A estrada à frente

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Estamos há dois anos de conhecer o resultado eleitoral de 2022, se estivermos vivos. Passadas as eleições municipais, podemos ter uma atualização das perspectivas para a corrida pelo planalto.

Há um ano e meio, defendi que havia seis forças políticas relativamente distintas com força para disputar uma vaga no segundo turno de 2022: o bolsonarismo, o lulismo, o nacional-desenvolvimentismo, o neoliberalismo global, o lava-jatismo e o paulistocentrismo. Vou colocar grifada a avaliação que fiz depois de um semestre de governo Bolsonaro e atualizá-la logo depois. Como vocês poderão ver, apesar das ofensas então de petistas e bolsonaristas, meu índice de acerto continua muito alto.

“A primeira é o bolsonarismo. Com Bolsonaro presidente ele é favorito a chegar ao segundo turno e também a perdê-lo, como era o PT nas eleições passadas. Sua reeleição é quase impossível porque os aspectos mais severos da crise causada pela gestão neoliberal de Guedes sequer começaram a ser sentidos. Se Bolsonaro morre ou sofre impeachment até o próximo ano, o bolsonarismo paradoxalmente fica mais forte. Bolsonaro se torna vítima e Mourão, mais inteligente, pilotando a máquina do governo pode descartar Guedes, fazer uma ampla aliança com a política, estancar a crise e vir favorito para 2022.”

Os efeitos da crise neoliberal já haviam se aprofundado antes da crise do coronavírus, e agora entram em fase progressivamente agônica. A inflação e o desemprego são os mais altos da década e a miséria tende a chegar em seu nível mais profundo desde o Plano Real, com o fim do auxílio emergencial e a segunda onda da pandemia. A política de Bolsonaro e Guedes é a cada dia mais impopular e o presidente perdeu as grandes cidades, se sustentando ainda numa popularidade artificial segurada pelo auxílio emergencial. No entanto, acertou na política e conseguiu apoio dos setores mais fisiológicos do Congresso Nacional, o que o deixa por hora longe do perigo de impeachment. A solução Mourão para o bolsonarismo parece hoje muito distante. Bolsonaro está no comando de seu governo no momento e deve chegar a 2022, se sobreviver às investigações e às denúncias, favorito a chegar ao segundo turno e a perdê-lo, como descrevi em 2019.

“A segunda é o lulismo. Muito forte ainda nos grotões nordestinos, o lulismo mostrou que tem força para chegar ao segundo turno com Lula ou seu preposto, e nenhuma para vencê-lo. O cenário só se agravará em 2022 pois agora o PT não consegue sequer unificar a esquerda do espectro político num segundo turno contra a centro direita. A aposta para ocupar simbolicamente a esquerda portanto continua sendo em Bolsonaro, e hoje ninguém no país deve rezar mais pela saúde do presidente do que a burocracia petista. A relevância do PT hoje em grande parte depende da polarização com Bolsonaro. Caso cheguem em 2022 com alguma chance de chegar a um segundo turno com ele, tendem a unir todo o resto do país e mesmo eleitores do bolsonarismo em torno do terceiro colocado para evitar sua volta ao poder. Perder, no entanto, não é um problema para o PT. Eles sacrificarão o país inteiro para permanecer no papel de liderança da oposição, o que, no entanto, já estão perdendo.”

O lulismo é a força política que mais se desgastou em um ano e meio de governo Bolsonaro. Perdeu relevância como força de esquerda, como partido e viu a polarização com Bolsonaro se desfazer rapidamente. A soltura de Lula, como previ, fez seu discurso perder o sentido e sua força minguar. O uso de assistencialismo por Bolsonaro, como previ, fez o lulismo perder os grotões. No entanto, Lula, a figura, ainda teria força eleitoral para chegar ao segundo turno, mas não tem mais idade ou habilitação jurídica para isso. Seu poder de transferência de votos, no primeiro turno, parece ter chegado ao ponto mais baixo de sua carreira. Para completar, o PT perdeu claramente a liderança da oposição a Bolsonaro nestas eleições para os polos da centro-direita e da centro-esquerda (com o bloco PDT-PSB). Hoje, não lidera nem o campo progressista. O PSOL tende a ter candidato próprio para tomar o resto da classe média petista em 2022 e o PCdoB pode se incorporar ao novo bloco progressista. No momento, não vejo chances de o lulismo chegar ao segundo turno em 2022.

