Eleições no Reino Unido: mais uma derrota

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Se você não está desolado com a derrota acachapante do Partido Trabalhista nas últimas eleições britânicas você não tá entendendo nada. Jeremy Corbyn e seus apoiadores conseguiram algo sem precedentes. Seria o equivalente ao PT, depois de um derrota eleitoral significativa, eleger o Olívio Dutra pra presidente do Partido, resultando em uma quantidade gigantesca de novos filiados orgânicos, e concorresse a presidente com um programa radicalmente de esquerda que tivesse como foco a qualidade dos serviços públicos, uma política de empregos ambiciosa, e um plano de desenvolvimento sustentável. Não há militante de esquerda no mundo que não ficasse satisfeito com o programa dos Trabalhistas dessa eleição. Até o Alan Moore, anarquista convicto que só tinha votado uma vez na vida, anunciou que votaria no Labour. E ainda assim foi uma lavada.

Quem tem acusado o programa do Partido Trabalhista de não ser “nacionalista” o suficiente parece ter esquecido de como faz análise de conjuntura. Os Trabalhistas — e não só eles, a Inglaterra inteira — estão desde o referendo divididos ao meio entre quem apoia o Brexit (em sua maioria filiados e eleitores velhos de regiões desindustrializadas) e quem quer revertê-lo (em sua maioria jovens de regiões metropolitanas). Boris Johnson podia construir sua campanha em cima do Get Brexit Done porque ele é um canalha, que pode dizer e fazer o que bem entender pra se eleger. E não há absolutamente nenhum indício que sair da União Europeia vá melhorar objetivamente a situação dos que apoiam o Brexit. A posição de Corbyn, portanto, era muito mais delicada. Se ele apoiasse a reversão do Brexit, ia ser considerado um traidor por metade do país, boa parte eleitores do Labour, que se revoltariam contra o partido. Se ele apoiasse o Brexit, ia alienar a maioria esmagadora da militância jovem e renovada que o partido adquiriu por sua causa, e que é o futuro do movimento socialista da Inglaterra.

O Brexit não é uma solução pra nada, porque ele em si é só o sintoma do problema — crise estrutural da acumulação, automação, globalização da mão de obra e do processo produtivo, financeirização e concentração de renda, submissão à União Europeia, etc. Se Corbyn jogasse o jogo de Johnson e dobrasse a aposta no Brexit, não só continuaria recebendo os mesmos ataques cínicos de anti-semitismo, apoio ao terrorismo no passado, etc., como, caso tivesse sucesso, teria que ser o responsável por levar a cabo o Brexit (e, com isso, possivelmente levando a óbito qualquer chance de renovação do movimento socialista britânico, porque seria o novo culpado pelos problemas que viriam após a saída). Não porque a União Europeia é um paraíso para o Reino Unido, mas porque todas as tentativas de negociação de uma saída tiveram termos desastrosos impostos, e nada em relação a esse problema parece se alterar.

A saída que Corbyn e seus apoiadores encontraram foi tentar desviar a questão, em si distorcida, entre apoiar ou não o Brexit, para uma discussão mais ampla sobre a vida que os britânicos gostariam de ter no futuro. O Brexiter convicto não quer o Brexit por razões próprias, ele quer o Brexit porque acredita que assim os empregos nacionais vão voltar. Ele é contra os imigrantes porque ele acredita em quem culpabiliza a imigração pelo desemprego que ele sofre, etc. A maior parte das pessoas sequer faz ideia das verdadeiras consequências econômicas que a saída do Reino Unido da União Europeia vai ter. A única opção não genocida é mudar os termos da discussão, apaziguar a polarização em torno do Brexit, e construir uma maioria popular em defesa das pautas materialmente relevantes para os afetados.

E foi isso o que o Partido Trabalhista tentou fazer. E é por isso que a derrota violenta que eles sofreram é um problema pra nós todos. Porque essa estratégia não deu certo. E esse não dar certo muda as regras do jogo, como a capitulação do Syriza na Grécia deveria ter mudado a nossa análise, como o definhamento do Podemos na Espanha deveria ter mudado nossa análise, como o fim dos governos progressistas latino-americanos deveria ter mudado nossa análise, como o resultado das primárias democratas dentro de alguns meses deve mudar nossa análise. Não há absolutamente ninguém hoje que tenha clareza do que precisa ser feito, e todas as nossas tentativas no mundo tem falhado de alguma forma. Enquanto isso, a bomba relógio do colapso ambiental vai girando o ponteiro, os campos de concentração têm voltado aos poucos, e uma mistura de rentismo com exterminismo – pra ficar com dois cenários previstos por Peter Frase – vai se desenhando pro futuro.

Se você não está desolado com a derrota acachapante do Partido Trabalhista nas últimas eleições britânicas você não tá entendendo nada. E se a gente não começar a entender, e se entender, daqui a pouco não vai sobrar nem governo pra disputar.