A esquerda emocionada e os moinhos de vento nas eleições municipais

A esquerda emocionada e os moinhos de vento nas eleições municipais
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O primeiro turno das eleições municipais 2020 acabou, trazendo um caminhão de análises apressadas e emocionadas. De um lado, a mídia hegemônica (majoritariamente liberal) anuncia o fim do Petismo. E do outro, vastos setores da esquerda (acompanhando a mídia hegemônica, vale salientar) anuncia o começo do enfraquecimento do Bolsonarismo. Analisar conjunturas políticas é sempre correr riscos, andar no meio fio. A probabilidade de equívocos aumenta, quando a analisamos de forma entusiasmada. Não tiro totalmente a possibilidade das eleições municipais serem o início do fim do Governo Bolsonaro, assim como não anulo que ela pode trazer mudanças na esquerda, nocauteando o PT. Entretanto, apenas viso pontuar neste breve texto que ambas projeções ainda são precipitadas, podendo o Bolsonarismo e o Petismo se reerguerem dentro deste novo cenário. Como muleta, utilizarei os frios números para reforçar meu argumento. E como foco, viso debater, especificamente, sobre o comemorado início do fim do Bolsonarismo.

A esquerda emocionada e os moinhos de vento nas eleições municipais

Rapidamente sobre o anunciado fim do Petismo: não, o Petismo não terá seu fim por conta das eleições municipais. Enquanto existir Bolsonaro no Governo Federal, existirá uma grande parcela da sociedade brasileira que milita ou simplesmente simpatiza com o PT. O radicalismo da extrema-direita, alimenta a nostalgia pelos já distantes 13 anos de Petismo. Este fim foi anunciado em 2016, nas últimas eleições municipais, e o partido conseguiu alcançar o segundo turno das eleições presidenciais em 2018, mesmo com sua principal liderança presa e desmoralizada pelos veículos de comunicação. O reduto no Nordeste e, um pouco menos no Norte, garante o Petismo como um relevante ator político. A recente libertação do ex-Presidente Lula, acompanhada da desmoralização da Lava-Jato, reforçam minha tese de que o Petismo pode até se abalar em 2020, mas isso não significa seu fim completo. Ele deve sim passar por uma autocrítica e os resultados municipais evidenciam essa necessidade, principalmente pelo fortalecimento do PSOL que pode ameaçar seu hegemonismo (já afetado pela ascensão de Ciro Gomes e do PDT) a médio prazo; mas nada que ainda coloque o Petismo com prazo de validade vencido.

Mas focando no anunciado e comemorado início do fim do Bolsonarismo, considero como totalmente equivocada esta análise. Várias personalidades e páginas alinhadas à esquerda, estão anunciando o enfraquecimento do Bolsonaro. Alguns partidos chegaram a comemorar o número de prefeituras conquistadas, como o PDT, dando a entender que à esquerda saiu fortalecida do 1º turno, enquanto o Bolsonarismo saiu enfraquecido. De imediato, afirmo que os dois polos mais enfraquecidos neste 1º turno das eleições municipais, foram: 1) a esquerda; 2) o Bolsonarismo. Sim, acredito que realmente Bolsonaro fracassou em sua tentativa de fortalecer a extrema-direita. De sete candidatos a prefeito que Bolsonaro anunciou apoio, apenas dois chegaram ao 2º turno. Foi o caso de Marcelo Crivella (Republicanos) no Rio de Janeiro e Capitão Wagner (PROS) em Fortaleza. Candidatos que, diante das projeções, tendem a perder à disputa para Eduardo Paes (DEM) e Sarto Nogueira (PDT), respectivamente. Dos vereadores indicados, Bolsonaro fracassou na indicação de duas bolsonaristas em São Paulo, trata-se de Sonaira Fernandes (Republicanos) e Clau de Luca (PRTB). E a famosa Wal Bolsonaro (Republicanos), ou Wal do Açaí, também não foi eleita em Angra dos Reis. Em suma, a extrema-direita fracassou nessas eleições municipais e Bolsonaro se mostrou um péssimo cabo eleitoral. Porém, vale a pergunta: a esquerda se fortaleceu diante desse fracasso? E mais, caso não, quem saiu vitorioso desse 1º turno e quais as relações desses vitoriosos com Bolsonaro?

Sobre o primeiro questionamento, vale uma dura mas real afirmação: a esquerda saiu enfraquecida do 1º turno e não fortalecida, como passa a impressão. Tomando o número de votos, prefeitos eleitos no 1º turno e vereadores eleitos apenas o PSOL saiu fortalecido. Não se trata de achismo, mas de uma realidade concreta e fundamentada. Vamos aos números? Tomo como base as últimas eleições municipais, realizadas em 2016, e comparo com os resultados obtidos neste 1º turno. Tomo como esquerda a soma de seis partidos (PT, PSOL, PCdoB, PDT, PSB e REDE), sendo o três primeiros tomados como “esquerda” e os três últimos como “centro-esquerda”. Por motivos óbvios de relevância, excluo deste cálculo nanicos como PCO, PSTU, PCB e UP. Os números foram tirados do programa “É da Coisa”, Bandnews, sob liderança do jornalista Reinaldo Azevedo. Segue:

Número de votos

  • PT: 6.795.749 em 2016 para 6.967.553 em 2020, variação de -2,53%;
  • PSOL: 2.098.633 em 2016 para 2.333.374 em 2020, variação de 6,42%;
  • PCdoB: 1.781.388 em 2016 para 1.184.243 em 2020, variação de -33,52%;
  • PDT: 6.404.512 em 2016 para 5.318.595 em 2020, variação de -16,96%;
  • PSB: 8.407.656 em 2016 para 5.238.449 em 2020, variação de -37,69%;
  • REDE: 995.447 em 2016 para 387.034 em 2020, variação de -61,11%.

