As eleições paulistanas e o futuro do PDT

gabriel cassiano pdt revolucionário
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Por Felipe Augusto Ferreira

“O mundo gosta

de pessoas neutras

Mas só respeita

as que têm atitudes.”

Poeta Sergio Vaz

Independentemente da derrota eleitoral, é necessário que os trabalhistas tenham a humildade de reconhecer que a campanha de Guilherme Boulos saiu vitoriosa. Boulos conseguiu em 2020 sair maior das urnas em relação a 2018, aumentando sua votação na capital paulista de 76.953 votos para 1.080.736 votos no 1º turno (um aumento de 1.304%), enquanto o candidato apoiado pelo PDT, Márcio França, diminuiu de tamanho em relação à eleição passada, caindo de 1.229.116 votos na capital para 728.441 votos em 2020 (uma queda de 40%). Além disso Boulos ajudou a bancada do PSOL em São Paulo a triplicar, saltando de 2 para 6 vereadores, enquanto o baixo desempenho de França fez a bancada do PSB murchar de 3 para 2 vereadores, enquanto o PDT mais uma vez não elegeu nenhum vereador.

É necessário ter a humildade de escutar a voz das urnas. O PDT em São Paulo acreditou que a eleição municipal se daria nos mesmos moldes da eleição de 2018; ou seja, que o Márcio França encarnaria o papel de candidato “da esquerda”, herdando os votos que seriam do candidato do PT e indo ao 2º turno contra o candidato tucano. Mas a diferença fundamental em relação a 2018 foi que naquele ano o França só teve aquela votação massiva na capital porque ele representou o papel de candidato anti-Bolsonaro contra o voto BolsoDoria. O fato de o PSB Nacional ter apoiado Haddad no 2º turno da eleição[1] (a despeito da neutralidade formal de França)[2] apenas facilitou essa imagem de oposição ao bolsonarismo.

Essa circunstância não existia mais em 2020: Doria hoje faz oposição a Bolsonaro, Covas é visto como um centrista moderado, e Bolsonaro hoje tem rejeição elevada na capital paulista. Mesmo com esse cenário França ainda cometeu o erro de tentar disputar o voto da decadente direita bolsonarista naquele fatídico encontro com Bolsonaro em agosto de 2020[3], em uma circunstância em que a rejeição de Bolsonaro em São Paulo já era maior que a sua aprovação[4][5]. Não foi à toa que o voto da classe média de esquerda acabou migrando para o Boulos e não para o França, já que a esquerda não via o França como seu representante, até porque a campanha do PSOL foi muito bem-sucedida em refrescar a memória do eleitor de que França havia sido vice do tucano Geraldo Alckmin.

O isolamento de França por parte da esquerda ainda causou estragos na votação da chapa do PDT em São Paulo, uma vez que o candidato a vice do França era o presidente do PDT Municipal Antonio Neto: enquanto Ciro havia feito na capital paulista 943.576 votos em 2018, a chapa inteira do PDT fez em 2020 apenas 54.802 votos – apenas 5,8% dos votos do Ciro de 2018. Ou seja, é possível concluir que o eleitor cirista de 2018 rejeitou o PDT em 2020. O apoio do PDT a Boulos no 2º turno paulistano também pode ser enxergado como uma tentativa de reconectar o partido com essa base cirista de classe média, que acabou votando em Boulos.

Isso mostra que a estratégia de buscar um suposto eleitor “centrista”, “moderado”, “fora dos extremos” pode não ser a mais eficaz para se chegar ao 2º turno. Afinal a lógica da eleição em dois turnos é de no 1º turno marcar posição e apenas no 2º turno fazer o movimento em direção ao centro. O próprio perfil de Boulos – visto pelo senso comum como um “invasor de terreno” – destoa desse perfil “dialogável ao centro” que é por vezes tão defendido como única saída para o trabalhismo chegar ao 2º turno.

Em um contexto de aumento da abstenção eleição após eleição, em que cada vez mais pessoas descobrem que a multa cobrada por deixar de votar é irrisória, as eleições brasileiras vão ficando cada vez mais semelhantes às eleições americanas, na medida em que já não basta mais convencer o eleitor a votar no candidato, mas é preciso também incentivá-lo e mobilizá-lo a sair de casa para votar, ainda mais no contexto de uma pandemia. Fica muito difícil mobilizar o eleitor para ir votar em um candidato que fica em cima do muro e não se posiciona claramente em temas caros da eleição como a vacinação obrigatória e o desempenho do governo federal durante a pandemia[6]. O discurso batido do “voto útil” não é capaz de seduzir corações e mentes nem engajar ninguém a sair de casa para votar.

