Eduardo Bolsonaro não é apenas filho do presidente, mas agente de Steve Bannon

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Atualização: A crise diplomática do Brasil com a China causada por declarações xenófobas de Eduardo Bolsonaro é mais um episódio dentre vários que confirmam o papel do filho do presidente na estratégia da extrema-direita norte-americana organizada por Steve Bannon.

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A polêmica em torno da indicação do deputado federal Eduardo Bolsonaro, filho do presidente Jair, para ser o embaixador brasileiro em Washington, tem sido problematizada em termos de ética e moralidade pública. Nepotismo é sempre uma coisa grave, mas não é a mera indicação de um parente que o caracteriza, tampouco é o aspecto central desta indicação em particular.

A indicação de Eduardo Bolsonaro para ser embaixador do Brasil perante os EUA deve ser criticada porque faz parte de uma política externa subserviente ao imperialismo norte-americano e articulada com o grupo internacional de extrema-direita liderado por Steve Bannon.

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De um lado, realmente é ridícula a indicação do filho do presidente para a embaixada no país mais poderoso do mundo. Ele acabou de completar 35 anos, a idade mínima para o cargo, não possui experiência diplomática adequada, nem um currículo acadêmico vistoso para justificar sua indicação. Suas credenciais apresentadas tanto por seu pai-presidente, como por ele mesmo, são a de falar a língua fluentemente, o que tem sido desmentido por vídeos hilários de suas tentativas de falar inglês em público, e sua experiência de intercâmbio nos EUA, onde teria fritado hambúrguer, fato que também gerou memes e piadas, pois a lanchonete onde trabalhou sequer vendia hambúrguer.

Por outro lado, Eduardo é deputado federal já há alguns mandatos, e participa da comissão que trata de política externa na Câmara dos Deputados. De fato, esse é o assunto no qual ele atua, e sempre foi tratado como um “chanceler informal”, tendo participado das viagens diplomáticas do presidente. Como diversos outros casos notórios, a indicação para cargo eminentemente político de um parente não caracteriza nepotismo por si só. Diversas famílias têm muitos quadros políticos que atuam conjuntamente. Ciro Gomes foi secretário de saúde de seu irmão Cid Gomes quando este era governador, e seria ridículo acusar nepotismo na indicação de um ex-governador e ex-ministro para o cargo de secretário estadual. Ao contrário de Eduardo, Ciro tinha qualificação acima do cargo para o qual foi nomeado.

Desse modo, a discussão sobre Eduardo Bolsonaro se justifica porque os argumentos de sua pouca qualificação para o cargo são realmente muito escandalosos. Mesmo assim, penso que a discussão está deslocada de seu conteúdo mais importante. Como disse o jornalista e analista político Alon Feuerwerker,  a oposição não está conseguindo impor o debate sério sobre o conteúdo colonial da política externa de Bolsonaro.

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A forma escrachada de Bolsonaro e seu filho tratarem a indicação, falando de fritar hambúrguer como qualificação, demonstra a capacidade populista do bolsonarismo de impor o debate no campo do afeto e não do formalismo liberal. E a esquerda não tem sido capaz de reagir a altura com um populismo econômico nacionalista para contrapor o populismo de direita da família presidencial, que é baseado nos costumes.

Mas o aspecto mais importante a ser tratado é como a indicação de Eduardo está geopoliticamente alinhada a Steve Bannon. Suas relações já não são novidades, nem secretas. Olavo de Carvalho, guru ideológico do bolsonarismo, atuou como facilitador dessas articulações, porém, o “filósofo” tem se tornado cada vez mais irrelevante como ator político. Apesar de ter protagonizado uma profunda crise política contra o setor militar, da influência no ministério da educação e da indicação do chanceler brasileiro, Olavo perdeu algumas batalhas internas no governo. Os militares afastaram o radicalismo tosco na diplomacia com a vizinha Venezuela e apesar da queda do ministro Santos Cruz, mantiveram sua influência no governo. Enquanto na educação o capital financeiro assumiu o projeto de privatização em detrimento do diletantismo ideológico olavista.