Número de prefeituras conquistadas em 1º turno

  • PT: 254 em 2016 para 174 em 2020, variação de -31,50%;
  • PSOL: 2 em 2016 para 4 em 2020, variação de 100%;
  • PCdoB: 81 em 2016 para 45 em 2020, variação de -44,44%;
  • PDT: 334 em 2016 para 310 em 2020, variação de -7.19%;
  • PSB: 407 em 2016 para 250 em 2020, variação de -38,57%;
  • REDE: 6 em 2016 para 5 em 2020, variação de -16,67%.

Número de vereadores eleitos

  • PT: 2.815 em 2016 para 2.584 em 2020, variação de -8,21%;
  • PSOL: 56 em 2016 para 75 em 2020, variação de 33,93%;
  • PCdoB: 1.010 em 2016 para 678 em 2020, variação de -32,87%;
  • PDT: 3.771 em 2016 para 3.417 em 2020, variação de -9,39%;
  • PSB: 3.635 em 2016 para 3.010 em 2020, variação de -17,19%;
  • REDE: 180 em 2016 para 142 em 2020, variação de -21,11%.

Como podemos observar, apenas o PSOL cresceu positivamente. Esse crescimento pode fazer o PSOL se tornar um ator político mais relevante, formando mais quadros que poderão se transformar em deputados estaduais ou federais em 2022. Esse expressivo crescimento dos psolistas, podem ser o indicativo de uma renovação. Resta saber se o PSOL crescerá atrelado ao Petismo ou se, com o tempo e desenrolar dos fatos políticos, tomará uma identidade própria se posicionando firmemente à esquerda do PT. Ainda é cedo para projetar, porém, no momento, o PSOL cresce sob tutela petista e formando chapa com o mesmo em várias cidades, fato que não era comum anos atrás.

PCdoB, PSB e PT tiveram quedas significativas.

Desses três, o PT deve ligar o sinal vermelho de alerta, pois o partido tem intenções de se projetar em 2022. O PDT foi o que menos perdeu, tendo ainda chances claras de conquistar importantes prefeituras de capitais, como o caso de Fortaleza e Aracaju.

Já a REDE, diante deste pífio desempenho, caminha a passos largos para se tornar uma espécie de nanico na centro-esquerda. Mas diante desses números frios e realistas, pergunto: por que as comemorações com o enfraquecimento do Bolsonarismo, se a esquerda teve uma queda substancial? Esta queda é ainda mais sentida, pois além de ser oposição (ou seja, não está no poder), ainda viu a centro-direita ou direita tradicional ser a protagonista do 1º turno. Apesar da queda de MDB e PSDB em comparação com 2016, partidos do “centrão”, ou melhor, direitão como DEM e PP tiveram desempenhos exitosos.

Outros mantiveram números relevantes como PSD e PL. E isso acontece porque as eleições municipais, permitem um desenvolvimento ainda mais agudo do fisiologismo, característica principal desses partidos. Do top 5 de partidos que elegeram mais vereadores, todos são do chamado “centrão”: MDB, 7.294; PP, 6.289; PSD, 5.638; PSDB, 4.311; DEM, 4.308. E o primeiro fora desse top 5 é o PL, também do “centrão”, com 3.430. Só depois de seis partidos da direita tradicional, aparece o PDT como o 7º partido que mais elegeu vereadores no país. A sequência permanece idêntica quando o assunto é prefeitos eleitos em 1º turno: MDB, 774; PP, 682; PSD, 650; PSDB, 512; DEM, 459. Fora do top 5, temos mais uma vez o PL com 345. Assim como no cenário anterior, um partido de esquerda e progressista só aparece pela primeira vez na 7º posição, caso do PDT novamente. A queda numérica do MDB e PSDB em comparação com 2016, foi recompensada pelo crescimento de outros partidos do mesmo campo como o DEM e o PP. Enfim, praticamente o voto permaneceu alimentando a direita tradicional, então a maior vencedora deste 1º turno. A mesma direita que foi decisiva em 2018 ao aderir em massa à candidatura Bolsonaro.

Com este fortalecimento, o Bolsonarismo se torna ainda mais refém do “centrão”, mas por si só isso não significa seu fim. Bolsonaro pode, deve e já vem se reorganizando. Essa reorganização passa por um aceno ao “centrão”, visto recentemente, que por sua vez apoia todas as medidas econômicas de Paulo Guedes e companhia. Mesmo contrariando seus discursos de campanha, o presidente tomou o “centrão” como aliado e sabe da importância deles para a manutenção do seu governo. O “centrão” pode descartar Bolsonaro por uma figura da direita tradicional que surja, como Dória, por exemplo. Mas até o momento, o casamento Bolsonarismo e “centrão” não só existe como, diante desse 1º turno, tende a torna-se ainda mais firme. O Bolsonarismo perdeu essas eleições diretamente, mas não indiretamente. No mais, o sucesso de importantes candidaturas pelo Brasil, não pode camuflar esse cenário nefasto e preocupante. Como campo político, a esquerda não tem o que comemorar neste 1º turno. Se tiver beneficiários, são eles o PSOL e, pessoalmente, Guilherme Boulos. Boulos que por sinal, junto com Manuela D’Ávila (PCdoB), tende a perder no principal colégio eleitoral do Brasil, justamente para um adversário da direita tradicional. Mas tirando esta pequena parcela do que conhecemos como esquerda brasileira ou campo progressista, o 1º turno deve trazer mais preocupações que regozijo. Comemoremos sim às conquistas alcançadas, mas sem cair na emoção e nos moinhos de vento.