O erro de Cid Gomes e o Partido – o sangue latino

O erro de Cid Gomes e o Partido – o sangue latino
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O voto de Cid Gomes na PL que pavimenta caminho para o aprofundamento da privatização do saneamento foi um grave erro. A questão para a militância trabalhista é: o que fazer com isso? O sangue latino nos responde.

Cabe antes de mais nada uma avaliação digna do voto. Como bem argumentou Miguel do Rosário, o peso que recaiu sobre o PDT e especificamente sobre Cid Gomes foi desproporcional. Todos os demais partidos de oposição haviam realizado uma composição com o acionista da Coca-Cola, Tasso Jereissati, relator do Projeto de Lei, para atenuar seus piores efeitos (sim, o PL original era muito pior). O senador trabalhista foi mais um dos signatários deste acordo. Um voto dos mais de sessenta, em um projeto cuja aprovação já estava praticamente assegurada.

Além disso, o PT pode se dar o luxo de votar maciçamente contra o PL porque seus serviços ao grande capital financeiro neste tema já foram assegurados. A Lei 11.445 de 2007 assinada por Lula e Marina Silva – à época ainda filiada na legenda de Golbery – já garantia parcialmente a privatização nessa área. Como o PT tem zero compromisso com uma oposição real, e sim somente retórica, sua aparência é tudo que lhes resta e por isso zelam tão bem por ela. O caráter neoliberal de suas gestões e futuro programa já é nessa altura do campeonato bastante conhecido. Sobra para eles somente o propagandismo vazio.

Então por que somos atacados mais do que proporcionalmente neste tema? Porque os trabalhistas são a principal força capaz de derrotar décadas de hegemonia social-liberal na esquerda, em grande medida graças aos esforços dos Ferreira Gomes. Nosso crescente protagonismo desperta a atenção dos petucanos, que ligam suas máquinas na internet para nos alvejar constantemente. Partidecos e grupos de estudos travestidos de agremiação política que se mantém ainda prostrados frente ao partido de Marcos Lisboa fazem o jogo petucano consciente ou inconscientemente contra nós.

E foi nesse contexto que Cid Gomes errou.

Não entraremos novamente em detalhes a respeito do Novo Marco. As ligações deste projeto com o lobby privatista por meio da repugnante figura de Diogo Mac Cord são conhecidas e já foram amplamente abordadas em nosso artigo para a série “Garras Imperialistas”. Os maiores beneficiados serão provavelmente empresas estrangeiras como a BRK, controlada pelo fundo Brookfield, o mesmo que adquiriu boa parte de nossa malha dutoviária de gás natural. Este tipo de fundo interessado em investimentos que têm caráter de renda fixa tem pouquíssima tendência a expandir a cobertura do saneamento. Para piorar, o Novo Marco pavimenta o caminho para o fim dos subsídios cruzados, imprescindíveis para a manutenção dos serviços de saneamento em localidades de baixa atratividade para o capital privado, comprometendo no médio prazo a fiscalidade da União e dos estados que terão de assumir essa despesa. Socializa-se os prejuízos e privatiza-se os lucros.

E sobram perguntas. O FGTS, que na prática é uma forma de planificação do sistema financeiro por meio de poupança compulsória dos trabalhadores, realiza investimentos rentáveis na área de saneamento. Como ficam esses investimentos? A SABESP, sociedade de economia mista paulista que atende cerca de 50% dos municípios deste estado sudestino escapou da sanha privatista no meio do Tucanistão. Dória e Meirelles do PT estavam coçando as mãos para entregar essa joia estatal – uma empresa altamente eficiente e lucrativa – para os abutres do mercado financeiro.