Aliás, a indicação de Eduardo foi mal recebida pelo guru. Isso porque Olavo já havia demonstrado interesse em ocupar o cargo, e mesmo não sendo indicado, a expectativa era que o nomeado por Bolsonaro fosse outra pessoa de seu círculo próximo, como é o caso do chanceler Ernesto Araújo. A indicação do filho do presidente não passou por Olavo, que fez críticas discretas, e evidencia um enfraquecimento ainda maior do chanceler olavista, que já foi enquadrado pelos militares nas relações com os países fronteiriços. E agora é Eduardo que vai ser o protagonista nos EUA.

Desse modo, Eduardo Bolsonaro articula diretamente as relações com o projeto internacional reacionário liderado por Steve Bannon. Em fevereiro, Bannon já havia anunciado que Eduardo seria o líder de sua organização, “The Movement“, na América do Sul. Esse movimento é o instrumento de Bannon para oferecer suas ferramentas de manipulação de massas através da internet, com o uso intensivo de big data, para líderes de extrema-direita pelo mundo inteiro, como fez na eleição de Trump, e de candidatos anti-imigração na Europa. Bannon também tem relações intensas com governantes de extrema-direita, como Matteo Salvini na Itália e Viktor Orbán na Hungria.

Bannon comemorou a indicação de Eduardo Bolsonaro há uma semana atrás, reforçando a relação do filho do presidente brasileiro com seu movimento iniciado com a eleição de Trump: “É ótimo, porque agora terá alguém que realmente entende o movimento em Washington.”. Ontem foi a vez do vice-primeiro-ministro e ministro do interior da Itália, Salvini, também comemorar a indicação:  “Feliz que o amigo Eduardo Bolsonaro tenha sido indicado como o próximo embaixador do Brasil nos Estados Unidos. Nosso abraço da Itália”.

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O populismo da extrema-direita vem sendo muito bem sucedido, apesar dos resultados abaixo do esperado nas últimas eleições para o Parlamento Europeu, por sua política de redes muito bem articulada por gente como Bannon, que com o processamento de dados em massa consegue formular estratégias vitoriosas para eleições e para o enfrentamento à oposição de seus governantes; mas também por seu foco em questões econômicas. O que caracteriza o conteúdo da extrema-direita neopopulista, ainda que retórico, é um nacionalismo econômico em defesa do emprego dos cidadãos nacionais de cada país. Isso vem em reação ao “globalismo” do neoliberalismo progressista hegemônico desde os anos 1990, gerando diversas oposições “soberanistas” contra o “internacionalismo” da abertura de fronteiras e da liberalização dos fluxos do capital financeiro. Por isso sua pauta reacionária anti-imigração é tão forte. Já a esquerda tem tido dificuldades de retomar o discurso econômico para enfrentar as soluções reacionárias.

Mas esta é a política dos países imperialistas. Para países subdesenvolvidos e em processo de “neocolonização” como o Brasil, a pauta oferecida é a dos costumes e segurança pública. Na política externa o “nacionalismo” de Bolsonaro confunde-se com um antipetismo nas relações internacionais. Ao contrário da diplomacia pragmática baseada em interesses econômicos, os Bolsonaros atacam países com os quais o Brasil tem balanças comerciais favoráveis, e alinham-se automaticamente aos interesses dos norte-americanos.

É disso que se trata a indicação de Eduardo Bolsonaro como embaixador nos EUA. A submissão dos interesses econômicos do Brasil à potência imperialista do norte, e a guinada para uma política externa ultraideológica baseada na polarização interna contra a esquerda.

Essa política externa está de acordo com a política do The Movement de Bannon, que defende os interesses nacionais e soberanos das potências centrais, justamente porque na economia política da extrema-direita internacional, o populismo da direita brasileira tem de servir aos interesses nacionais deles. Desse modo, a indicação de Eduardo Bolsonaro é um ‘movimento’ no xadrez geopolítico do populismo de extrema-direita a favor dos interesses imperialistas do centro, e por isso deve ser denunciada.

A esquerda deve ser capaz de interromper a combinação entre a população insatisfeita com a crise estrutural atual do capitalismo e as frações reacionárias do capital. Para isso, precisará de organizações populistas, focadas nas pautas econômicas de seus povos, articuladas a líderes que mobilizem afetos em uma estratégia de massificação através da internet (com o uso de instrumentos  de big data). Caso contrário, a extrema-direita continuará sendo a postulante em ascensão pela hegemonia neste turbulento início de século.