“A terceira força é o nacional-desenvolvimentismo, ressuscitado no Brasil por Ciro Gomes. O que se reúne confusamente sob sua liderança é tudo o que restou de forças na sociedade que ainda querem um projeto de país soberano e grande, e com alguma habilidade tende a crescer nos próximos anos tanto com eleitores desiludidos que acreditavam que Bolsonaro era nacionalista como com setores da esquerda que foram arrastados na marra por Lula e da classe média que vão se convencendo mais uma vez que neoliberalismo é colapso. Seu grande obstáculo será como sempre chegar ao segundo turno, mas dessa vez partirá de um patamar maior, e se conseguir aglutinar parte da esquerda e do centro que lhe faltou nas últimas eleições, chega como favorito. É por isso que isso não será nada fácil.”

O nacional-desenvolvimentismo continua claramente liderado por Ciro Gomes, que consolidou seu discurso com uma oposição forte e propositiva ao governo Bolsonaro e o lançamento de seu livro que propõe um projeto para o país. Não cresceu eleitoralmente, mas manteve sua fatia de intenção de votos. Consolidou uma frente de centro-esquerda entre PDT-PSB-Rede-PV que lhe faltou em 2018, mas ainda não avançou para o centro, embora tenha estreitado relações com PSD e DEM. Ciro continua precisando de uma estratégia de imagem e de rede profissional que catalise seu imenso potencial espontâneo nesse campo, e lhe garanta os 3% ou 4% a mais de intenção de votos que o consolidaria como candidato de sua frente e de alguns partidos do centrão, com o que se tornaria favorito em 2022. O cenário que vai encontrar é de devastação econômica, desgaste do discurso neoliberal, esgotamento com candidatos sem experiência e da busca pelo “novo”. Ciro é o único que pode chegar em 2022 e dizer que foi oposição aos juros de FHC e Lula, à política econômica de Dilma, Temer e Bolsonaro.

“A quarta força é o tucanato tradicional e a elite nacional que começa a se aglutinar em torno da candidatura de Luciano Huck. Não é um candidato nada desprezível num cenário de polarização. Apesar de representante do oligarquismo mais cruel do mundo, o da elite brasileira, e do neoliberalismo atroz de Armínio Fraga, esse apresentador de TV virá com um sorriso no rosto, simpatia e habilidade. Vai esconder seu neoliberalismo com um discurso identitário (não econômico) de combate à desigualdade. Vai disputar o voto ‘nem nem’ (nem Bozo nem Lula) com Ciro e ocupar simbolicamente o centro. Se mostrar força eleitoral e resiliência pode tirar o Centrão de Doria.”

A predação insaciável do neoliberalismo da Globo e da elite dos bilionários brasileiros já escolheu, como adiantei aqui há um ano e meio, Luciano Huck como seu candidato. É um candidato forte, mas com debilidades graves, a começar por seu histórico de exploração de conteúdo sexual na tv e de empregado da Rede Globo. É a face artística do neoliberalismo, que hoje se esconde atrás de um discurso de representatividade para as minorias e assistencialismo para os excluídos para se apresentar como “centro”. Dá certo, infelizmente. Ele será só o garoto propaganda do verdadeiro candidato, Armínio Fraga. Seu caminho ainda é longo, no entanto. Tem que vencer Dória na disputa pelo PSDB. Se Dória for candidato, suas chances de chegar ao segundo turno são mínimas. Seu potencial de voto ainda é muito frágil. Só conheceu da mídia e rede construção positiva de imagem. Sua resiliência às campanhas violentas de desconstrução é algo a ser visto. Dória e Bolsonaro irão cuidar disso no próximo ano, com certeza.