Na maior metrópole do país, capital da polarização política nacional, o discurso pasteurizado, o não assumir posições claras sobre nada cobra o seu preço nas urnas. Por outro lado, a campanha de Boulos soube desde o início assumir lado com um discurso claro de oposição, e também foi muito bem-sucedida em engajar o apoio da classe média. A classe média paulistana corresponde a cerca de 30% do eleitorado da cidade, sendo que metade desse eleitorado é tucano e a outra metade é progressista, e conseguir o apoio desses 15% de votos de largada já dá um bom piso eleitoral a qualquer candidato. Além disso essa classe média é formadora de opinião pública, sendo capaz de pautar o debate público e fazer suas posições circularem entre os círculos sociais mais influentes.

Boulos conseguiu um impressionante engajamento de militância jovem não partidária, tanto nas redes quanto nas ruas, que a campanha de França jamais chegou perto de mobilizar. Se as eleições representam mobilizar as esperanças do eleitorado, então pode-se dizer que a campanha de Boulos foi a mais bem-sucedida em engajar corações e mentes. Cheguei a testemunhar até entregador de aplicativo com praguinha do Boulos na bike e no capacete – um outdoor ambulante de propaganda voluntária e engajada pelo candidato. Trazer Luiza Erundina como vice ainda trouxe a nostalgia daquele PT anos 90 que ainda carregava a imagem de partido ético e de princípios, antes da chegada ao Planalto – o que certamente também contribuiu para o esvaziamento do candidato oficial petista, Jilmar Tatto.

Outro ponto forte na estratégia de Boulos foi a campanha digital[7]. A quantidade de curtidas e engajamento das redes sociais do PSOLista, com postagens com linguagem jovem, simples e direta, foi capaz de compensar o escasso tempo de TV que ele tinha, enquanto França praticamente negligenciou a campanha digital em favor da TV[8]. Não pode ser desprezado o fato de que essa campanha digital foi capaz de fazer com que um candidato com 17 segundos de tempo de TV conseguisse superar o candidato com a 2ª maior coligação e o 2º maior tempo de TV e fosse para o 2º turno. Isso coloca como urgência para o PDT aprimorar sua comunicação e sua estratégia digital, e melhorar a visibilidade do Ciro e de outros quadros orgânicos do partido nas redes sociais.

Isso quer dizer então que a aliança do PDT em São Paulo com o PSB foi um erro? A resposta não é tão simples. A aliança em São Paulo foi fruto de uma articulação nacional dos dois partidos, que resultou em vitórias em 4 capitais nordestinas (Fortaleza, Recife, Maceió e Aracaju)[9]. Além disso graças a essa aliança vários quadros políticos ideológicos do PDT foram alavancados na eleição, como Antonio Neto, Martha Rocha e Juliana Brizola, que podem vir a ser candidatos a deputados federais em 2022 para ajudar a tornar a bancada trabalhista no Congresso mais orgânica e ideológica. Em tempos em que a disciplina partidária é um valor tão em baixa, é necessário reconhecer e respeitar os militantes e simpatizantes do PDT que apoiaram e se engajaram na campanha do Márcio França. No entanto pode-se dizer que São Paulo acabou sendo sacrificada nessa articulação, não só pelo PDT não ter ficado com a cabeça-de-chapa, mas pelo candidato defendido pela legenda ter assumido um discurso tão insosso, tão alheio ao discurso de oposição do próprio Ciro em relação ao governo Bolsonaro. Caso esse sacrifício resulte na adesão do PSB à candidatura de Ciro em 2022, aí pode-se dizer que ele valeu a pena.

Eu prefiro ir na contramão das análises que dizem que a polarização política do Brasil morreu nesta eleição, e diria que o que morreu na verdade foi a polarização nos termos em que ocorreu em 2018, Bolsonaro contra PT. O PT foi claramente um dos grandes derrotados dessa eleição, perdendo 71 prefeitos em comparação com 2016, sem ganhar em nenhuma capital pela primeira vez desde a redemocratização, e com seu candidato em São Paulo (centro político do PT desde a sua fundação) com o pior desempenho eleitoral da história do PT paulistano. A ida de Boulos ao 2º turno no lugar do PT na verdade pode sinalizar que o Brasil quer a polarização, mas que é plenamente possível substituir um dos pólos, como o PSOL substituindo o PT à esquerda em São Paulo, do mesmo modo que o bolsonarismo substituiu o PSDB à direita em 2018. Devemos lembrar que, em 8 eleições presidenciais desde a redemocratização, nunca um candidato de 3ª via foi ao 2º turno.