O Novo Marco não tem nada de novo. É o prosseguimento da lógica do Teto de Gastos, que estrangula as Despesas de Capital. Trata-se da mesma mentalidade obtusa que rege esse país desde 1994, que não consegue escapar da caixinha do Consenso de Washington. Por que a União não integraliza capital em sociedades de economia mista para expandir sua capacidade de investimentos – rentáveis! – em saneamento básico? Por que não criar uma holding estatal que compre instrumentos patrimoniais de empresas que já atuam em toda a cadeia de saneamento e usar essa capitalização para a expansão da cobertura? Por que não exigir de empresas privadas que já detém o monopólio do saneamento em cidades como Manaus (a AGEA) ou a SANEATINS, de Tocantins, que façam investimentos sob a pena da revogação da concessão? Por que não instituir mais meios de poupança compulsória como o FGTS e voltá-las para este tipo de inversão – rentável! – como já estava proposto na capitalização pública da previdência, planificando assim parcialmente o sistema financeiro? Há cada vez mais uma literatura prolífica mostrando que o Estado pode fugir tanto às amarras neoliberais quanto do carcomido keynesianismo ocidental. Empresas mistas, joint ventures privado-públicas, aquisição de instrumentos patrimoniais por bancos públicos e outras holdings estatais (como o BNDESPar já faz), contratos com cláusulas que constranjam as empresas privadas a investir e com meios efetivos para cumpri-los – todo um rol de medidas que instituem uma nova relação público-privada, que não caia na armadilha tanto de Paulo Guedes como de Nelson Barbosa. E isso não é socialismo – é capitalismo, só que feito direito.

É uma ocasião para a esquerda se libertar de preconceitos com relação a estatais. Precisamos de uma vez por todas entender o seguinte: estatais têm que dar lucro. Seus dividendos podem e devem ser uma fonte alternativa à tributação para o custeio da máquina pública. Precisamos de medidas que tornem as estatais mais ágeis, libertando das amarras da Lei de Licitações e outros instrumentos legais obviamente feitos para torná-las menos competitivas. Devemos olhar para o Vietnã, para a China e para a Coreia do Sul e entender que a classe trabalhadora organizada no período de transição socialista ou ainda em luta para atingi-lo necessita do capital privado. O que temos de aprender é a liderar a iniciativa privada e não ser liderados por ela. E isso ocorre por uma série de novos instrumentos estatais que superem os obsoletos “estímulos” como os desastrosos subsídios de Dilma Rousseff. Aos poucos, vamos entender e fazer a iniciativa privada entender que planificação e mercado não são incompatíveis. Muito pelo contrário – só podem existir um com o outro.

O voto de Cid Gomes é só mais um entre 60. Mas o que sinaliza para a militância tão aguerrida que todos os dias defendem e mantém vivo o trabalhismo? O que diz para todos os setores organizados das forças populares, que cada dia mais olham para os Ferreira Gomes em busca da justa liderança, nesse momento em que nossa pátria é subtraída em tenebrosas transações? O que mostra para parte dos empresários desse país que já entederam que neoliberalismo é somente a destruição de seus pequenos e médios negócios? O que aponta para os nacionalistas de todos os matizes cansados de ver seu país humilhado sob o jugo da grande finança internacional? E, por mais que seja somente retórico, não expõe o PDT a ainda mais ataque do hegemonismo petucano?

Por outro lado, é nessas horas que militância é convocada a demonstrar uma grandeza ímpar. Porque nossos inimigos – tanto os que ilegitimamente ostentam a cor vermelha como os colonialistas e liberais – usarão uma tática de divisão e deslegitimação de nossos líderes para nos enfraquecer. E é nesse momento que mais devemos mostrar lealdade ao Partido e ao Trabalhismo. Não se trata de “passar pano” para os erros de nossos líderes – devemos criticá-los a fim de corrigir seus rumos. Esse é o conceito de Centralismo Democrático – internamente, podemos discordar, mas marchamos como uma falange unificada, em luta pela emancipação popular de nossa pátria mestiça acossada pelo imperialismo.

Mas não devemos em nenhum momento duvidar de patriotismo de um homem que escancarou seu peito para levar uma bala em luta contra milicianos colonialistas que querem destruir o Brasil. Que com uma coragem que não existe em nenhum dos supostos “radicais” de partidecos ou outros grupos de estudo pegou uma retroscavadeira e enfrentou criminosos armados que desestabilizavam nosso país a mando de interesses antinacionais. Cid Gomes lavou com seu sangue latino a honra de um Brasil que já não aguenta mais ser humilhado desde que as potências imperialistas colocaram um palhaço no Palácio do Planalto para manchar nossa história.

O que devemos fazer quando nossos líderes erram? Construir Partido. Militar ainda mais aguerridamente do que antes. Filiar ainda mais militantes, conquistar ainda mais corações e mentes para nosso projeto popular e nacionalista. Despertar em nosso povo o sujeito coletivo adormecido da classe trabalhadora que conhece a si mesma. Precisamos multiplicar quadros como Gabriel Cassiano, que com muita coragem soube criticar nossos líderes sem em nenhum momento desviar da justa lealdade ao projeto nacional e popular do PDT. Só assim seremos capazes de realizar as correções necessárias quando nossos líderes erram.

