Eleição no Rio de Janeiro

Eleições Por Eduardo Papa – Chegou a eleição! A festa da democracia! Quando a cidadania decide os rumos de seu destino, mas será mesmo? É bem sabido que a democracia que essa mesma cidadania conseguiu construir, convive com um Estado extremamente autoritário, com instituições profundamente enraizadas na sociedade, que se confundem com a sua própria origem. A "nossa democracia" não tem mesmo grandes semelhanças com os modelos europeus.
Botão Siga o Disparada no Google News

Por Eduardo Papa – Chegou a eleição! A festa da democracia! Quando a cidadania decide os rumos de seu destino, mas será mesmo? É bem sabido que a democracia que essa mesma cidadania conseguiu construir, convive com um Estado extremamente autoritário, com instituições profundamente enraizadas na sociedade, que se confundem com a sua própria origem. A “nossa democracia” não tem mesmo grandes semelhanças com os modelos europeus.

Penso eu que uma comparação mais pertinente seria com a Índia. Aqui como lá todo o zé povinho tem direito a votar, mas o poder é sempre exercido por um estamento superior da sociedade. Aqui uma casta brancarana encastelada em privilégios econômicos e dominando o núcleo do poder estatal (justiça, forças armadas), exerce o seu poder para manter a qualquer custo suas posições na sociedade, tema descrito com bastante propriedade pelos nossos sociólogos e historiadores, mas também perceptível para as pessoas mais simples. Todos aqui sabem quando estão em frente a uma pessoa capaz de dar uma “carteirada” ou promover algum desses espetáculos bizarros, repulsivos, alguns violentos de preconceitos de toda a natureza, que constatamos todos os dias, protagonizados por nossos cidadãos acima de qualquer suspeita.

A nossa Cidade Maravilhosa, embora com seu caráter cosmopolita e de vanguarda, por muito tempo porta de entrada de tudo o que é novo no Brasil, está muito longe de fugir a regra. No curto período que desfrutamos de autonomia política (até 1959 era o Distrito Federal), salvo o período dos governos de Leonel Brizola, o predomínio político de forças de direita ultra conservadoras foi a regra. Berço da UDN e de seu principal expoente Carlos Lacerda, do chaguismo, que começou a construir a base clientelista no MDB, depois aperfeiçoada pelo PMDB de Moreira Franco, dos Garotinhos e de Sérgio Cabral/Pezão, até desaguar na eleição de Witzel, o governador do “tiro na cabecinha”, que expressa de maneira nua e crua como a banda toca aqui nas periferias.

O carioca vai para a eleição já estando governado pelo esquema neopentecostal de Edir Macêdo, solidamente ligado ao governo protofascista de Bolsonaro. Crivella sai na frente montado em cima da máquina municipal, com o apoio engajado de vastos setores evangélicos e das milícias armadas e virtuais do bolsonarismo. Apesar da vantagem, a ruinosa e desastrada administração que faz da cidade, colocou fungando em seu cangote o seu antecessor do PMDB, Eduardo Paes, parada dura. Atrás deles parece vir um pelotão de candidatos com chances muito menores, uma esquerda fracionada e candidatos de centro direita, com o discurso completamente sequestrado pela extrema direita e sem condições de construir uma identidade com seu potencial eleitorado. Parece que o destino do carioca é assistir uma campanha com um feroz embate entre os guardiões do Crivella junto com bolsonaristas contra a máquina do PMDB, que também tem uma jagunçada parruda, criada em seu longo período de poder e preservada em gabinetes parlamentares e prefeituras que controlam, entretanto há um novo ator nesse processo – o coronavírus.

Não que o trato com a pandemia venha a ser um assunto decisivo para os eleitores, talvez não seja considerado com a sua devida importância, mas embora o isolamento aqui seja muito limitado, o pessoal está saindo bem menos na rua, eventos que tradicionalmente impulsionam campanhas eleitorais ficam mais difíceis. Até nas igrejas a frequência tem sido menor, logo a influência das tropas de choque dos partidos cai muito. Cresce a relevância das redes sociais, certamente as milícias digitais virão com tudo, fakenews, disparos em massa de mensagens, discurso de ódio, todo o script que assombrou o país em 2018, mas duvido que tenham o mesmo papel decisivo. O esquema do gabinete do ódio está mais limitado, sob o olho de setores do judiciário e do legislativo dispostos a agir, o golpe já está ficando manjado e as bolhas bolsonaristas vem perdendo crédito, com os “tiozões do zap” com um papel cada vez mais caricato na sociedade, além do que está surgindo concorrência, principalmente na plataforma do youtube, com um cardápio cada vez mais variado de opções de informação. Na mídia corporativa não há unidade. Crivella tem a Record e uma rede de emissoras menor trazidas pelo relho da SECOM; Paes deverá contar com o apoio da Globo, que ao meu ver será um tanto discreto.

No cenário montado, penso que os debates entre candidatos, que nas últimas eleições no país tiveram papel secundário, serão muito importantes, talvez decisivos. Aposto que os comandantes das campanhas já estão pensando nisso, em preparar seus candidatos para o confronto direto com os adversários, ninguém vai deixar de participar e o povo vai assistir em muito maior número que em pleitos anteriores. É certo que os candidatos da ponta, ambos com telhados vidrosos, se apedrejem mutuamente de maneira feroz, o que pode abrir um espaço para a turma do segundo pelotão. Se algum vai conseguir se beneficiar disso e qual deles poderia ser, eu ainda não arrisco meu palpite, mas o certo é que todos vão ter que mostrar as qualidades, a capacidade de seduzir e convencer, as virtudes do bom tribuno irão fazer a diferença, prepare então a sua pipoquinha, sua bebedinha preferida e vamos todos ver na TV o espetáculo da democracia.

Por: Eduardo Papa, jornalista, professor e artista plástico.