Dessa forma, penso que Ciro e o PDT precisam se reposicionar, e principalmente assumir aquilo que de fato são: um partido com o um programa desenvolvimentista que está à esquerda do social-liberalismo do PT e do PSOL, que oferece uma solução concreta para a superação do neoliberalismo, do rentismo, da desindustrialização e da dependência econômica que condena o Brasil ao subdesenvolvimento. O PDT precisa perder a vergonha de se assumir como um partido de esquerda, e abandonar eufemismos como “progressista” ou “centro-esquerda”. Se o nosso programa está à esquerda do PT, por quê no imaginário popular partidos como PT e PSOL ainda são vistos como à esquerda do PDT? A eleição paulistana mostra que é plenamente possível superar o PT pela esquerda com o discurso certo e com as estratégias certas de redes sociais e de propaganda.

O PDT precisa se mostrar como o partido de esquerda do futuro, mobilizar corações e mentes por um projeto político que dê esperança de futuro à juventude brasileira[10]. Isso não significa abdicar do passado do trabalhismo ou rebaixar o nosso programa, mas sim mostrar à juventude do século XXI que o trabalhismo de Getúlio, Jango, Brizola e Darcy já fez grandes realizações pelo Brasil, e pode continuar fazendo se retomarmos através do Projeto Nacional de Desenvolvimento o caminho interrompido pelo golpe militar de 1964.

Da mesma forma o PDT precisa perder o medo de entrar no debate das lutas por direitos das minorias sociais (frequentemente estigmatizadas como “identitarismo”). As lutas de representação como as lutas feministas, antirracistas e anti-homofobia são as que mais mobilizam a juventude brasileira nos dias de hoje, e o trabalhismo tem todas as condições de pautar essa agenda. O PDT foi o primeiro partido brasileiro a incluir a questão dos negros e dos povos indígenas no seu programa partidário. O PDT é o partido de Abdias, de Caó, de Juruna, de Lélia Gonzalez, e tem como um dos seus maiores expoentes Darcy Ribeiro, autor de “O povo brasileiro”, obra fundamental para compreender a formação étnico-racial do Brasil.

O PSOL é um partido reconhecidamente muito bem-sucedido nesse debate, e isso gera saldos eleitorais tangíveis: a bancada do PSOL na Câmara paulistana possui maioria de mulheres (4), sendo 3 mulheres negras e uma mulher transexual. No entanto o trabalhismo tem todas as condições de disputar o debate das minorias sociais com o liberalismo de esquerda; tanto que a candidatura do PDT a vereador mais votada no Brasil inteiro foi a de uma professora transexual em Belo Horizonte. Nossa militância deve ter um papel pedagógico, ser empática e solidária com esses grupos sociais que são vítimas de discriminação e preconceito, e ajudar as mulheres, os negros e os LGBTs brasileiros compreenderem que seus direitos só serão garantidos na luta contra o neoliberalismo e a dependência econômica. Adotar um discurso sectário, acusatório (e por vezes violento) contra essas minorias apenas irá contribuir para jogá-las com mais força no colo do social-liberalismo.

A mudança de discurso do PDT também deve envolver uma mudança de postura, como por exemplo expulsar deputados infiéis que votam contra os trabalhadores e a soberania nacional no Congresso. Não é admissível que em cada votação importante cerca de um terço da bancada na Câmara Federal vote contra a orientação partidária e nada aconteça com esses deputados[11] e o PDT quiser voltar a ser grande, não pode mais trocar coerência e identidade programática por nacos de fundo eleitoral. O PDT não pode ter medo de crescer. O partido deveria ter investido fortemente nestas eleições numa renovação qualitativa, e falhou em não ter enxergado nas eleições para câmaras de vereadores uma oportunidade de projetar novos quadros da base, quadros que poderiam vir a ser os futuros deputados estaduais e federais da legenda. Mas isso é assunto para um próximo texto.

Por Felipe Augusto Ferreira, graduado em Relações Internacionais pela USP, funcionário público e membro da Executiva Municipal do PDT de São Paulo.