Nossa geração tem de estar à altura do desafio que a história nos legou. Por nossas bocas ressoam as vozes de Getúlio Vargas, Luís Carlos Prestes e Brizola. Em nossas veias correm o sangue latino de gerações que lutaram pelos trabalhadores do Brasil, como Luís Gama, Zumbi dos Palmares, Sepé Tiaraju e Ajuricaba.

Erramos no passado e erraremos no futuro. Mas vamos achar nossos caminhos. A militância tem que aprender e nossos líderes também. É assim que nosso sangue latino vai achar nossos caminhos tortos. E o socialismo moreno e a Revolução Brasileira hão de vir.

“Jurei mentiras
E sigo sozinho
Assumo os pecados

Os ventos do norte
Não movem moinhos
E o que me resta
É só um gemido

Minha vida, meus mortos
Meus caminhos tortos
Meu sangue latino
Minh’alma cativa

Rompi tratados
Traí os ritos
Quebrei a lança
Lancei no espaço
Um grito, um desabafo

E o que me importa
É não estar vencido
Minha vida, meus mortos
Meus caminhos tortos
Meu sangue latino
Minh’alma cativa”

O erro de Cid Gomes e o Partido – o sangue latino

  1. Argumentação interessante. Me lembrou muito a Tábata Amaral defendendo o voto na reforma da previdência: o texto original era pior, conseguimos minimizar os prejuízos.
    O símbolo é muito importante. O PL já seria aprovado? Então pra quê se expor? Mesmo caso da Tábata. Pra quê gerar argumentação para ataques ao partido se seu voto não mudará nada? Erramos. Nada muda no meu sentimento em relação ao PDT e na minha determinação de fazer o partido cada dia maior, mas não devemos tapar o sol com a peneira.

    1. O caso da Tabata é completamente diferente. Até o dia da votação ela não tinha posicionamento claro, criticava a reforma depois votou a favor. Inclusive quando isso estava sendo discutido no partido ela não falou nada. Depois do voto não aceitou as consequências e atacou o partido e o Ciro Gomes.
      Alem disso, ela tinha ligações como o partido clandestino

    2. Verdade Pedro Moraes, penso assim também…. Sem falar no povo que nem estava acompanhando o caso e caindo de paraquedas só para defender o Cid…

  2. Militância dramática, teatral e épica, cheia de hinos e bandeiras e nomes gloriosos, fala-se muito em honra… Na prática o PDT é um partido sem rumo, e hoje, sem glória nenhuma. Uma verdadeira bagunça.
    Não adianta! Nem mesmo o “heroísmo da retroescavadeira” serve para alguma coisa, foi apenas um ato impensado e de enorme irresponsabilidade.
    Vamos parar de nos deslumbrar com teatros e imaginações de batalhas grandiosas. Isso aqui está um circo, um cabaré, não um romance épico de batalhas nem de heróis.

  3. Este texto retrata com fidelidade o descalabro crônico que assola o Brasil… e mostra, com sabedoria, o caminho a ser trilhado para reverter esse quadro👏👏👏👏👏👏🤗🌹

  4. Esse acordo jamais seria assinado por
    Leonel Brizola,fundador do PDT. Na verdade, o voto de Cid revela uma articulação mais ampla, que visa atrair partidos de centro-direita, como o DEM, em apoio a candidatura de Ciro. Cid buscou galvanizar a confiança dessa direita neoliberal ao revelar que o trabalhismo de Ciro é tão consistente quanto foi um dia a socialdemocracia que o PSDB dizia defender um dia por ocasião de sua fundação.

  5. Concordo muito com o texto quando se trata de autocrítica. Isso é essencial e é o que nos diferencia, mas o silêncio ensurdecedor do Cid ajudou nesse sobrepeso também, justamente por ele ser irmão do Ciro e representar uma massa, uma militância que surgiu e que precisa de líderes altivos e que saibam sempre se posicionar com firmeza. Não posso falar por todo mundo, mas grande parte das pessoas que conheço, incluindo eu também, não soubemos como nos portar diante disso nas redes. Estou com o trabalhismo e com a defesa do legado dos trabalhistas que representaram esse partido.

  6. Ocupar tanto espaço para escrever asneira esquerdista,acorda para a vida, vai trabalhar socialista do serviço público.

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