“A quinta força é o lavajatismo, o udenismo brasileiro que se recusa a morrer. Se desvencilhar-se rápido de Bolsonaro, Moro se torna forte candidato à presidência que atrapalhará os planos de Huck para ocupar o polo direito do voto ‘nem nem’ e levará consigo parte significativa dos votos do bolsonarismo. O udenismo nunca venceu uma eleição no Brasil e seus candidatos tiveram desempenho pífio nas últimas eleições, mas porque grande parte de seus eleitores optaram por Bolsonaro desde o início. Seu grande obstáculo, assim como apelo eleitoral, é a oposição ferrenha de toda a classe política da extrema-esquerda à extrema-direita. É hoje o maior inimigo da democracia e da soberania brasileira e o apelo do ‘combate a corrupção’ cada vez se torna mais fraco num país que foi devastado economicamente pelo lavajatismo.”

Tanto o lavajatismo quanto Moro, seu principal representante, se desgastaram muito com a associação ao governo Bolsonaro e as revelações sobre a operação. O combate à corrupção não levou o Brasil a ser uma China, como o udenismo prega. E já se vão sete anos nisso. Moro desgastou muito sua imagem com o tempo que passou no governo e depois deixou clara suas relações promíscuas com os EUA e a iniciativa privada. Tem hoje o mesmo tamanho eleitoral de Ciro no primeiro turno e muito menor no segundo. As chances de ele disputar de fato as eleições diminuíram, desistência que se concretizada favoreceria especialmente Ciro, que herdaria a segunda colocação, mas especialmente Dória e Huck, que ficariam com o campo menos congestionado à direita. Seus votos provavelmente se pulverizariam entre Bolsonaro, Dória, Amoedo, Huck e Ciro.

“A sexta força, e talvez no presente momento a mais fraca delas, é Dória que representa o ‘paulistanismo’ e se aliou provisoriamente ao Centrão fisiológico. Dória pode ficar sozinho com apoio de parte da elite paulista se o Centrão resolver se dissipar entre Mourão, Huck e Ciro. Ele tem que mostrar viabilidade eleitoral e não hesitará em usar todos os recursos que a atuação nas redes faculta para destruir aquele que é a maior ameaça à viabilização de sua candidatura: Huck. É governador de São Paulo e usou as redes com maestria para se eleger duas vezes nos últimos 3 anos, não pode ser desprezado em nenhuma hipótese. No entanto, um cenário de composição entre ele e Huck criaria o candidato favorito para ocupar o polo da direita nas próximas eleições, e isso não é nada improvável.”

Dória continua vivo, pilotando o maior estado da federação, com PIB duas vezes maior que o da Argentina. No entanto, sofreu severo processo de desconstrução de imagem pelo bolsonarismo e não mostrou habilidade ou competência suficiente para fazer frente a isso. Patina na ordem dos 4% de intenções de voto e enfrenta guerra fraticida com Luciano Huck pelo apoio da elite e do centrão, ou mesmo do próprio partido. Para viabilizar sua candidatura hoje precisa acomodar os interesses de Covas e Alckmin e derrotar FHC, partidário de Huck. Não acredito que algo que não a derrota interna no PSDB seria capaz de impedir que fosse candidato a presidente. Dória encara a política como uma viagem Apolo onde se descarta os módulos e não há volta atrás nem possibilidade de esperar. Ele, corretamente, sabe que não terá chance melhor que essa para ser presidente. Mas a chance é muito pequena.

Enfim, disse há um ano e meio que parecia haver só uma certeza para 2022:

“O PT vai perder no primeiro ou no segundo turno e não conseguirá sair do isolamento, em parte, porque já se acomodou novamente em seu velho papel de oposição inconsequente. Eles querem se isolar, e ninguém quer papo com eles. É a fome com a vontade de comer.”

As eleições de 2020 atualizaram esse diagnóstico mostrando que eles vão perder é no primeiro mesmo. O isolamento aumentou e o PT responde a isso sempre com redobrada violência.

Daqui há um ano e meio, no começo da campanha eleitoral, atualizarei esse diagnóstico. Até aqui, a taxa de acerto, desde a escolha dos protagonistas ao prognóstico de suas chances, foi bastante alta.