Direito à revolta: Um lembrete que maio nos traz

Em ato pelo maio de 68 ativistas jogam pedras em polícias durante protestos do Dia do Trabalhador em Paris
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Protesto do dia 1º de maio de 2018 na França
Protesto no dia 1º de maio de 2018 na França

Estamos em maio, e este mês historicamente é um mês de luta. Nele, comemora-se o dia do trabalhador e, há 50 anos, em um tempo que não havia internet, algo que hoje parece impossível aconteceu. Em vários países ocorreram manifestações que exigiam formas de sociabilidade diferentes, exigia-se uma sociedade menos repressora, menos consumista, exigia-se o impossível. Nesse ano comemora-se 50 anos do Maio de 68.  Tal episódio marcou a história mundial como início dos movimentos da contracultura, a “grande recusa”¹, assumia-se na história, anunciava-se: “A insolência é a nova arma revolucionária”; “A mercadoria é o ópio do povo”; “O sonho é a realidade”; “A arte está morta, liberemos nossa vida cotidiana” etc.

Hoje, o espírito de maio nos parece distante, todavia, ainda sim, vale servirmo-nos dele, para quem sabe acender um pavio, uma flama. Este espírito tratar-se-á do espírito da revolta, da rebeldia, como Albert Camus, em sua obra mais controvérsia, sentenciou: “Que é um homem revoltado? Um homem que diz não”². Tratar-se de uma recusa, ao mesmo tempo que abre possibilidade para um “sim”, ou seja, diz-se não para algo, vislumbrando o possível desejado. Isto ocorreu em Maio de 68, a revolta, o dizer não para toda situação de opressão, tanto cultural, como social, a insolência foi tida como “nova arma revolucionária”, os escravos recusaram-se a cumprir as ordens do amo, se atreveram a sonhar.

A revolta é um direito natural dos indivíduos. Quando nosso corpo sofre alguma agressão, existe uma reação para com esta, uma reação que visa extinguir a ameaça, extinguir a doença. Um bom exemplo, é a Febre, o aquecimento do corpo, para que assim haja a morte ou a impossibilidade de reprodução dos patógenos.  Essa efervescência na sociedade deve ser tratada como “revolta”, ou seja, o ato de dizer não, a defesa do organismo social contra as medidas que os afetam.

A revolta atravessa a história, desde Antígona, até os dias atuais. Hoje, talvez não possamos mais falar de “revolução”, a sociedade à qual Marcuse cunhou de unidimensional em 1964 parece ter se potencializado na história. Desta maneira, o ato da revolta é o ato originário que arrouba a esperança de um dia ocorrer um “assalto aos céus”, pois em uma sociedade conformada e estagnada, qualquer ato de insubordinação à ordem, é um ato potencializador.

Assim, conclui-se tratar da revolta como direito natural (advindo da physis), uma vez que é uma reação, como afirma Sartre: “A violência se dá sempre como uma contra violência, é dizer, como uma resposta a violência do Outro”3. Ou, novamente trazendo as frases de Maio, “o agressor não é aquele que se revolta, mas aquele que reprime”, isto é, o direito natural do corpo social responder as injustas agressões de um sistema financeiro, de uma política que apenas visa o lucro dos banqueiros e empresários. As células incendiárias que ainda se atrevem a lutar são legítimas, repetindo, uma sociedade que vive em paralisia, deve ser afrontada com o ato de rebeldia, com o ato da recusa. Não obstante, no espírito de 68, consonante com o espírito da desobediência civil (Henry David Thoreau4) sonhemos o impossível, é proibido proibir.

REFERÊNCIAS

  1. Termo cunhado por Hebert Marcuse (1898-1979), filósofo de reputação internacional, nasceu na Alemanha e radicou-se nos Estados Unidos desde a Segunda Guerra Mundial. É considerado o principal teórico da rebelião estudantil que agitou o ano de 1968 na França e em diversas partes do mundo.
  2. CAMUS, Albert. O homem revoltado. Tradução de Valerie Rumjanek. Rio de Janeiro: Record, 1996, p. 25.
  3. SARTRE, Jean Paul. Crítica de la razón dialéctica. Traducción de Manuel Lamana. El sudamericano: Disponível em: <https://elsudamericano.wordpress.com/2017/02/24/critica-de-la-razon-dialectica-jean-paul-sartre/>. Acesso em: 03/05/2018.
  4. Henry David Thoreau (1817-1862). Foi um autor estadunidense, reconhecido em especial por seu ensaio “A Desobediência Civil” em que defende a desobediência civil individual como forma genuína de se opor frente a um Estado injusto.