A guinada sectária de Flávio Dino e o ‘bloquinho’ de Ciro Gomes

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Ricardo Cappelli, porta-voz nacional de Flávio Dino, formaliza o abandono da Frente Ampla que defendeu diversas vezes para vencer o bolsonarismo fascistão e o lavajatismo malvadão para advogar a Frente de Esquerda exigindo que Ciro Gomes e Lula calcem as “sandálias da realidade”.

Não há problemas em mudar de posição de acordo com a conjuntura. Mas é preciso explicar as razões para um giro desse tipo.

Cappelli sempre enfatizou, e eu concordei, que o maior inimigo do Brasil é a Aliança do Coliseu entre o departamento de Estado norte-americano, a Globo, as corporações judiciais não-eleitas e o capital financeiro. O surgimento do populismo bolsonarista, inicialmente aliado do lavajatismo, completa o novo estado do mundo com a ascensão da extrema-direita como ponta de lança do imperialismo não apenas no Brasil, mas como tendência internacional.

Diante disso, para Cappelli não adiantaria uma Frente de Esquerda, ou melhor, Frente Sectária. Para enfrentar essa brutal ofensiva do neoliberalismo e do imperialismo radicalizado à direita é preciso atrair o centro nacional, do interior do país, ligado às questões regionais, dependente do orçamento público, atrelado à cultura local e que deu sustentação aos governos do PT. Foi quando o PT e a esquerda perderam o centro que sofreram o impeachment, as batalhas da lawfare lavajatista e as eleições.

No entanto, após as eleições municipais isso muda. Com o fortalecimento da centro-direita, Cappelli abandona essa análise, e passa a defender a Frente Sectária.

Agora, Rodrigo Maia, que era o campeão da defesa da democracia, virou representante do capital financeiro. Flávio Dino passou meses marcando Luciano Huck no Twitter para conseguir um afago recíproco sem sucesso, retornou ao lulismo fanático indo votar com uma camiseta escrito “Lula Livre” em homenagem ao ex-presidente que se encontra condenado apesar de solto.

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Pois bem. Se o apoio dos representantes do capital financeiro na centro-direita é uma ilusão, o que era a Frente Ampla do Direitos Já? Foram aqueles encontros de ridícula audiência e nenhuma ação prática que barraram o bolsonarismo fascistão e o lavajatismo malvadão?

Cappelli opera um sofisma retórico e uma manipulação sutil no argumento da Frente Ampla que defendi no texto “O desafio de Ciro Gomes é rachar o Centrão com Doria e Bolsonaro” na segunda-feira pós-eleição, e na entrevista de Ciro à Leonardo Sakamoto na terça-feira seguinte.

O que eu e Ciro argumentamos é que é possível, ainda que difícil, RACHAR o centro político com a direita neoliberal e com o bolsonarismo. Em 2018, o Centrão abertamente cogitou apoiar Ciro, mas optou por uma unidade inédita em torno de Alckmin justamente com esse medo da ascensão da extrema-direita e com pressões de Lula e Temer para isolar o trabalhista, mas perderam feio. Já Ciro, teve desempenho muito respeitável isolado praticamente em coligação com o pequenino Avante, mas com apoio de Alexandre Kalil do PSD em Belo Horizonte, o prefeito mais popular do Brasil, e de importantes setores do interior, como Kátia Abreu, campeã do agronegócio.

Nosso argumento se baseia no fato de que dessa vez Ciro está mais forte diante do enfraquecimento do PT e com um bloco consolidado de PDT/PSB/REDE/PV, que Cappelli chama de bloquinho, o mesmo tom pejorativo com que o PT chamava o Bloco de Esquerda em 2009 que contava também com PCdoB e outros partidos menores existentes na época e que não queriam se submeter ao hegemonismo petista sem ao menos poder negociar.

Este bloco, com recall da incrível votação de Ciro como terceira força nacional mesmo isolado, não é capaz de atrair partidos nanicos do Centrão que caminham para extinção da cláusula de barreira? Não é capaz de fazer mais alianças regionais como a que fez com Alexandre Kalil em 2018 e as muito bem-sucedidas alianças com o DEM na Bahia e em todo o nordeste em 2020? Baianos, alagoanos, sergipanos, pernambucanos, maranhenses, vão todos saltitando alegres fazer campanha para João Doria, o almofadinha da anti-política de São Paulo, ou para quem tiver mais força nesses estados assim como fizeram tanto para Bolsonaro como para Lula largando Alckmin em 2018? Com a diferença que dessa vez Lula e Bolsonaro foram brutalmente derrotados municipalmente, e Ciro, o PDT e o PSB foram vitoriosos nesses estados.

Mas então, porque Cappelli deu esse giro sectário?

Em 2018 ele denunciou o Domingo Sangrento da política sectária do PT para manter sua hegemonia com poderosas bancadas no Congresso, governadores, etc. Depois denunciou os Ecos do Domingo Sangrento, com o PT fazendo conluio com o PSOL para extinguir o PCdoB na cláusula de barreira. Aliás, é bom lembrar que Lula apoiou os Sarney contra Flávio Dino intervindo no próprio PT do Maranhão que queria apoiar o comunista.

Portanto, o que é mais ilusão, o “bloquinho” rachar nacos do centro e se apresentar como alternativa viável para o Brasil ou o PT abrir espaço para uma Frente de Esquerda (sectária) liderada por alguém de fora do partido? O argumento de Cappelli e de Flávio Dino tem uma malandragem implícita: “Ciro e Lula, parem de brigar, já que nenhum dos dois aceita o outro como líder, escolham alguém de fora da peleja que agrade os dois, olha eu aqui rs”. Esse é o sonho de uma noite de verão de Flávio Dino. Porém, os Comunistas do Brasil não são ingênuos. A fé neste sonho é em parte cínica, na verdade, o horizonte tático deles é muito mais concreto, é a manutenção de Dino como cacique dominante do Maranhão.

Ser um ator nacional, que atua como mediador das duas maiores e antagônicas forças da esquerda brasileira, fortalece Dino em seu pequenino e pobre estado que precisa tanto de Frente Ampla como da força do lulismo nos rincões do Brasil profundo para enfrentar o coronelismo sarneyzista. Tanto a Frente Ampla com Luciano Huck, com Supremo com tudo, como a Frente Sectária com Lula e a esquerda, servem a esse propósito.

O lulismo fanático de Dino é puro pragmatismo, é oportunismo no melhor sentido da palavra de aproveitar as oportunidades que são apresentadas. Não adianta ter moralismo com isso, assim como não adianta condenar Lula e o PT moralmente por atuarem com todos os instrumentos à disposição para manter seu hegemonismo. Mas é bom que se deixe tudo isso claro, e cada um que faça suas escolhas.

Chega de vender ilusões hipócritas. Não haverá Frente de Esquerda. Haverá o bolsonarismo na extrema-direita com o fisiologismo do baixo clero do Centrão, o bloco neoliberal da hegemonia paulista herdeira de 1932, o candidato do PT para tentar diminuir a erosão acelerada de seus decrescentes aparelhos eleitorais, o candidato sectário do PSOL para continuar seu crescimento na classe média ex-petista, e o “bloquinho” de centro-esquerda PDT/PSB/REDE/PV com o programa nacional-desenvolvimentista de Ciro Gomes tentando rachar o centro atraindo setores do Brasil real que precisa de um Estado forte para cuidar de suas populações paupérrimas. Flávio Dino vai buscar se manter dialogando com todos, à exceção do bolsonarismo, para não se tornar irrelevante no Maranhão após a brutal derrota nas municipais.