eleições da democracia burguesa, nucleado pelos comunistas. O primeiro seria fundado no centralismo democrático, o segundo respeitaria as regras que regem os partidos institucionais, procurando desenvolver práticas de democracia direta no seu âmbito e nas organizações dos trabalhadores e do povo.

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